A Reunião

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Danilo observou a mão e estendeu a sua em resposta.

-Prazer, meu nome é Danilo.

Danilo olhou para trás de canto de olho para ver se o garoto reparava o diálogo entre os dois, mas pelo visto estava muito concentrado.
Tanto que virou as costas para ambos ao deitar de lado. Toda essa isenção do mundo ao seu redor fez o jovem pensar sobre qual era o real conteúdo das fitas.O que teria de tão importante nelas? Afinal, não poderiam ser apenas as músicas mais tocadas no momento.

-Nenhum de nós sabe o que ele escuta.

-Pera- Disse o rapaz confuso. - Tem mais alguém aqui?

Tom apontou para o outro lado da sala, o lado oposto à cozinha. Lá estava ele: um senhor de aproximadamente uns 50 anos de idade, cansado, corcunda, cabelos negros como a escuridão e a pele bem branca. Usava uma cartola em conjunto com um terno preto e surrado. Estava sentado em frente a uma escrivaninha, onde estava apoiada sua bengala. Aparentava escrever algo. Ao seu lado havia uma porta de aço, provavelmente a saída daquele local. No momento, não era possível ver seu rosto e sinceramente não tinha muita importância para o jovem. Afinal ele tinha prioridades no momento: descobrir onde estava e quem eram aquelas pessoas.

Danilo se virou e encarou novamente o rosto de puro desânimo de Tom.

-Venha vou te apresentar o local, ele é grande como você pode ver, não quero que se perca- Disse sarcasticamente,caminhando para a cozinha, esperando que o cara novo o seguisse.

-Essa é a cozinha, como você pode ver. Acho que isso está claro, certo? A comida vem por esse mini-elevador-Falou apresentando o elevador como se fosse um produto polishop- O alimento vem em sacos. Até agora estão nos mantendo de barriga cheia.

-Por que estamos aqui?

-Você sabe muito bem o porquê de estarmos aqui- Disse olhando no fundo dos seus olhos.

Após alguns segundos lembrou-se do diagnóstico que o doutor passara.

-Estamos doentes...-As palavras saíram secas e tristes da boca do pobre iludido, palavras sem fé alguma.

-Exato-Disse Tom ignorando completamente a dor do rapaz-Alias,teremos uma reunião mais tarde.

-Como assim reunião?

-O doutor nos disse basicamente que quando o quarto membro chegasse, era para fazermos uma reunião.

Para Danilo aquilo não fazia o menor sentido. ''Reunião? Por quê? Aquele velho moribundo me deu praticamente um boa noite cinderela e me lançou nesse buraco, com um cara bizarro que fica escutando umas fitas, um cara deprimido e indiferente com tudo e um velho corcunda que fica isolado com sua escrivaninha e agora QUER QUE EU FAÇA UMA REUNIÃO EM GRUPO COM ELES? ''-Foi o que ele pensou.

Tom estava se retirando da cozinha quando parou ao ouvir o timbre da voz de Danilo, um timbre preocupado e confuso ao mesmo tempo.

-Uma reunião sobre o quê? –Questionou após respirar fundo. Tom virou a cabeça de lado, não estava mais com uma cara de indiferença, estava com um semblante triste. Por mais que tentasse manter a postura de ''indiferente sem coração'' através de seus lábios, seus olhos diziam tudo.

-Elas.

''Por um momento pude ouvir a batida do meu coração
, me lembrei de todos os acontecimentos ligados a ela, como ela havia me quebrado e pisado no que restara, sem dó, compaixão, muito menos...misericórdia''-Refletiu Danilo.

Mais tarde naquele mesmo dia os 4 se reuniram, todos estavam sentados na parte inferior da beliche, em duplas. Se tem uma palavra que pode ser usada para descrever aquele cômodo nesse momento é silêncio. A ocasião parecia estar tão seria que o adolescente estava sem seus fones, apenas com o toca fitas em mãos, o acariciando, provavelmente pensando sobre o que escutou. O silêncio por fim se quebrou suavemente como dentes de leão sendo desfeitos e levados pelo vento. Para um destino incerto (assim como a reunião). E isso tudo começou quando Tom se levantou e começou a falar, com um ar de liderança que não vestia bem nele.

-Bem,não há necessidade de falar sobre o que fazemos aqui, espero que todos tenham tido tempo para se preparar-pronunciou essas últimas palavras encarando especialmente Danilo-Mas o objetivo disso precisa ser lembrado. Isso é parte do tratamento para nós nos curarmos e podermos voltar para nossas medíocres vidas novamente-O timbre de liderança voltou a ser o mesmo timbre triste e depressivo usado por Tom sempre-Para isso eles irão nos analisar, não somente nossos passados mas sim também como eles irão interagir em uma dinâmica em grupo, e....enfim, os resultados virão.

O silêncio voltou para a sala como uma gripe, contudo na antes de se alastrar completamente foi interrompido pala voz do adolescente com a cicatriz.

-Quem começa? -Disse ele com uma voz meio fina e meio grossa, autoritária e tímida ao mesmo tempo, uma voz que queria acabar logo com aquilo.

Uma troca de olhares começou a ser trocada na sala como se estivessem mirando um fuzil de um em um, prontos para atirar em qualquer momento. Até que alguém se pronunciou: um senhor velho, cansado que estava sentado ao lado de Tom.

-Eu posso começar colegas.

-E quem é você? -Questionou Danilo.

Saindo das sombras que a beliche superior criava, o senhor que não há muito tempo atrás estava sentado na frente da escrivaninha, estava ali em sua frente. Agora era possível enxergar seu rosto. Tinha cabelos pontudos, não penteados há anos provavelmente e ainda não grisalhos, assim como seu bigode brega e torto. Olhos cansados e castanhos também o destacavam:olhos mortos, não muito diferentes do de Tom.Tinha as pálpebras pintadas de preto podendo se comparar a um panda.

-Meu nome...-disse enquanto se levantava. Dizem que caminhar auxilia na circulação do sangue e oxigenação do cérebro, normalmente é utilizado para que o apresentador mantenha a calma, dicção e linha de raciocínio. O prazer de sua caminhada indicava que não era a primeira vez que fazia aquilo para alinhar seus pensamentos.

-Os íntimos me chamam de Bentinho, após me formar lembro que me nomearam Dr. Bento Santiago. Chique, não?-Disse com um sorriso melancólico-Mas hoje, aqueles que já foram meus íntimos estão mortos e, já não pratico a profissão para ser chamado de Doutor. Mas me apelidaram por Dom Casmurro, e devo admitir que criei um certo gosto pelo nome.

Uma ReabilitaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora