Fascínio - 03

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                                                                                       Vincent


— Isso não foi normal. Conseguiu me superar, em todos os sentidos – diz Lucca com a voz embargada. – a voz daquela garota... e a menina doente não saem da minha mente. E você sabe perfeitamente que não me comovo facilmente – seu sorriso é quase maligno. Mas está sendo sincero.

Vincent respira fundo. Estava no seu limite. Somente no meio da estrada começa a perceber a pessoa que foi naquele lugar. E deixa a boca cair. – ele não fez aquilo. Não reagiu daquela forma... – sente um gosto amargo em sua boca, e era exatamente assim que estava. Amargo.

— Se bem que... a achei bonitinha. Mentira – fala Lucca analisando a densa mata a seu lado – era muito bonita. Adoraria tê-la andando pela casa. Não seria uma vista tão ruim. Mas você a assustou Vincent. Será que aceitaria ser uma das nossas empregadas?

Vincent mal escuta. Em outro momento puxaria a orelha de Lucca por falar daquela forma da jovem mulher, mas ele fez algo muito, muito pior.

Era um rapaz rico, tinha como noiva a mais bela e rica da capital, tinha um lugar de prestígio na cidade, odiava o campo, era o único herdeiro de seu pai e não precisava apenas ser bom, tinha que ser o melhor para assumir o cargo na empresa. Estava em seu limite, não queria estar ali, não queria fazer aquilo, e percebeu que fez tudo errado. Foi egoísta e prepotente, na verdade nem ele mesmo se reconheceu. Foi como o pai.

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— Pai! – exclama com todo suporte de voz que tem – não! Não vou fazer isso!

— Você não tem escolha, Vincent. Deixe de ser covarde e vá.

— Não, pode fazer isso comigo. Odeio aquele lugar. Sinceramente não te entendo. Me forçou a fazer o curso de administração para me enviar para um fim de mundo? É isso? Você só pode estar brincando comigo. – ri de forma amarga.

— Não, eu não estou Vincent.

— Tirei as maiores notas, parei de beber a anos, nunca me aproximei de nenhum tipo de droga e mantenho um relacionamento estável com Melissa, tudo para você poder dizer a seus amigos fúteis que sou o filho ideal. Não pode me cobrar isso.

— Olhe aqui seu insolente. Pouco me importa se é um drogado, bêbado ou o que fez ou faz por mim. Precisa pensar como um homem. Preciso te ensinar na prática, você tem que assumir essa empresa logo e ponto. Esse é seu teste. Seja aprovado e poderá ter a vida que como diz, tirei de você.

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A atitude da garota foi tão inesperada que ele agiu como um animal que vê seu habitat de domínio ameaçado, competiu com ela. – sentia-se ridículo e extremamente envergonhado. Mas obviamente era orgulhoso demais para assumir. Queria voltar e fazer algo pelas duas mulheres doentes que viu, mas... Simplesmente dá calado como resposta para a própria razão.

Não era o tipo que humilhava alguém... Vincent nunca tinha humilhado ninguém. Nem chegado perto... E estava começando a ser consumido pela bela e ensurdecedora culpa.

— Em anos na capital não vi tamanho atrevimento e... Gostei dela. Mas já disse isso. – fala Lucca sorrindo. Seu tom tinha sim malícia. Sua personalidade machista e egocêntrica falava mais alto sempre.

— Nunca arrumará um marido. – Vincent pensa em voz alta, sendo também machista.

— Não seja machista, ela tem atitude. Talvez o Campo não seja tão ruim... – solta uma risada fria.

— Aquela mulher nos odeia. Não pense que terá algo com ela. Haja diferente Lucca, pelo menos aqui. – diz Vincent encostando a cabeça no banco, sentindo-se um hipócrita por falar aquilo.

                                                                                       *

A noite foi longa, quase não conseguia dormir. Por mais que Vincent tentasse, não conseguia tirar a imagem da jovem de sua mente. A forma como agiu com ela, a mãe, a irmã e a vizinha. Fez com que se sentisse alguém que não era e estava disposto a se redimir. Mas não, não abriria mão das terras. Aquelas terras eram de seu pai, e ele prestaria conta ao seu modo, e Vincent sabia bem como seria. – não poderia demonstrar fraqueza.

Sua estadia em Campo Verde era um teste e estava disposto a ser aprovado. Estava deixando muita coisa para fraquejar por conta de uma camponesa histérica, que despertou um de seus piores lados, aquele Vincent que a cidade Nova alimentou, como se alimenta um cão faminto.

Estava cansado, pensava que poderia viver experiências novas, mas não queria enfrentar o novo no Campo. O pai feriu seu orgulho, ninguém queria morar no campo, para eles as pessoas da zona rural nem existiam, afinal nem se quer mão de obra em fábricas eram possíveis fornecer. Então eram esquecidas. E Vincent não queria estar entre os esquecidos.

Mas se era para estar, precisaria que ser alguém diferente, teria que fazer com que um novo eu renascesse dentro de si. Não queria ser o carrasco que tira terras de pessoas inocentes.

Estava na varanda de seu quarto e deixava o frio da madrugada corroer seus ossos. Tinha muito guardado no íntimo de seu ser. Sentia que precisava se libertar, caso contrário explodiria. E esse era o motivo pelo qual havia passado dos limites atualmente. Precisava de controle.

Mas como? Como poderia controlar o turbilhão de coisas que o assombrava? 

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