Chuto uma pedra do tamanho do meu punho e ela rola pela grama até cair no riacho lá embaixo. Meus olhos ainda estão inchados de tanto chorar e eu estou tão irritada por não conseguir dormir que quase não me suporto. A tranquilidade da madrugada devia me tranquilizar e relaxar - ao menos era assim quando eu estava na Terra -, mas tudo nesse lugar surreal e insano me deixa inquieta e emocionalmente fora de controle.
Faz três dias que Loyal e eu fomos transportados de forma sobrenatural para o que ele chama de Centelha do Norte - ou coisa parecida. Uma dimensão fora da Terra que parece cenário de um jogo de RPG que vi garotos da escola jogarem certa vez. O ar aqui é diferente, o sol, a lua e toda a natureza ao meu redor parece fantasiosa e estranha demais para ser possível.
Desde que cheguei, tenho pesadelos. Loyal disse que a noite aqui é bem mais longa que uma noite na Terra, o que me deu tempo de sobra para ser perturbada pelas coisas mais estranhas com as quais já sonhei. Vejo luz e sombras numa briga feia e sem fim. Vejo sofrimento e muita dor. Vejo mortes. E vejo o rosto de Ricky Prosper, o garoto novo com quem minha amiga Effy esteve envolvida ultimamente. Ele tem aparecido o tempo todo.
- Vai dormir aí de pé?
Trinco os dentes ao ouvir a voz de Loyal atrás de mim. Não me dou ao trabalho de me virar ou de olhar para ele.
- Me deixe sozinha.
Ele para ao meu lado e suspira, olhando para o céu púrpura.
- Sei o que está pensando - murmura, chutando o que na Terra chamamos de grama.
- Não, não sabe.
- Eles iam matá-la se eu não tivesse te tirado de lá.
Mais lágrimas chegam. Fecho meus olhos.
- E se eu já estiver morta? - fungo, sentindo raiva. - Você disse que não sabe como me mandar de volta para casa. Para mim isso é o mesmo que estar morta. - Finalmente cedo e olho para Loyal. - Sabe como meu pai deve estar preocupado?
Ele franze o cenho e coloca uma das mãos sobre a minha cabeça, dando dois tapinhas desajeitados. Parece genuinamente chateado e isso me dá ainda mais vontade de chorar.
- Por que você teve que me trazer para cá? - choro alto, afastando a mão dele. - Por que me envolveu nisso?
Loyal fica parado em silêncio ao meu lado até que eu termine de chorar. Quando finalmente me canso, retorno à cabana e ele me segue. O lugar ainda está imundo, mas Loyal me deu algo que se parece com um colchonete que não se suja ou molha e temos usado essas coisas esquisitas para dormir - ele no dele e eu no meu. Sem dizer nada, pego meu colchonete alienígena e vou para meu canto de sempre, onde tenho dormido nos últimos dias. É perto de uma pequena janela que dá vista para o céu e me faz sentir um pouco menos sufocada.
Ouço os passos de Loyal e de repente ele está ao meu lado.
- O que quer que tenha nos trazido para cá - começa a dizer -, não foi minha culpa.
Encaro-o e dou uma risada irônica.
- Estou falando sério - ele segura meu braço, arregalando os olhos escuros. - Você ouviu o que o ancião disse, não ouviu? Você... você é a humana que julgará Iluminados e Sombrios.
Fecho os olhos, desejando desaparecer.
- Isso é demais para mim, Loyal - sibilo, sentindo minhas forças se esvaindo. - Eu sou só uma garota normal que conheceu um garoto problemático e se meteu em uma bagunça bizarra. - Suspiro e olho para ele. - Quem sou eu para julgar alguém?
Seus dedos pressionam meu braço com uma firmeza suave.
- Você é humana.
Rio, desdenhando.
- Ah, grande coisa. Não sabe muito sobre humanos, sabe?
- O suficiente para saber que você é a humana certa.
