VIII

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Eram já duas da tarde quando o caixão de Fadir Malik estava completamente tapado pela terra árida do cemitério. Por cima do local onde fora enterrada, estavam colocadas pedras empilhadas como forma de sinalizar uma espécie de campa, com uma estaca no meio que continha a seguinte inscrição: "Fadir Malik. 1962-2010. Mulher honrada e com uma vida digna. Mais outra vítima da guerra.". Junto desta encontravam-se ramos de flores ali colocados por Jamila, Karim, Laila, Nadir e mais alguns amigos e vizinhos de Fadir. Todos vestiam preto. Uma grande onda de infelicidade e angústia varria aquele cemitério, onde predominavam mais campas de pessoas vítimas da guerra. Faz-se uma oração.

Passados poucos minutos, a maioria das pessoas retira-se. Naquele momento, Jamila baixa-se, e beija o monte de pedras empilhadas.

- Que Allah cuide de ti querida mãe, um dia iremos ter contigo. - diz Jamila, enquanto Karim se encontra de pé ao lado dela, de rosto sério e vazio.

- Bem, se calhar está na hora de irmos Jamy. Quanto mais rápido melhor, pode ser difícil passar na fronteira. - anuncia Nadir.

- Tens razão. - diz Jamila, levantando-se.

Os quatro dirigem-se para o carro de Nadir, que se encontrava à saída do cemitério. Era um carro identificado como do corpo diplomático do país, o que poderia ajudar a passar a fronteira ou permitir que se refugiassem nalguma embaixada caso necessário. Entram todos. Nadir ao volante, e ao seu lado estava Jamila. Atrás deste estava Laila e ao seu lado Karim. Era um carro preto, de gama alta, que dava demasiado nas vistas para a zona onde andavam.

Nadir teria inventado a desculpa de que iria numa missão diplomática a Riade, e que estaria fora durante uns dias, servindo de justificação para a sua ausência na embaixada e para que os seus pais não descobrissem.

- Então é assim. Consegui tirar um mapa dum escritório da embaixada, e assim ver o melhor trajeto até Meca. Vamos tentar ir sempre junto ao litoral para evitar o efeito do deserto. - diz Nadir, enquanto expunha o mapa no meio dos bancos do carro para que todos pudessem acompanhar.

- Sim também acho melhor. - concorda Karim.- o deserto de Rub-Al'-Khali nestas alturas tem imensas tempestades de areia. A humidade do Mar Vermelho ajudará nesse fator.

Mapa de Nadir

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Mapa de Nadir. Sanaa-Meca, 13 horas de carro.

-Exato. Então fazemos assim: à saída de Sanaa dirigimo-nos para Hajjah. Depois vamos até Al Hudaydah. Passamos o rio e seguimos sempre pela estrada 45. Vamos chegar a uma oficina de automóveis antes da fronteira, onde eu tenho um contacto que nos vai dizer se os postos de controlo fronteiriços estão ou não guardados por rebeldes. Provavelmente vai ser a parte da viagem mais difícil. Ao passarmos a fronteira, há um departamento de passaportes que está sempre a fiscalizar as pessoas que vêem do Iémen, portanto se agirem naturalmente nada acontece. Dizemos que vamos a Meca e apresentamos os documentos. Simples. Daí seguimos pela estrada 5 até Mijannah, onde ficaremos para descansar.

Laila, Karim e Jamila ouviam-no com muita atenção, aquele era o melhor caminho e nada podia falhar. Não podia haver desvios. Tudo para concretizar o sonho de Jamila.

- Seguimos sempre mas sempre pela estrada 5, é a mais segura e a mais recente. São 13 horas de viagem. Nada de mais - continua Nadir.- Vamos depois em direção a Mughzal, aí paramos também. Continuamos sempre nessa estrada, junto ao litoral, até chegarmos ao cruzamento com a estrada 301, que nos guia até Meca.

- Muito bem, acho que não vai haver problemas, parece uma viagem simples. - diz Laila.

De imediato, aparece Neerja, junto à porta do carro onde estava sentado o seu irmão.

- Nadir olá! Onde vais com as tuas amigas? E para quê esse mapa? - pergunta Neerja, num tom irônico.

- Olá Neerja, tudo bem? Eu estava só a mostrar às "minhas amigas" - faz um gesto de aspas com as mãos - o percurso da minha viagem até Riade. Algum problema?

Jamila não suportava Neerja, nem nunca suportou. Achava-a uma mulher rude, de mau íntimo e bastante antipática.
Antes de Neerja responder, Jamila sai do carro em direção a Neerja. Todos se mantém calados.

- Mas quem és tu? O teu irmão já é maior e vacinado, portanto não precisa que a sua irmã mimada ande sempre atrás dele está bem? - diz Jamila, de forma autoritária.

- Oh doentinha, não estás a falar com as tuas amigas de bairro. Vê se te acalmas. - diz Neerja, sempre com o seu tom arrogante.

- Estou calma minha querida. Eu sei que não gostas que o teu irmão se dê comigo, mas fica sabendo que eu também não gosto de ti, e não é por isso que vou dizer ao Nadir para se deixar de dar com a irmã. Ele já é crescidinho para saber com quem se dá. Não passas de uma miúda mimada e arrogante que não ganha maturidade e não se faz à vida. Desaparece. - termina, virando as costas.

Neerja ouviu o que queria e o que não queria, e num ato cobarde, estando Jamila de costas, a irmã arrogante de Nadir empurra-a, fazendo-a cair no chão de joelhos. Uma grande dor abate-se sobre esta, pois a doença enfraquecia as defesas do organismo.

-  O que é que pensas que estás a fazer?! - exclama Nadir, enquanto sai do carro.

Naquele momento, Laila e Karim saem também do carro. A primeira dirige-se a Jamila, como forma de a ajudar, e a segunda vai de encontro a Neerja.
De seguida, Karim puxa o ombro desta última, e empurra-a para o chão, começando de imediato a dar-lhe pontapés secos e brutos no abdómen, e a puxar-lhe os cabelos. Ambas se envolvem numa grande luta, onde é Karim que sai vitoriosa. É Nadir que as separa de repente. Estavam as duas cheias de pó, mas era Neerja que se encontrava em pior estado, de roupas rasgadas, sangue nos joelhos e no nariz, e dores abdominais.

- Vais-te arrepender tanto, sharmoota. (em português, prostituta.) - diz, com as mãos na barriga. - Não me vais levar a casa pois não Nadir? Preferes ser assim?

- Neerja, vai-te embora, por onde passas estragas tudo. É por isso que ninguém tem orgulho em ti. - termina, entrando no carro.

Laila ajuda Jamila a entrar no carro também, e todos seguem para fora daquele local.

- Jamila estás bem? - pergunta Nadir.

- Sim, só me dói um pouco os joelhos.

- Que grande sova que deste àquela mara! - exclama Laila, rindo-se.

- Vamos apressar-nos a sair de Sanaa. Conhecendo a minha irmã ela já deve ter ido fazer queixas aos meus pais e informar onde vocês vivem. Ela é bastante vingativa, nunca se sabe o que pode fazer.

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