Dezoito

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*Noa*

Pensava agora no Pedro e no seu melhor amigo. Só espero que tudo esteja a correr bem, sei a importância que o Dinis tem para o Pedro e foi muito corajoso da sua parte perdoá-lo e conviver como ele como sempre gostou.
Ao longe vi o Pedro a correr na minha direção, parecia alegre e aliviado.
- Noa, meu amor? – Chamou-me. – Estás pronta?
- Claro mal posso esperar por o conhecer. – Sorri e depositei um leve beijo nos seus lábios.
- Pareces contente. – Entrelacei os nossos dedos enquanto percorríamos os corredores frios e sem cor.
- Espero que gostes dele tal como eu. – Sorriu abrindo a porta.
Olhei lá para dentro à espera que ele me dissesse quem era o sujeito.
- Dinis? – Pedro tocou-lhe no ombro.
- Noa? – O tal sujeito arregalou os olhos.
- Dino? – Afastei-me sentindo um ardor nos olhos.
- Vocês conhecem-se? – Pedro perguntou confuso pois não tinha ideia nenhuma do que se estava a passar. Nem eu para ser sincera.
- Melhor que ninguém. – Fiz um esforço para não chorar.
- Noa vamos falar. Nunca o fizemos desde que... - Pausou suspirando. – Desde que aquilo aconteceu.
- Não há nada para falar... - Cada minuto ali, sentia-me cada vez mais repugnada pelo ser que estava diante de mim.
- Não há nada que eu me arrependa mais Noé. – Este deixou escapar uma lágrima.
- Não me chames isso! – Exclamei. – Não há nada que me faça acreditar em ti.
- Podem explicar-me o que se passa? – Pedro voltou a intervir na discussão.
- Apresento-te o teu melhor amigo. Professor de Educação Física que viola as namoradas depois de as trair. – Chorei, mas apenas dos meus nervos.
- O quê? – Pedro falou um pouco incrédulo.
- Ouviste bem, eu fui violada por ele.
- Foste tu a cabra que o enfiou cá dentro? – Pedro falou um pouco mais alto. – Foste tu que te atiraste a ele para depois inventares todas estas mentiras.
- Foi isto que contaste aos teus amigos? – Falei indignada. – Continuas um bom ator.
- Para de o atacar, cabra! – Pedro agarrou-me o braço. – Não te voltes a meter com ele.
- Eu fui violada por ele Pedro.
- Achas mesmo que eu vou acreditar nisso.
- Larga-me estás-me a magoar. – Falei um pouco mais alto de modo a não atrair as atenções para nós.
- Eu não acredito que me apaixonei pela puta que tramou o meu melhor amigo! – Deitou as mãos à cabeça.
- Tens de acreditar em mim Pedro. – Chorei tentando abraçá-lo.
- Como é que é suposto fazê-lo? – Tentou falar mais alto. – Enganaste-nos a todos.
- É suposto acreditares em mim, como eu acreditei que já não és um mulherengo e não continuas a cometer os crimes que cometias. – Falei no mesmo tom que ele. – Sei lá se não me estavas a mentir, se calhar até estavas. Mas sabes que mais, fica aqui com ele, é na prisão que mereces estar filho da mãe. Não sei como me fui enganar pelas palavras bonitas outra vez. – Finalizei e sai frustrada daquele lugar. Não merecia isto, não merecia viver o meu passado.
- Noa, espera! – Ouvi a sua voz. – Eu sou o Pedro diferente daquele que tu designaste lá dentro, tudo o que vivemos foi verdadeiro, eu amei-te, foste o amor da minha vida. – Chorou. – Mas o Dinis não merecia aquilo.
- Eu fui violada. – Explodi. – Ainda hoje sinto as mãos dele a navegarem por zonas proibidas, ainda hoje sinto o ardor na minha garganta provocada pelos gritos infinitos de ajuda. Ainda neste momento recordo as palavras monstruosas do médico a contar-me que as hipóteses de eu engravidar eram muito baixas. Nenhum de vocês sabe mas eu vivo todos os dias com dores horríveis, sofro de dor pélvica crónica, mas felizmente estava a melhorar com a tua ajuda. Só para não falar de todas as tentativas de suicídio, e o meu transtorno bipolar. Ainda achas que é mentira?
- Adeus Noa. – Pedro virou costas e voltou a entrar.
Estava tudo arruinado, o império que havia construído estava a ser atacado de novo. Voltei a viver o meu passado, e desta vez da pior maneira. Voltei a sentir aquela sensação de repúdio, ninguém acreditava em mim, principalmente aqueles que mais amava. As mil e uma sensações voltaram, começando pelo seu toque, o seu cheiro e sua voz.
Como fui tão burra em não juntar todas as peças: a Rita que era amiga do Pedro, os crimes que ele cometeu, as histórias que ele me contou sobre ele e o melhor amigo. Voltei a cegar-me pelo amor, mas desta vez foi pior pois a pessoa que eu mais amava não voltaria a olhar para mim de novo.
É impossível acreditar em todas as mentiras que Dinis conseguiu inventar ao longo destes meses.
Parece que Deus tinha feito as pazes com o Diabo novamente.
Quando dei por mim, perdida em várias tonalidades de pensamentos, decidi ligar ao Miguel:
- Mas que raio se passou? – Miguel parou na bomba de gasolina. – Vais falar, vieste o caminho todo calada.
- Porque se eu te contar isto também te vou perder, assim como a Lia, porque se nem o Pedro acreditou muito menos tu o vais fazer.
- Desembucha.
- O Dinis é o meu violador. – Fui direta ao assunto. – E por aquilo que sei, ele contou-vos que eu inventei tudo, agora vou-vos perder a todos, não vou ter mais ninguém que me ajude aqui no Porto. Mas Miguel eu tenho provas que o que eu estou a dizer é verdade. – Falei um pouco mais rápido que o normal devido ao desespero.
- Calma Noa. – Miguel afagou-me a bochecha. – Eu sei que tu estás a falar a verdade, e lamento imenso descobrir que foste tu sendo agora tão próxima de mim pois nutri um grande amor por ti. É impossível imaginar alguém tão bondoso como tu sofrer assim, e infelizmente foi um dos meus grandes amigos que te provocou toda esta dor. Mas infelizmente o Pedro é o único que não acredita nos advogados e continua a achar que o Dinis é que está certo, está no seu direito infelizmente.
- Mas porra eu amo-o. – Chorei. – Eu contei-lhe tudo por aquilo que eu tinha passado, todas as dores, todas as sensações e ele não quis saber, virou costas.
- Por muito mais que te custe, dá-lhe tempo. Eu sei que o Dinis vai-lhe contar a verdade. Sei que é um pouco impossível, mas até pode ser que tenhas oportunidade de resolver as coisas com o Dinis, o tempo dirá. – Miguel deu-me um leve sorriso. O que eu faria sem ele, não queria ser repetitiva mas ele era o meu anjo da guarda, e aquele metro, o meu amuleto da sorte. – Vou mandar uma mensagem à Lia para contar contigo para almoçar.
- É só que eu tinha medo de viver tudo de novo, e vivi.
- Voltas a começar de novo.
- E se eu estiver cansada de começar de novo?! 

