VII

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Karim só queria que aquilo acabasse. Só queria que aquele pesadelo terminasse. Apenas queria acordar na sua cama e continuar a vida calma e normal. Mas não. A vida de todos mudara. Naquele momento, estava tudo um caos.

- Mana fala comigo! Porque é que estão a chorar? - pergunta Jamila, com a mão agarrada à de Laila, que se encontra sentada ao seu lado.

-Então Nadir agora não falas? Só tens a coragem para instalar o pânico porque para resolver os problemas estão cá os outros para o fazer. Sempre foste assim, não admira que venhas dessa família. - diz Karim, num tom indignado.

- O que queres dizer com isso? Não estás nada a ser justa, vê se te controlas está bem? - diz Nadir.

-Eu é que tenho que me controlar? A minha mãe acabou de morrer e eu e a minha irmã estamos destroçadas, e sabes muito bem quem é que não se controlou quando entrou neste quarto não sabes? Sim, tu mesmo! Não passas de um homem impulsivo e pouco racional que sempre viveu às custas dos pais! - exclama Karim, de lágrimas nos olhos. Neste momento, já não era possível passar o papel de rapariga dura. Agora Karim estava cada vez mais frágil.
Tanto Karim como Nadir não estavam a ser justos. Mais do que eles, era Jamila a mais prejudicada nisto tudo.

- Podem calar-se por favor e dizer-me o que se passa?! - interrompe Jamila.

- Nada Jamy, nada. Nós queríamos falar contigo sobre um assunto mas já passou. - repõe a própria irmã.

- Vais continuar a adiar isto? Não passas mesmo de uma fraca! - diz o amado de Jamila, dando uma gargalhada ao mesmo tempo que chora.

Neste momento Karim olha para o rosto de Nadir, que se encontra descontrolado, e consegue ver os olhos aguados que eram iluminados pela pequena porção de luz que entrava pelo quarto. De repente, leva a sua mão, bem estendida como uma tábua lisa, contra a cara dele. Depois de se ouvir um estalo no encontro de uma mão e de uma bochecha, o rosto deste mesmo vira-se de imediato. Todos ficam sem palavras.
Nadir fica sem reação. Olha para Karim com um olhar triste e de desilusão, e sai do quarto sem dizer nada.

- Laila podes ficar aqui connosco, ficas já a saber o que se passa. - diz Karim, limpando as lágrimas dos olhos.

- Estás a preocupar-me Karim, o que se passa? É sobre o funeral da mãe? - pergunta Jamila.

- Não Jamy. - diz, ajoalhando-se ao lado da cama da irmã. - o Doutor Jafar falou comigo e ele teve que mandar uns exames teus para o estrangeiro, e foi-te diagnosticada uma doença, que provavelmente foi a que o pai teve.

- Mas que doença é essa? O pai não morreu com um ataque cardíaco?

- Sim, mas ele teve outros problemas com outros órgãos e outros músculos...

- Então, mas o que é que eu tenho afinal? - interroga-se Jamila.

- Jamy, tens Síndrome de Huntington. É uma doença rara e sem cura.

- Mas... mas, o que é que essa doença faz?! - pergunta Jamila, apavorada.

Karim começa de novo a ficar com as bochechas encharcadas por rios de lágrimas.

- Os teus órgãos não vão funcionar tão bem como é suposto...

- ... e eu posso morrer mais cedo. - interrompe Jamila.
- Desculpa-me Jamila, desculpa. - diz Karim, chorando.

Ao seu lado estava Laila, sem qualquer reação, na mesma situação de Nadir quando este soubera. Assim que ouvira estas palavras, ficara petrificada durante longos segundos.

- Deixem-me sozinha por favor. - declara Jamila.

Ambas saem, deixando Jamila deitada na cama, de mãos no peito e de olhar pregado na pequena janela do quarto. Sentam-se nos bancos mais próximos, e não pronunciam uma única palavra. A amiga das irmãs Malik começa a chorar, mas não um choro tão intenso como o de Karim ou Nadir. Esta já não chorava, apenas se mantinha calada, e a olhar em redor para ver se encontrava Nadir, mas não havia sinal dele.

- E agora? - questiona Laila.

- Agora não sei. Vamos ter que aceitar isto, visto que a doença dela não tem cura. Não há solução possível.

Enquanto falavam, aparece Nadir junto delas. Andava lentamente, estava completamente arrasado. Já tinha imensos telefonemas de Tariq e de Neerja, mas ignorou ambos.

- Desculpa Karim, pelo que se passou. Neste momento temos que estar unidos e não de costas voltadas. -anuncia, durante a sua chegada a estes bancos de madeira onde estavam sentadas as duas jovens mulheres.

- Desculpa-me tu também. Também reagi de cabeça quente. Não devia ter feito o que fiz.

Logo de seguida, Karim levanta-se e dá um enorme abraço a Nadir. Ambos sorriem, e abraçam Laila depois, como forma de se manterem unidos. Neste período Jamila irá precisar da ajuda de todos, e era nisso que os três pensavam. O egoísmo tinha sido posto de parte, e começava a predominar a humildade e o altruísmo.

- Karim? Laila?

Ouvira-se uma voz trêmula que vinha do quarto de Jamila. Os três olharam-se, e entraram para junto desta.

- Karim, o Doutor Jafar disse que me dava alta hoje. Portanto vamos tratar do funeral da mãe, que vai ser já amanhã.

- Sim claro, mas porquê essa pressa toda Jamila? - perguntava Karim.

- Quero ir a Meca. - declara Jamila.

Naquele momento, Nadir, Laila e Karim olham-se de novo.

- Mas Jamy, querida, podes-nos explicar a razão dessa decisão repentina? - questiona Laila.

- Sempre foi o meu sonho, e o Nadir e a Karim sabem que é. Sempre foi o meu sonho visitar a Cidade Sagrada do Islão. E tenho que visitar a Kaaba e a cidade, nunca se sabe até quando estou cá. Também era o desejo da mãe, que não o pôde cumprir infelizmente. E além disso devemos visitar Meca obrigatoriamente. Vocês sabem-no, é a vontade de Allah, e não podemos pecar. E não digas que não vou Karim, eu sou a mais velha e continuo capaz de fazer tudo dentro dos limites.

- Mas Allah diz que é obrigatória a visita de pessoas com capacidade financeira e física... - diz Karim.

- Com boa vontade tudo se arranja. - termina.

Realmente Karim não a podia impedir. Ninguém se opõe à sua vontade.

- Vais com uma condição. - impõe Nadir.

- Qual? - pergunta Jamila.

- Vamos os três contigo.

- Exato, eu posso faltar a estas aulas, já
tenho os exames feitos. - diz Karim.

- E a Zarah pode ficar na loja. - anuncia Laila.

- Está bem, partimos depois do funeral da mãe. - declara Jamila.

E assim foi.

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