Capítulo final

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Aproximadamente dois quartos de hora depois que Isabella partiu, Oliver permanecia inerte no mesmo lugar. Uma das alternativas era seguir em frente, esquecendo tudo o que se passou entre eles. Bastava levar adiante seus planos de partir no dia seguinte para visitar Amanda em Somerset, seu marido estava doente e ela se viu impedida de viajar. E depois voltaria para Gloucestershire, retornando à tranquilidade de sua propriedade. A outra alternativa ele não fazia ideia de qual seria, mas deveria existir alguma.
Cansado de se afogar em uma autopiedade contraproducente, ele voltou para o baile. Não havia uma imagem nítida à sua frente, todo o salão passava diante de seus olhos como vultos. Nada ali o trazia de volta a superfície. Ele estava perdido dentro de si. De modo desfocado ele viu  a esposa de seu tio Colin proferir um discurso emocionado em homenagem a sua avó Violet, ele não foi capaz de se atentar para o que dizia, no entanto, conhecia Penelope e sabia que ela era uma das pessoas mais inteligentes que já conhecera, portanto, devia ser algo brilhante.
Isabella não estava em canto nenhum, não que ele almejasse vê-la. A presença dela seria uma constante lembrança do que ocorreu.
- Oliver - seu pai foi ao seu encontro, quando ele se aproximou da mesa de bebidas - Cheguei a pensar que você tinha ido embora. Por onde andou?
- No terraço. - respondeu laconicamente.
Phillip esperou por mais detalhes da parte de seu filho, contudo os lábios de Oliver continuaram fechados.
- Você precisa de um copo de brandy? - ofereceu, interpretando o semblante carrancudo do filho.
- Não. - bufou, sentindo seu coração apertar contra o peito. - Eu preciso de cinco.
Seu pai lhe encarou por um momento, pensativo.
- Eu sei onde encontrar uma garrafa.

