XII

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Já estavam todos dentro do carro. Como iriam passar por um posto de controlo e para parecerem uma família normal, despreocupada e tradicional, em viagem, as mulheres iam nos bancos traseiros e precários do automóvel, enquanto que os homens iam à frente. Um aperto no coração atingia todos presentes. A incerteza era dominadora do momento.

Faltavam cerca de 1 quilómetro para a fronteira, e já se avistava ao fundo uma fila enorme de carros.

- Temos um problema. - anuncia Salim.

- Qual?! - pergunta Nadir, preocupado, enquanto trava devagar o carro e ocupa o seu lugar na imensa fila.

- Vocês têm vistos certos?

- Sim, mas são falsos. Passam bem por verdadeiros. - responde Jamila.

- Bem, isso é ótimo, para vocês. Eu não tenho visto.

- Como assim? - perguntam Karim e Laila, em coro.

- Eu não tenho nenhum visto como devem calcular. Vão ter que passar sozinhos.

- Salim tens que vir connosco. És tu que tens o teu irmão como militar na fronteira. Sem ti vai ser mais difícil passar. - diz Nadir. - O que estás a pensar em fazer?

- Eu não te disse, porque pensei que não fosse relevante, mas neste posto de controlo quem controla a fronteira são militares iemenitas, mas em caso de estado de sítio na capital são os militares árabes quem comandam a raia dos países. Ou seja, eu não vou poder passar, e vocês serão acusados de ajudar um emigrante a tentar sair ilegalmente do país.

- Tem de haver uma solução. - interrompe Jamila, subitamente.

- Só se te esconderes. - diz Karim.

- Onde? - pergunta Nadir.

- Na bagageira do carro. Ele coloca-se lá dentro e só fecha totalmente a porta segundos antes de chegarmos ao posto, para não ficar sem ar. Saímos da vista dos militares e ele volta para o banco da frente do carro.

A ideia até parecia dar certo. Nada podia correr mal, sem nenhum atraso, pois qualquer longo impedimento poderia por em causa a vida de Salim ou todo aquele disfarce. Decidiram então alinhar nessa estratégia.

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A fila tinha já andado umas centenas de metros, e encontravam-se a pouco mais de 500 metros da fronteira. Já eram visíveis os militares árabes a pedir os documentos num curto horizonte.

Salim estava já dentro do porta-bagagens do carro. Estava calor, e o facto da viatura diplomática ser preta, o que o atrai mais, não facilitava em nada, mas lá se aguentava. Mantinha ainda um pouco a porta aberta, com o objetivo de fazer entrar o máximo de oxigênio possível.

- Alguém me consegue explicar porque é que o Salim vem connosco? - pergunta Karim.

- Ele vai visitar uma parente que está muito doente em Mijannah, onde vamos ficar a descansar como já vos disse. Não me custa nada levá-lo até lá, mas pensei que ele tivesse o visto.

Entretanto, estava só mais um carro à frente. Seriam eles os próximos a passar para o lado oposto da fronteira, onde tudo seria mais calmo. Esperavam todos. De imediato, Nadir levanta levemente a embreagem, fazendo o carro andar uns poucos metros. A porta da bagageira fecha-se totalmente.

Ao travar, o carro pára ao lado de um militar jovem, com uma barba curta e cuidada. Estava armado com uma pistola de 9 milímetros e uma AK-47.
Este curva-se ligeiramente, olhando nos olhos de Nadir, e de seguida para as três mulheres que se encontravam atrás dele.

- Documentos de todos por favor.

Nadir entrega os cartões de identificação dele e das três raparigas.

- Alguma destas é sua esposa? - pergunta o militar.

- Sim senhor. Jamila Malik. Casámo-nos ontem e ainda não tivémos tempo de atualizar esses documentos.

- Não tem problema. Mas essa data é so válida durante um mês. Até esse período terão de atualizar os documentos.

- Claro senhor.

Uma onda de emoção invade Jamila. No meio de tanto nervosismo, apetecia-lhe rir e ao mesmo tempo beijar Nadir, abraçá-lo. Não seria ao acaso que a teria escolhido para sua suposta esposa.

- Suponho então que Karim Malik seja sua cunhada. Quem é Laila Lah?

- Uma amiga da minha esposa, e também madrinha de casamento. - responde Nadir.

Naquele discurso todo, as três mantinham-se caladas, mas com um sorriso escondido por debaixo das suas negras burcas.

- Os vistos por favor.

Naquele momento, o coração de Nadir acelera. Se ele percebesse que eram uma falsificação estava tudo terminado.

- E vão a Meca correto? - pergunta, torcendo o nariz.

- Sim. Vamos servir Allah, O Todo Poderoso.

Já eram demasiadas perguntas, e Nadir estava a ficar inquieto.

O militar entrega os vistos e os documentos a Nadir, e faz um gesto de modo a chamar outro militar que também estava armado, e se encontrava a controlar as cancelas.

- Vamos ter que revistar as passageiras e o resto do carro, visto que é um carro do corpo diplomático, o que trás medidas de segurança extra. Não se preocupe, é só por precaução e claro, uma pessoa importante tem que ser tratada de maneira importante. - diz, rindo-se.

Jamila tinha um revólver na sua pose. Mas não era esse o problema, pois não era digno um homem alheio ao casamento tocar numa mulher. A preocupação do momento era Salim. Este ouve os passos próximos dos militares, e começa a suar. Prepara-se para sair de repentino do carro e simplesmente fugir.

Quando um dos militares se dirige para a bagageira do carro, uma carrinha de caixa aberta aparece ao fundo, emitindo violentos barulhos de metralhadoras, vindo do lado do deserto. Era, aparentemente, um atentado, outro dos muitos naquela semana.

Todos ficam stressados. Jamila não sabe o que se passa, e aperta com força a mão da irmã. Os militares apressam-se a colocar-se de joelhos e armas apontadas aos invasores, que traziam consigo, o que parecia ser, o brasão da Al-Qaeda estampado numa enorme vara de madeira. Começa um longo tiroteio sem fim.

- Reforços! Reforços! - comunica um militar, enquanto se ocupa a disparar.

Um dos militares é atingido, e o pânico instala-se naquela longa fila de carros. Uns voltam para trás, outros chocam uns com os outros. Já era suposto terem passado a cancela e o controlo de passaportes, que já se encontrava encerrado. No meio daquele aparato, Salim sai do carro, em direção à cancela, com o intuito de a passar a pé.

- Salim não! Volta!!! - grita Nadir, pela janela do carro.

Ouve-se um longo disparo, um único disparo isolado, e Salim cai de imediato no chão.

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