***

Depois de contar todo o sucedido outra vez, sentei-me no sofá confortável do Miguel, sem me preocupar em ajudar a preparar a refeição. Compensava-os depois.
A minha cabeça dava voltas, não sabia o que fazer, já nem sabia se queria continuar a viver na cidade mais bela que me faz sorrir todos os dias. Se calhar sair daqui era o mais acertado. Não suportaria viver constantemente junto ao Pedro sem lhe poder tocar ou falar. Se bem que a vontade neste momento era pouca, magoou-me e perdoá-lo seria difícil, então esquecer nem se fala. Tínhamos começado uma relação há pouco tempo mas não significava que não eramos capazes de fazer todas as coisas cliché de uma relação: a confiança, a amizade, a conversa, algo que ele não tinha respeitado. Talvez não me amasse como dizia, talvez fosse um isco, ou até mesmo uma nova aquisição visto que era nova na cidade. Mas queria por essa hipótese de lado pois tudo o que passei com ele foi sentido e não me arrependia de nada. Nunca amei ninguém como o amo a ele, ao Pedro.
Queria agora focar-me num futuro profissional, era para isso que eu tinha vindo para o Porto, mas nada poderia afetar-me agora, nada de distrações, nada de dramas, só eu e o meu futuro.
Era isso, a decisão está feita...

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