Meghan

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Às vezes eu sinto raiva por estar aqui por culpa de outra pessoa. Sei que não foi por mal, mas de que adiantou minha habilidade em ser cuidadosa por anos? De que adiantou nossos pais nos protegerem por anos?

Eles têm dito que eu sou forte, mesmo que eu não faça nenhum esforço, eu não luto para sobreviver, não tento fazer meu corpo forte, e de alguma forma não tentar está me ajudando. Os testes e sessões são cansativos, mas nada é pior que a solidão, não ter ninguém para conversar.

Ninguém exceto um dos guardas. Ele é legal, em termos, ele cumpre seu dever, mas ao contrário dos outros ele não me ignora ou é rude.

Só há um nome em seu crachá: L. Woodward.

- Cansada de ficar aqui? Eu disse para ter paciência.

Ele não pode ser mais que dois ou três anos mais velho que eu, é alguém que provavelmente eu seria amiga, se não fosse a situação. Ele trabalha para o Domain, isso já diz muito.

- Eu odeio esperar! – Exclamo.

Se eu não soubesse de nada, não esperaria por nada, mas alguns dias atrás ele me contou. Tortura e testes são a primeira fase do Nihil, a segunda é a prisão coletiva. E se você tiver bom comportamento você retorna a sociedade, uma readequação, e não é claro sem um novo chip que monitora suas ações, seus passos, sua fidelidade ao Domain.

Eu não ligo para a terceira fase. Não quero voltar tendo um chip me monitorando. Só ligo para prisão coletiva.

Talvez eu consiga ficar aqui para sempre se puder ver pessoas, falar com elas. É irônico que a primeira vez que eu serei autorizada a conversar, a interagir, a existir, será dentro de uma prisão.

- Tenho que te levar para o teste de hoje.

- Ok.

Me levanto. Estou vestindo a mesma roupa suja de todos os dias, eu queria tanto um banho. Eu tive um, mas era mais tortura que banho. Um jato de água gelada me acertando, e machucando, enquanto me pediam por respostas.

Quem são seus pais?

Eu quis chorar. Saudade dos meus pais, irmãos, até do sotão, mas não podia pensar neles, não podia esboçar que eles existiam.

- Eu não sei. - Afirmei naquele dia. - Acho que tínhamos seis e sete anos quando eles nos deixaram, nunca mais voltaram, nós comíamos na rua, achamos um esconderijo. Crescemos sozinhas, eu nunca mais os vi.

- Mas você tem que saber seus nomes, endereço. - Insistiram.

- Parece que faz uma eternidade, eu nem me lembro mais dos rostos deles. Lembro que eles nos escondiam em um porão todos os dias e noites, nunca falavam seus nomes na nossa frente. Quando nos deixaram tentamos voltar, mas para duas crianças que nunca deixaram o porão era impossível saber o endereço ou se guiar por uma cidade tão grande. Nós estávamos sozinhas.

Sou uma boa mentirosa, e nesse momento me orgulho disso.

Espero que minha irmã tenha feito sua parte, nós combinamos isso anos atrás para caso algum dia fossemos pegas. Obviamente nenhuma de nós achou que aconteceria de verdade.

- Fique forte. - Woodward diz enquanto me leva.

Sorrio apreensiva. Testes são sempre dolorosos.

- Qual é seu nome? - Pergunto no corredor ao soldado, tentando me distrair.

- Sem conversas no corredor.

Reviro os olhos. E de repente, algo muito rápido diante dos meus olhos, um garoto se solta do seu soldado e se atira contra a janela de vidro, nós estamos no segundo andar.

- Ah meu Deus! - Levo a mão a boca em choque.

Outro garoto está sendo contido por um soldado, ele está transtornado. Woodward me empurra para trás dele. Eu não sei o que pensar, não quero pensar sobre o garoto que pulou. Então faço o que sei fazer de melhor depois de me esconder, tagarelar.

- Não posso nem ser levada ao teste em paz? - Resmungo. - Pelo menos saímos do tédio.

Não era exatamente isso que queria dizer, alguém se atirar lá embaixo não é sair do tédio. É horrível. O garoto encostado na parede esperando o fim da confusão me encara. Ele é muito alto, seu cabelo é quase branco e seus olhos azuis parecem vidro.

- Espero que o outro lado seja menos chato quando pudermos conviver.

Os olhos de vidro se arregalam.

- Que outro lado?

Alguns soldados passam correndo.

- Quando acabarem os testes, a prisão passa a ser coletiva. Seus soldados nunca deixam escapar nada? - Pergunto, me questionando se Woodward é o único que faz isso. - Você deveria ser mais inteligente e arrancar coisas deles, isso ajuda a nos manter com esperança.

Ele sorri e eu sorrio de volta.

- Quieta! - Woodward me fala.

Ele me leva pelo corredor, mas não a caminho do meu teste.

- Para onde estamos indo?

- De volta para seu quarto. - Diz. - Você não estava bem, ficou em choque com o que viu, não tinha condições para o teste.

- O que está falando?

Sou levada em silêncio para o quarto. Ele não me dá nenhuma resposta. Por que ele se preocupa comigo? Por que me conta coisas? Por que me livrou de um teste?

Woodward me solta no quarto e checa o trinco da porta antes de sair.

- Não vai me dizer nada? - Pergunto. 

- Olhe a fechadura.

- O que?

- Só olhe.

Ele bate a porta e a tranca por fora. Por via das duvidas, olho a fechadura, mas o que poderia haver aqui? Aparentemente, nada, é um buraco tão pequeno, mas me lembro da segunda fechadura que tem um buraco maior.

Tem um papel enroladinho.

Olho para a câmera em uma das laterais. Coisas que eu aprendi com Woodward: a câmera não capta sons e ela tem um ponto cego. Uma vez passei o dia todo encostada nela, como ninguém me via na câmera por horas, vieram me checar.

Pego o papel e leio encostada na porta.

Eu nunca te vi pessoalmente, mas me lembro das suas fotos, seus pais as enviavam para nossa casa em sigilo, para que pudéssemos ver vocês crescerem. Claro que tínhamos que queimá-las logo em seguida, nenhum vestígio da existência de vocês poderia existir.  Mas mesmo que não tivesse visto as fotos, você é igual a sua mãe. Deve estar se perguntando quem eu sou, aqui vai a resposta, seu tio, irmão mais novo do seu pai.

L. Luke. Eu me lembro de quando meus pais o mencionavam. raramente nossos avós nos visitavam, muito rápido, só eles, não podíamos receber muitas visitas, quanto mais gente sabendo sobre nós, mais difícil manter segredo.

Apenas o sobrenome é estranho. Papai tem o sobrenome Turner.

Eu adoto o sobrenome do nosso pai, ele o da mãe. Turner Woodward. Talvez por isso não tenha nos associado. Queria poder tirar você daqui, queria ajudar mais, mas é impossível. Se eu fosse pego... seria pior que o Nihil para mim. Só posso tentar cuidar de você aqui. Aguente firme, só mais três dias e você mudará de estágio.

Sorrio. Tudo bem tio Luke, você estar aqui já é suficiente.

Tenho que me livrar do papel, não posso aparecer na câmera com ele. Faço a unica coisa que consigo pensar, coloco-o na boca e mastigo até engolir. 

Nojento. Quase tão ruim quando a ração que chamam de comida aqui.

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⏰ Última atualização: Aug 05, 2017 ⏰

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