XIV

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Salim estava morto. Laila estava morta. Acreditava-se que a alma escolheria outro corpo para viver, mas a perda de alguém é sempre tenebrosa, angustiante e dolorosa.

Permaneciam agora em Abu Arish, uns longos quilómetros após o local onde agora jaziam os restos mortais da pobre Laila, agora serva de Allah no seu palácio. Almoçavam os três no pequeno supermercado da cidade. Comiam um bom prato de carneiro estufado com passas da Índia e molho de tomate, pão branco, arroz de caril e no final, tâmaras. Jamila observava os movimentos do quotidiano da cidade, e conclui que, aparentemente, qualquer cidade da Arábia é melhor do que alguma no Iémen.

- Tomem estas garrafas. Vamos tentar poupar para não fazermos muitas paragens. - chegava Nadir, junto de Karim e de Jamila, que se encontravam sentadas a terminar a refeição.

- Tens tido notícias da tua embaixada, ou sinais de Neerja?- questiona Jamila.

- Não, minha querida. E espero que se mantenha assim, vamos primeiro pensar em chegar a Meca, depois o resto.

- Jamy senteste-te bem?

- Sim, minha irmã. Não tenho tido sintomas desta maldita doença. - responde Jamila.

De seguida, dirigem-se para o carro, que se encontrava num descampado ali perto, cheio de ervas secas e debaixo de um calor abrasador. Vão agora em direção a Jizan, uma cidade junto ao litoral, bastante mais fresca e onde poderão ficar a descansar, partindo pela estrada 5 sempre junto à costa.

As viagens deixaram de ser conversadoras e alegres, sendo agora maioritariamente silenciosas e melancólicas. Nadir conduz, Karim dorme e Jamila aprecia a paisagem, já menos seca, pois pensa que poderá ser a última vez que a observa. Começa-se a sentir a brisa do mar, e o ar já não é tão abafado. Avistam-se pequenas dunas ao longo do percurso, que mais à frente dão lugar a pequenas aglomerações populacionais, algumas aparentando estar abandonadas, comprovando-se o contrário quando aparecem pequenos grupos de pessoas, em princípio habitantes das pequenas aldeias.

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Jantam agora no bar de praia da cidade de Jizan, junto ao parque de diversões da cidade. O fluxo de turistas é visível, comparado com o Iémen, onde era raro serem avistados estrangeiros.

- Nunca comi uma refeição assim!! E nunca fui a nenhum restaurante destes! Meu Deus até me sinto envergonhada! - ri-se Karim.

- Esta viagem é única, e por tal deve ter estes momentos marcantes! Merecemos isso. - diz Jamila, com um sorriso branco na cara.

- Quem é que quer ir andar na montanha-russa? - pergunta Nadir, enquanto arruma os talheres, anunciando o final da sua refeição. Karim e Jamila olham-se.

- Como assim?

- Andar na montanha-russa. Presumo que nunca andaram! - gargalha.

-Vamos!!! - exclama, de repente, Jamila.

- Jamila, estás em condições para isso? É que aquela coisa mete medo ao susto!

- Nem sei amanhã ainda estou viva, nem sei se chego a Meca. - declara, levantando-se. - Então? Vamos!

Nadir e Karim seguem-na. Jamila ri-se, mas ao mesmo tempo grita de medo só de ver grandes subidas, duplos lupings e de ouvir os gritos das pessoas nas carruagens. No entanto, uma onda de emoção e adrenalina cobria cada canto do seu corpo. Há muito que não se sentia assim.

Bilhetes comprados e cintos postos. A carruagem começa a subir lentamente, até que chega ao ponto máximo. Jamila está agarrada a Nadir, e sorri para Karim, que está a observá-la perto da bilheteira. Retribui o sorriso, e a carruagem ganha o máximo de velocidade possível. Jamila e Nadir agarram-se, gritam e riem-se, enquanto levam com o ar na cara. São consumidos pela diversão do momento, ao mesmo tempo que Karim os observa.
O olhar desta foge para uma mulher que se encontra alguns metros ao seu lado, e repara que também fixa os olhos à carruagem desses dois, o que lhe chama de imediato à atenção. Tenta aproximar-se dela, mas não a consegue identificar, apesar de o olhar e o porte físico lhe parecerem familiares. De imediato, a mulher misteriosa vira-se para Karim.

- Neerja?!

- Estás com sorte que não vim cobrar a fatura. Ainda tenho as marcas negras que me fizeste, cigana de bairro.

- Não me chamas isso! - exclama, enquanto lhe agarra no braço.

- Desta vez não estou sozinha, portanto é melhor largares-me, para teu bem. - ameaça Neerja. - Não vim aqui para falar contigo, vim por causa do meu irmão, preciso de falar com ele, urgentemente.

- E o que é que é assim de tão urgente? Não estavas melhor em Sanaa? A porrada que te dei não foi suficiente.

- Não estejas com ameaças, porque um movimento agressivo que me faças, vais pagá-lo com a tua vida.

- Neerja?! O que estás aqui a fazer?

- Nadir!! Procurei por ti em todo o lado. Tens que vir para Sanaa comigo.

- E porque haveria de fazer isso? - questiona Nadir.

- É por causa dos pais, do pai aliás. Ele morreu, há 3 dias.

Nadir não acreditava, não queria acreditar. Começou por achar que fosse uma invenção da própria irmã, mas rápido se convenceu que, infelizmente, era verdade.

- Ele morreu num atentado dos rebeldes, enquanto decorria uma reunião do governo. - completa a sua irmã.

- Não vou para Sanaa. - diz Nadir, chorando.

- Não vais? Como assim? O nosso pai morreu e tu simplesmente continuas como se nada fosse?

- Tenho uma missão para terminar até Meca. Chorarei a morte do meu pai quando voltar.

- Só podes estar a gozar comigo. Levem-no para o jipe!!! - ordena Neerja.

De repente, dois homens vestidos de preto agarram Nadir pelos braços e levam-no de rompante.

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