Suas palavras me pegam de surpresa pela ausência de sarcasmo ou rispidez nelas.
- Lola, eu tenho lutado pelas Sombras a minha vida toda e nunca conquistei nada que valesse a pena. Depois de ouvir o que o ancião disse sobre julgar Luz e Sombras e sobre o meu destino, tive certeza de que preciso fazer parte disso.
Franzo a testa.
- Fazer parte?
- Eu posso proteger você.
Crispo os lábios, pega de surpresa novamente. Desvio os olhos dos de Loyal e fito o colchonete em meus braços.
- Eu não conheço muito bem as profecias - ele continua -, mas sei quem pode nos ajudar. Vamos encontrar essas pessoas e saber o que precisa ser feito para que o seu julgamento aconteça. Então faremos.
- Por quê?
- Por que o quê?
Deixo o colchonete cair e encaro Loyal.
- Por que eu faria isso? Não tenho absolutamente nada a ver com essa guerra entre o seu povo ou o que quer que esteja acontecendo aqui. - Esfrego meus olhos, exausta. - Eu só quero voltar para casa, para o meu pai e esquecer de tudo isso.
- Você quer se esquecer de mim? - a voz de Loyal é quase inaudível.
Ele dá dois passos para mais perto e eu recuo até sentir a parede em minhas costas. Loyal apoia uma das mãos na parede, perto de meu ombro, e se inclina até nossos rostos ficarem bem próximos.
- Um mundo inteiro depende de você - ele diz e eu observo seus lábios formarem as palavras devagar - e agora eu dependo de você. Preciso de respostas e só com sua ajuda vou consegui-las. Julgue a Luz e as Sombras e eu prometo que farei o que for preciso para levá-la de volta para casa em segurança.
- O quê? - arqueio as sobrancelhas. - Mas... mas você disse que não sabe como fazer isso.
Loyal meneia a cabeça.
- Eu vou descobrir.
Engulo em seco. Ele está perto demais de mim, o que deixa tudo ainda mais desconfortável e constrangedor. Faz com que eu queira dizer sim a tudo que ele me pede.
- Esse... e-esse julgamento é mesmo tão importante para você? - pergunto, sem saber para onde olhar além de seus lábios.
- Sim. Eu quero justiça para as pessoas que perdi.
Olho para Loyal sob uma nova perspectiva. Quão mais misterioso e complexo ele pode se tornar? O normal seria começar a compreendê-lo conforme passo mais tempo com ele, mas está acontecendo justamente o oposto. Quem é ele, afinal?
- O que me diz? - Loyal soa quase educado, tombando o rosto para encontrar meus olhos.
Viro a cabeça para o outro lado, sentindo meu rosto arder. De perto ele é muito bonito.
- Tá, tanto faz - digo.
- O quê? - ele tira a mão da parede ao meu lado e segura meu braço. - Você...
- Eu disse que sim - puxo meu braço e me abaixo para pegar o colchonete. - Está tarde, me deixe dormir em paz.
Loyal coloca a mão em minha cabeça outra vez e a afaga leve e rapidamente. Então se afasta sem dizer mais nada. Quando me deito para dormir, sinto-me, de alguma forma, mais determinada. Não sei quem essa gente pensa que eu sou ou como querem que eu julgue Luz e Sombras, mas preciso sair desse lugar. Preciso voltar para meu pai, minha casa, meu planeta - se é que isso aqui é outro planeta. E farei o que estiver ao meu alcance para que isso aconteça o mais rápido possível, mesmo que seja pura loucura.
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A Ruína de Ricky Prosper (VOLUME 2)
FantasyVOLUME 2 DA TRILOGIA "Ricky Prosper"! As vidas de Prosper, o Iluminado, de Effy, a Cinzenta, de Loyal, o Sombrio e de Lola, a humana, agora estão irreversivelmente entrelaçadas. Os quatro são a chave para colocar um fim na guerra entre Iluminados...