Capítulo 1

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*** Este conto é uma fanfic sobre a filha da Hyacinth e do Gareth, personagens da série os Bridgertons, da autora Julia Quinn. **

Londres, 1847. Recital anual dos Smythe-Smiths.

– Você está sorrindo? – perguntou Hyacinth St. Clair, com incredulidade. Em seguida, acrescentou com igual descrença:– E aplaudindo animadamente?
Sua filha deu de ombros.
– Não é para isso que estamos aqui? – retrucou Isabella, começando a se levantar para aplaudir o grupo de meninas Smythe-Smiths de pé. – Bravo! Bravo!
Era uma dessas ocasiões raras, em que Hyacinth perdia a fala. E coincidência ou não todas as vezes que isso acontecia Isabella estava por perto. Ano após ano ela tentara convencer sua filha a se juntar à família em um dos terríveis recitais, no entanto, nunca tivera sucesso. E agora, ali estava a jovem, vibrante e extasiada, com a face corada e os olhos cintilantes, depois de presenciar o que Hyacinth levou dois minutos para classificar como o pior recital de música na história dos recitais das Smythe-Smiths. Sua filha era estranha, pensou ela enquanto observava Isabella assoviar eufórica. Muito estranha mesmo. Na maioria dos dias a personalidade da jovem não lhe incomodava, verdade seja dita, seria hipocrisia repudiar a excentricidade da filha quando ela mesma havia sido uma dama fora dos padrões. Mas apreciar o barulho que aquelas quatro moças no palco chamavam de música clássica era estranho em níveis alarmantes.
– É melhor irmos embora antes que ela resolva subir na cadeira. – Gareth, seu marido, sussurrou ao seu lado, reprimindo um riso.
Um arrepio subiu por toda a extensão da coluna de Hyacinth.
– Isabella não teria...
Ora, quem ela queria enganar? É claro que sua filha teria coragem. Lady St. Clair olhou para a cadeira com inesperado pavor. A cena inteira já se passava em sua mente. Isabella subindo em seu assento. Isabella mostrando o tornozelo ao tentar subir na cadeira usando um vestido bufante. As senhoras do Almack's ali presentes abanando seus leques, horrorizadas. Vidros de sais sendo abertos para acudir as matronas mais sensíveis. Cavalheiros elegíveis torcendo o nariz, virando-se e partindo... para sempre.
– Você está muito quieta. – comentou Colin Bridgerton, ao se virar para trás. Seu irmão estava sentado na fileira da frente, junto com sua esposa Penélope.
– Há algo de errado nisso? – questionou Hyacinth defensivamente.
Colin arqueou a sobrancelha. Aquele simples gesto foi capaz de irritar sua irmã.
– Estou apenas um pouco indisposta. – justificou Hyacinth, suspirando.
Com o único objetivo de irritar ainda mais Hyacinth, Colin virou para Gareth e perguntou:
– Você quer que eu vá buscar um padre?
– Perdão? – Gareth, que não sabia sobre o que os irmãos conversavam, estava confuso.
Hyacinth, que era uma das interlocutoras na conversa, também estava confusa.
– Um padre para... você sabe... o rito da extrema unção. – explicou Colin, com o semblamente fingidamente preocupado. – Hyacinth passou quase a noite inteira em silêncio, certamente está sofrendo de uma doença grave e incurável. Ela fala até dormindo.
– Eu não falo dormindo. – discordou ela energicamente.
– Fala sim. – Seu irmão reafirmou.
Ao fundo da discussão, ainda podia se ouvir palmas entusiasmadas, que certamente vinham de Isabella.
– Eu não falo dormindo. – Repetiu Hyacinth, apenas porque era inconcebível para ela desistir de uma discussão. Principalmente quando o oponente era seu irmão Colin. – Não concorda, Gareth?
Gareth hesitou.
– Claro, querida. – concordou logo em seguida, entretanto, aqueles breves segundos de indecisão foram o suficiente para dar a vitória a Colin, pensou Hyacinth, aborrecida.
