Tom

24 2 0
                                    

Tom fixou os olhos em Danilo, e começou a contar sua história com a serenidade de sempre.

-Eu era um idiota, um bobo apaixonado.Acreditava em mentiras como o amor verdadeiro, almas gêmeas, e todas essas crenças fúteis. Isso tudo se tornou ainda mais forte depois que eu conheci ela:Summer, uma garota perfeita à primeira vista mas,à medida que você a conhece, você vê o quanto ela é cruel.

Bentinho se inclinou em relação a sua beliche, para poder observar os castanhos olhos de Tom.

-O que ela fez para machucar esse pobre coração rapaz? -Questionou, tocando a bengala em seu peito.

Tom ignorou totalmente o senhor, e continuou seu monólogo.

-Quando nos vimos pela primeira vez, foi amor à primeira vista, pelo menos pra mim claro. Fomos a um karaokê juntos, conversamos bastante, até que chegamos a um ponto na conversa em que ela disse que não acreditava no amor verdadeiro-deu uma leve risada nesse momento-E eu, idiota como sempre pensei "eu sou o cara que vai mudar esse pensamento dela". No dia seguinte no trabalho, ela me deu um beijo, aquele foi um dia feliz saca? Mas se eu pudesse voltar no tempo para mudar alguma coisa na minha vida, eu com certeza faria com que esse beijo não acontecesse, porque ele foi o começo de tudo.

Engoliu um pouco de saliva. Não estava indiferente como sempre, muito menos triste como Bentinho quando contará sua história.Estava apenas desconfortável.
Tem coisas que você não gosta de lembrar, lembranças enterradas, algo que começou feliz e acabou triste, era isso que passava na cabeça do Tom. Mas não perdeu a compostura.

-Vamos resumir a história para poupar minha preciosa saliva. Nós tivemos um relacionamento, não pera, acho que relacionamento não é o termo correto, afinal ela não queria algo sério, só queria me usar. Ela queria apenas ser livre saca? Ela brinca com os outros mas quando cansa do brinquedo, simplesmente o joga fora, foi o que aconteceu comigo "ela brincou, se divertiu, quebrou o brinquedo e o jogou fora." Vou lhes contar algo que aconteceu, alguns meses depois do nosso ''termino''-fez aspas com os dedos-nos encontramos no casamento de um amigo nosso em comum. Apesar de tudo, ainda era apaixonado por ela. Dançamos, rimos, nos divertimos e ela me chamou para uma festa, eu logo de cara pensei: é minha chance, podemos tentar de novo.

Apenas uma lagrima escorreu pelo seu rosto, uma.

-Droga, desculpem-limpou o caminho percorrido pela gota com o dedo- já chega de chorar por ela, não vale mais apena. Enfim, digamos que eu criei expectativas demais com aquele encontro, e no fim, só encontrei a fria e dura realidade: ela estava noiva. Ai, como aquilo doeu na época. Depois daquilo, eu basicamente vim parar aqui com vocês, pessoas fracassadas como eu.
Todos refletiram sobre aquela triste história.O primeiro a chegar a uma conclusão se pronunciou.

-Parece que não existe só uma Capitu no mundo-Apontou Dom Casmurro.

-Cala a boca-Disse Clay ao Dom-Olha, Tom, sei que pode ser difícil...

-Para por ai cara-disse Tom calmamente levantando-se da cama,fazendo um simples sinal de "para" com a mão-Não aceito discussões. Não em relação a isso. Vou comer algo na cozinha-Tom caminha em direção a cozinha.

-Viu o que você fez imbecil? Você não deve ter muitos amigos-Criticou Bentinho.

-Olha quem fala-Responde Clay.

-Podem parar de agir igual duas crianças? Vou lá falar com ele, enquanto isso,vocês podiam tentar se acertar-Disse Danilo saindo do cômodo.

Ambos se encaram. Poderiam brigar naquele momento de novo, mas não o fizeram, apenas se encararam, assim como light encarava L, ou da mesma maneira que Rick observava o Governador enquanto conversavam. Qualquer coisa poderia acontecer para desencadear uma batalha direta no meio daquela guerra fria.

Bentinho puxou uma bolsa que guardara embaixo da cama, era uma bolsa preta, confeccionada a partir do couro. Puxou o zíper devagar e após uma pequena fuçada dentro do objeto, sua mão fisgou algo de seu interesse. Tirou da bolsa um livro, com um homem velho na capa, aparentemente deitado em uma espécie de caixão.
Apresentou a capa para Clay.