Foram poucas as vezes em que Oliver esteve no escritório de seu tio Anthony, era um local elegante e sóbrio, com móveis enormes e muitos livros. Ele quase nunca ia ali, pois até aquele dia jamais teve nenhum assunto relevante e delicado para tratar. Suas conversas com a família geralmente aconteciam durante o chá, ou alguma outra refeição.
- Sente-se, eu lhe sirvo. - Phillip caminhou até o aparador e encheu um copo.
Ele assentiu, sentando em uma grande poltrona de couro.
- Qual o problema? - indagou seu pai,  diretamente, assim que lhe entregou a bebida.
Pela segunda vez, em um mesmo dia, algo dentro de Oliver travou. Era uma novidade desagradável ter que falar sobre sentimentos, religiosamente  evitava esse tipo de conversa mais reveladora, profunda, incisiva, que o obrigaria a mostrar sua alma. Haviam partes suas que temia que algum dia alguém descobrisse que existiam. Quando criança usara suas travessuras como forma de comunicação com o pai, era apenas um menino confuso, desesperado por atenção, no entanto, nunca fora capaz de confidenciar o que lhe aborrecia. Por isso as malcriações, porque os gritos e repreendas do pai, eram uma forma deturpada de se sentir menos solitário. A chegada de Eloise a sua vida tornou tudo diferente. Depois que entendeu como a nova esposa cuidava deles e os amava fervorosamente, ele a amou. Como se tivesse nascido de seu próprio ventre. Um nó se fechava na garganta de Oliver toda vez que pensava o quanto amava sua mãe, alguns dias ele se punha a orar, sentindo uma extrema necessidade de agradecer a um ser superior pela chegada de um anjo chamado Eloise Bridgerton à Romney Hall. Uma parte de seu espírito fora reconstruído quando seu pai se casou outra vez. Oliver aprendera a receber amor, já não tentava mais afugentar todos a sua volta. Jamais se ressentira com seu pai,  sabia que Phillip apenas estava tão perdido quanto os filhos.
Ele era uma pessoa parcialmente curada, aceitava de bom grado o amor que lhe ofereciam, mas quando se tratava de retribuir...
Não que seu coração fosse incapaz de produzir o sentimento, amava sua família, porém, essas emoções deixavam uma pessoa exposta, vulnerável, totalmente entregue ao objeto de seu amor. O amor, ele tinha consciência, podia ser algo maravilhoso, se você se apaixonasse por um anjo. Entretanto, ele era ainda muito jovem quando viu a outra face, a que era dolorosa, sombria, devastadora, a parte que os poemas românticos não faziam questão de explorar.  O primeiro casamento do seu pai era uma prova de que as vezes as pessoas erravam ao se apaixonar.
Amar era um risco alto.
Oliver podia ser considerado um completo idiota. Ou então, somente um homem sensato, dependendo do quanto a pessoa que o avaliasse entendesse sobre sentimentos.
Ele se considerava uma mistura homogênea de sensatez e idiotice.
Ao notar que Phillip o observava atentamente, dando-lhe seu apoio mesmo em silêncio, ele decidiu ceder.
- Eu estou triste, pai. - disse Oliver, recostando-se mais na poltrona.
Aquela era uma palavra proibida. Ele não se lembrava a última vez que a havia pronunciado em alta voz. Tudo que Oliver sempre desejou na vida era não ser uma pessoa triste. Sua mãe, Marina, fora uma mulher atormentada pela tristeza, até chegar ao ponto de considerar a morte, em um lago congelante um fim desejável. Não o amor dos filhos, não o zelo de seu esposo, não todos os momentos bons com a família que se permitisse, teria, mas sim a morte. Depois que ele descobriu, anos depois, o episódio no lago, em que Marina tentou se afogar propositalmente, Oliver sentiu medo. Por mais que compreendesse que sua mãe nascera assim, que não havia nada que pudesse ser feito, o medo não se aplacava. Então ele fez a única coisa que achava que ajudaria, foi cauteloso, estabeleceu para si uma rotina segura, não baixou a guarda, torcendo para que os muros que construiu em volta de si próprio impedissem que a tristeza entrasse.
Mas não adiantou.
E tudo porque existia no mundo Isabella St. Clair. Por mais que a intensidade dela fosse um alerta constante de perigo, ele foi incapaz de escapar. Ela o arrancara de seu estado de dormência. E naquele momento ele sentia tudo.
- Estou triste por alguns motivos. - continuou ele, sem que seu pai o interrompesse. - eu poderia enumerá-los agora, mas não haveria propósito. Porque, acima de tudo, eu estou triste por ter que voltar para casa e não levar Isabella comigo.
Phillip foi pego de surpresa com a sinceridade com que seu filho se abriu, revelando o que o preocupava. Ele pensou por um tempo, buscando alguma sabedoria útil para aquele momento, então por fim sabia exatamente o que dizer:
- Não há nenhum problema em ficar triste as vezes - afirmou, olhando diretamente nos olhos de seu filho. - Eu mesmo estou um pouco triste no momento, pois tenho plena convicção que os empregados não saberão regar corretamente minhas plantas, então é provável que eu volte para casa e encontre algumas mortas, por falta ou excesso de água.
Oliver riu, solidarizando com o pai. Ele mesmo tinha essa mesma preocupação toda vez que tinha que se ausentar da propriedade.
- O que quero dizer. - Phillip prosseguiu. - É que todos nós enfrentamos momentos de tristeza. É natural da existência humana.
- Mas alguns não conseguem superar. - lembrou-lhe Oliver, tomando mais um gole de brandy. - Eu sei que parece estupidez, mas as vezes tenho receio de que eu seja uma dessas pessoas, de que um dia algo talvez aconteça e... e eu acabe... igual a ela.
Externar aqueles fantasmas lhe trouxe um alívio imediato, pelo qual ele não esperava.
- Eu também já me senti assim. - Seu pai confessou, exalando forte. - Toda vez que você ou Amanda choravam quando eram criança, eu ficava apavorado, pensando que não fossem parar nunca, que acabariam igual a Marina. Nos piores dias tinha certeza que ela havia infectado vocês com seu sangue, principalmente você, meu filho, que sempre foi mais fechado e arredio. Mas com o tempo, e com a ajuda de Eloise, eu fui os conhecendo melhor, e percebi o quanto você e sua irmã eram fortes, mais até do que eu. Quando eu falhei como pai, vocês continuaram ao meu lado, e perdoaram-me quando foi preciso. Então esta é uma preocupação que deixei há muito tempo no passado, Oliver. Porque eu o conheço bem, e sei que é forte e pode lidar com a vida.
Ele absorveu as palavras de seu pai, o peso do que ouviu o deixou mais leve.
- Eu magoei Isabella hoje, ela está possessa comigo. - disse, virando o restante da bebida toda de uma única vez. - E você sabe como ela é geniosa.
Phillip sorriu.
- Ela vai perdoá-lo. - assegurou-lhe - As mulheres da família Bridgerton tem certa preferência por homens que necessitam de reparos, isso as fazem sentir-se importantes .
- Não é uma questão de preferência. - uma terceira voz os interrompeu, eles viraram a cabeça e viram Eloise parada na porta, sabe-se lá por quanto tempo. - É mais uma deficiência universal. Todos os homens nasceram um pouco errado.
Curvando seus lábios em um sorriso desafiador, ela aproximou-se do marido e do filho.
- Entretanto, eu concordo com a parte sobre ela perdoá-lo. - disse ela, pondo-se ao lado do marido.
- Você estava ouvindo a conversa escondida? - Phillip arqueou a sobrancelha, fingindo estar aborrecido.
- Eu tinha que ficar para me certificar que você fosse dizer a coisa certa, e ter certeza que não precisaria interferir. Mas você foi primoroso, Phillip. A convivência comigo lhe faz bem.
Ele sorriu bobamente com o elogio, e levou a mão de Eloise aos lábios, beijando-a.
- Viu o que eu disse? -  Ele virou para o filho, e perguntou. - Não disse que elas adoram se sentir necessárias e heróicas?
Oliver concordou com a cabeça. Esse era de fato um méritos das mulheres da família.
- O senhor acredita mesmo que eu possa fazer Isabella feliz? - não resistiu indagar, o medo era algo que não partia tão facilmente.
- Sim, filho. - ele respondeu esperançoso.
- Eu aposto que sim - sua mãe acrescentou, concordando.
A escolha de palavras fez Oliver gargalhar. Ele faria tudo que estivesse ao alcance para tê-la de volta. Estava disposto a ceder. Levantando-se de pronto, ele  saiu em direção à porta.
- Aonde você vai? - Eloise quis saber.
- Vou ganhar sua aposta. - disse confiante, fechando a porta atrás de si.

[FANFIC] A rebelde Isabella St. ClairOnde histórias criam vida. Descubra agora