Colin sorriu, como se pudesse ler seus pensamentos.
– Traidor... – murmurou ela para Gareth.
Enquanto encarava o marido com raiva, Hyacinth tentou ignorar a gargalhada insolente de seu irmão.
Gareth revirou os olhos.
– Vocês já são adultos fazem alguns anos, se lembram? – ralhou Gareth, intercalando o olhar sarcástico entre a esposa e o cunhado.
Hyacinth abriu os lábios para replicar, mas foi interrompida por sua filha.
– Shhh... – Isabella repreendeu os três adultos tagarelas que a atrapalhavam. – Ninguém os ensinou que não é educado conversar durante um recital de música?
– A apresentação já terminou. – Seu pai a lembrou.
– O quarteto se dispôs a tocar mais uma música. – informou Isabella, estreitando os olhos. – Se vocês estivessem quietos e atentos teriam ouvido quando fizeram o anúncio.
Essa não. Uma música tocada pelas dissonantes meninas poderia durar uma eternidade. Uma longa eternidade.
– Eu não entendo. – Hyacinth comentou desolada. – Por quê?
Foi a vez de sua irmã Daphne entrar na conversa.
– Aparentemente. – Começou Daphne, que estava sentada na mesma fileira de sua irmã. – As Smythe-Smiths ficaram encantadas com o entusiasmo da plateia e, em retribuição, decidiram tocar mais uma música de seu repertório.
Confusa, Hyacinth olhou em volta, para os homens e mulheres no recinto. Ninguém ali parecia nem perto de entusiasmado. Pelo contrário, ela constatou, muitos deles ostentavam feições carrancudas e fitavam com desgosto um ponto específico do salão. Já prevendo o pior, ela seguiu o olhar daquelas pessoas. Elas olhavam diretamente para o assento ao lado do seu.
Hycinth já podia se ver tendo que riscar alguns nomes de maridos em potencial de sua lista.
– Oh, Isabella... – exclamou ela, suspirando profundamente.
Senhor Deus, que dessa vez Isabella não invente de subir na cadeira. Amém. Foi sua prece para a ocasião.
– Eu me sinto honrada. – declarou Isabella, compreendendo as palavras não ditas por sua mãe. Um sorriso radiante abrangeu quase todo seu rosto. – Foi um gesto gentil dessas senhoritas. E eu nem as conheço. Tudo que eu fiz foi incentivá-las e agora terei um concerto dedicado a mim.
O preocupado coração-casadouro de Hyacinth derreteu-se um pouco ao ouvir as palavras da filha. Uma pontada de orgulho a atingiu. Isabella podia por a prova sua sanidade dia sim, e o outro também, mas era sempre uma alegria conhecer um pouco mais da filha através de gestos doces e honrados. Ela própria se submetia aquela tortura fazia décadas apenas para que quem quer que fosse que estivesse no palco a visse ali no público, e mesmo de modo comedido, recebesse seu apoio. Nunca foi sobre talento musical. Tudo se resumia ao compromisso com a família, ao amor que as motivava. E amor pela família era algo que Hyacinth St. Clair admirava. E entendia perfeitamente.
Quando o último acorde soou, Isabella St. Clair se pôs novamente de pé, e aplaudiu com ainda mais veemência. Hyacinth encarou-a com ternura e também se colocou de pé para aplaudir. Gareth seguiu o exemplo de ambas. Logo, Colin e a esposa estavam se levantando também, Penélope piscou para Isabella, orgulhosa. Daphne igualmente apoiou sua sobrinha e se colocou de pé, não sem antes cutucar o marido. Simon, o duque de Hastings, sorriu para a esposa e se levantou. Bastou um duque agir daquela forma para que grande parte dos convidados também o fizesse. No fim, quatro moças desprovidas de qualquer talento e senso de autopreservação acabaram, surpreendentemente, sendo ovacionadas pelos aristocratas mais importantes do reino.
– Queria que toda a família estivesse aqui nesse instante. – confidenciou Isabella para a mãe, referindo-se aos demais Bridgertons e a sua bisavó, Lady Danbury. – Seria divertido.
Ficava cada vez mais difícil reunir toda a prole Bridgerton. Eles eram muitos e nem todos viviam em Londres, então ocasionalmente costumava faltar alguém quando se reuniam. Apenas no baile dado todos os anos em homenagem ao aniversário da matriarca Violet Bridgerton era certo ver toda a família unida para comemorar.
– Também sinto falta deles. – Hyacinth concordou, com a voz embargada.
Naquela noite, enquanto os St. Clair retornavam para casa em sua confortável carruagem, Hyacinth ainda se lembrava do final inesperado do recital.
Então ela riu. E quando uma risada mostrou-se um gesto ínfimo para expressar o que sentia, ela gargalhou. Gargalhou até que seus olhos começassem a lacrimejar e sua barriga doer.
– Eu não consigo acreditar que em toda a Inglaterra a minha filha é, justamente, a única pessoa que aprecia a música daquelas meninas. – explicou Hyacinth, ao perceber que seu marido e filha a encaravam sem entender o motivo da graça.
Isabella piscou lentamente.
– Eu odiei o recital. – revelou ela. – Parecia que não ia acabar nunca. Uma verdadeira tortura. No momento em que elas disseram que iriam tocar mais uma música e olharam com ternura para mim... eu quis me estrangular com as próprias mãos, como penitência. Cheguei a pensar que alguém no local certamente o faria. Mas para minha sorte, os aristocratas, ao que tudo indica, costumam ter uma alta disciplina em público.
Outra vez, Hyacinth não conseguia lembrar-se como fazer sua boca mexer e produzir sons que formassem palavras. Ela ficou muda. Isso vinha acontecendo com cada vez mais frequência desde que Isabella debutou no ano anterior.
Talvez receber a extrema unção não fosse uma ideia assim tão absurda, pensou ela, com desânimo.
– Odiou? – Gareth encarou a filha, como se uma segunda e terceira cabeça acabassem de brotar eu seu pescoço. – Então por que, em nome de Deus, você reagiu como se o próprio Mozart estivesse ali tocando?
Isabella não conteve o sorriso. Era sempre divertido exasperar seus pais.
– Bom, a minha bisa me convenceu a comparecer ao recital. E uma vez que eu já estava ali, uma coisa levou a outra...
– Minha avó a chantageou? – Ele quis saber. Aquela hipótese era a mais provável. – Ela fez o mesmo comigo no passado. Toda Londres sabe que Lady Danbury sabe ser ardilosa quando quer. Ela geralmente deseja ser.
– Não! – Isabella saiu em defesa de Lady Danbury, fingindo-se ofendida. – Como pode pensar tão mal assim da Bisa? Ela nunca me chantagearia!
Gareth cruzou os braços, desconfiado, sem tirar os olhos da filha.
Um minuto inteiro se passou, e então:
– Ela me subornou. – Anunciou Isabella, com a mesma expressão tranquila que as pessoas usam para comentar sobre o tempo. – Essa noite eu acabo de me tornar cem libras mais rica.
Hyacinth remexeu-se desconfortavelmente em seu lugar, sentindo-se subitamente cansada. Ela precisava chegar logo em casa. Precisava deitar. Hyacinth acenou com a mão, incapaz de falar. Daria à Gareth a honra de presidir o sermão para variar.
Ela deixou que o marido fosse quem falasse. E se arrependeu imediatamente da decisão.
– Você é uma excelente atriz. – Elogiou Gareth, inesperadamente admirado. – Você enganou a todos nós.
– Obrigada, pai. – Isabella piscou para ele. – É um dos muitos talentos que possuo.
– Humpf. – foi tudo o que Hyacinth conseguiu dizer.

[FANFIC] A rebelde Isabella St. ClairOnde histórias criam vida. Descubra agora