-Então garoto, por acaso já leu memórias póstumas de Brás Cubas? Aparentemente é um ótimo livro -Como sempre, outra atitude que fizera apenas para provocar uma situação.

Clay correspondeu com um olhar indignado para o homem.Nao tinha como esquecer algo que havia acontecido não mais que 5 minutos atrás.Subiu na parte superior da beliche e virou em direção a parede, fingindo que o senhor não existia.

-Está perdendo uma ótima leitura-Disse Bentinho claramente se divertindo com a situação.

Ao chegar na cozinha, Danilo encontra Tom colocando macarrão na água fervente, enquanto observava o preparo do molho.

-Tom.

-Não quero conversar.

-Mas cara...

-Sério? O que você tem a dizer pra mim? Sinceramente? Veio falar simplesmente sobre o fato da Summer estar certa eu errada? É pra isso que estamos aqui? Se eu quisesse alguém julgando meus pecados iria ver um padre-Disse esbarrando em Danilo para pegar um tempero na prateleira.

-Não é isso, acho apenas que estamos aqui para ajudarmos uns aos outros-Disse engolindo em seco.

Tom começa a temperar o molho, logo em seguida meche com a colher no macarrão.

-Vocês então são aqueles que vão curar meu coração partido? -Deu uma risada-Muito engraçado, afinal, vocês não conseguem nem curar os seus.

Danilo pensou naquilo "era verdade. Qual o propósito de tudo isso? Seria apenas uma reflexão ou fazia parte de algo a mais? Realmente existia uma cura fácil para aquela dor que residia no peito daqueles ali presentes ou..ou...não sabia o que mais podia ser."

Tom viu que Danilo estava refletindo sobre o que ele havia dito, percebeu que não existia mal algum nele.Era apenas um rapaz em busca de respostas fáceis.Ele já tinha sido como ele, caso o contrário nem estaria naquele lugar.

Tom lavou um pouco as mãos, e secou-as em um pano que jazia em seu ombro. Encarou Danilo.

-Olha, vou te falar algo que aprendi durante o tempo que eu fiquei aqui. Não existe uma resposta fácil, não existe uma cura. Tive muito tempo para pensar sobre os dois lados da moeda, tanto o meu, quanto-inspirou profundamente- o da Summer, e sim, ela pode estar certa. Mas eu não acredito nisso. Aquela mulher fez um rombo no meu peito que eu não sei se vai se curar tão cedo, saca? Apesar de logicamente entende-la eu sou incapaz de perdoa-la. Não sei se faz muito sentido.

Danilo pensou um pouco. As vezes se pensa com o coração, não com a cabeça. Quem nunca fizera isso, não?Isso seria errado?

-Eu entendo-Respondeu.

-Enfim, ela ainda me machuca. Sempre que lembro dela, dos nossos momentos felizes, do relacionamento como um todo. Se posso lhe dar um conselho sobre o assunto é:sufoque todo sentimento e lembrança que tem sobre a pessoa em questão até mata-lo. Isso vai te matar um pouco também, mas as vezes temos que sacrificar um pedaço para não comprometer o conjunto completo.

Agora tudo estava claro para Danilo. Apesar de não concordar, entendia as motivações do rapaz, entendia o por que dele se tornar uma pessoa mais fria e sabia que por mais que tentasse, não conseguiria muda-lo.Ele estava convicto do caminho que havia pegado.

-Tome cuidado Tom. Matando uma parte de você, você ira eliminar um conjunto do Tom do passado que deve ter inúmeras qualidades, qualidades essas que podem não voltar se você destruir seu passado. E pelo que eu vi durante a reunião, você ainda não o matou totalmente, ainda há tempo.

Tom o fitou por alguns segundos, pensando em uma maneira de responder aquela afirmação.
Danilo percebendo que não haveria réplica finalizou.

-Bem, não posso te obrigar a voltar a reunião, mas eu tenho que voltar para impedir que aqueles dois tapados se matem-Disse com um sorriso-Espero que você aproveite seu macarrão, até. Danilo saiu andando do cômodo.

Tom se levantou e voltou a cozinhar. Pegou sua carteira do bolso, e a abriu, tirando dela uma foto. Era uma foto dele sorrindo ao lado de uma bela mulher de cabelos castanhos. As lágrimas sobrecarregaram a represa que eram os olhos de Tom, mas ele não cedeu. Pegou a foto, ligou uma nova chama no fogão e a queimou, junto com seu antigo eu.

Uma ReabilitaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora