Loyal

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     Atiro minha faca e acerto o animal exatamente no ponto atrás da cabeça onde eu estive mirando nos últimos minutos. Minhas habilidades de caça parecem intactas, apesar do ferimento em meu braço causado pela queda com Lola durante a viagem pelas sombras. Assim que abato nosso almoço, jogo-o sobre o ombro e retorno à cabana. Encontro a humana arrancando um punhado de plantas com as mãos nuas com uma expressão peculiar no rosto; ela experimenta um pedaço de cada folha para ver se têm gosto bom o suficiente para comer. Eu me aproximo silenciosamente e ela não nota; inclino-me e digo perto de seu rosto:

     - Plantas não são o almoço de animais lá na Terra? 

     Lola dá um grito e cai para trás na grama.

     - Que susto, idiota! - ela tenta chutar minha perna, mas não alcança.

     Tombo a cabeça para o lado.

     - Por que estava comendo plantas?

     Ela limpa a boca com as costas da mão.

     - Eu... eu não estava comendo - responde, mau humorada. - Estava experimentando. Elas se parecem com algumas que tenho na horta de casa. - Ela olha para o animal que eu trago pendurado em meu ombro e sua expressão muda. - Sabia que plantas assim servem como tempero? O que você trouxe aí?

     Mostro o animal a ela e vejo seu nariz pequeno se franzir.

     - Ele parece um peru, mas... sem asas e penas? Tão esquisito... - seus olhos atentos avaliam o almoço. Então olha para mim com expectativa. - É bom para comer?

     Dou uma risada sarcástica.

     - Melhor que plantas.

     Dou as costas a ela e começo a adentrar a cabana.

     - Como vocês cozinham aqui? - Lola me segue. - Têm fogo e panelas? Um fogão a lenha, talvez?

     Coloco o animal sobre a mesa de pedra e madeira e olho para ela, incrédulo.

     - Acha que somos tão ultrapassados?

     Ela pestaneja.

     - Bem... isso tudo me lembra a Idade Média, não posso evitar.

     Estalo a língua enquanto saco a faca para retirar a pele do animal.

     - Idade Média... - resmungo. - Aqui não temos esse tipo de coisa. O tempo é sempre o mesmo, não importa quantos séculos se passem.

     Lola para ao meu lado, curiosa sobre o nosso almoço e sobre o que estou falando. Dá para ver o quanto ela é genuinamente curiosa, o que deixa ainda mais evidente sua humanidade. É uma característica interessante que talvez tenha sua utilidade no futuro, quando precisarmos descobrir mais sobre as profecias que se referem a ela.

     Não sei quase nada sobre o papel de Lola como juíza. Não sei o motivo pelo qual uma humana faria isso ou de que forma será feito. Mas sei que vou ajudá-la e que, dessa forma, trarei o castigo que os Iluminados merecem depois de passarem anos massacrando meu povo sem ninguém para refreá-los. Será o fim de sua hipocrisia e predominância "da Luz" e seu falso moralismo. Mal contenho meu êxtase ao pensar em Centelha do Norte livre de seus opressores, livre dos rótulos - Iluminado, Cinzento e Sombrio -, livre da guerra. E todos que conheci e que lutaram contra essa mal finalmente serão vingados.

     - No que está pensando? - a voz de Lola me tira de meus devaneios idealistas. Ela está olhando atentamente para mim com aqueles olhos interessantes e cada vez mais curiosos.

A Ruína de Ricky Prosper (VOLUME 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora