Capítulo 6

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Zoe

A menina que entortou a boca de frente para mim tinha um sorriso derrotado ao mesmo tempo em que possuía um olhar ansioso. Parecia preocupada com alguma coisa que passava longe do entendimento de um simples mortal, e talvez passasse.

Estava vestida num macacão jeans, com uma blusa de alça vermelha por baixo. O tênis Converse cobria o pé pequeno, e os brincos em argola davam uma aparência mais adulta à sua fisionomia tão infantil. Tinha nos seios e nas curvas das pernas o que não possuía no rosto em termos de maturidade. Achava que teria eternamente a cara de uma menina fantasma que enquadrava o mundo através de olhos grandes e um nariz tão pequeno quanto sua boca em forma de coração.

Era uma coitada. Dessas que esbarramos com frequência na rua, mas fingimos não ver. Camuflava sua pequenez emocional com apetrechos que brilhavam em sua aparência, também pequena. Era estranha. Um ratinho de laboratório que já havia levado choques suficientes por uma vida inteira, e só tinha vinte e um anos. Apenas isso.

— No que está pensando?

A voz de Seth me despertou e eu sorri mais ainda, tirando meus olhos do reflexo no espelho e fitando o garoto de calça social e chinelos que apareceu na porta do meu quarto seguido por um labrador marrom.

— Estava pensando se teríamos pudim de sobremesa. – Respondi dando as costas para minha aparência, afastando os pensamentos sufocantes e indo alisar o pelo bem cuidado do cachorro.

— Mentirosa. – Seth sorriu, sentando em cima da letra "J" do nome da Janis Joplin, que cobria meu edredom de ponta a ponta.

— Você é muito bisbilhoteiro, irmãozinho. – Falei mostrando minha língua enquanto trocava as argolas por brincos um pouco menores, e o tênis por um sapato fechado. Estar de macacão já faria minha mãe surtar o suficiente. – E você é muito espalhado, Sr. Spock – Resmunguei quando o cachorro de Seth pulou na minha cama e se deitou relaxado.

— Gosto de você com tênis. – Meu irmão comentou, pegando meu globo de neve da mesa de cabeceira. Ele balançou o objeto com violência, arrancando um sorriso meu.

— Você deveria parar de jogar tanto aquela porcaria. Está ficando violento. – Tomei o globo de sua mão e balancei com delicadeza, mostrando que não precisava de ignorância para fazer a neve cair na minha Torre Eiffel em miniatura. – Viu? Não precisa aplicar um golpe fatal para fazer funcionar.

— Você é uma otária. No dia em que jogar LOL não vai mais querer largar.

— Com certeza. – Revirei os olhos e me larguei na cama, ao lado de Spock, abrindo os braços e espreguiçando as pernas enquanto o cachorro se aninhava com a cabeça na minha barriga. – Emily e Leo já chegaram?

— Já. Mamãe quer começar a comer cedo hoje. Aparentemente papai tem uma reunião pelo Skype mais tarde.

— Nossa, que modernidade! – Brinquei e Seth sorriu, mostrando a dentição perfeita e que custou uma fortuna de minha mãe. – Para que ir à Brasília se eles têm o Skype?

— E sempre sobra para mim, porque o velho não sabe a diferença entre ON e OFF na tela. — Seth reclamou — Depois da última reunião aposto que alguns políticos ficaram sabendo que mamãe não gosta de calcinha vermelha.

Gargalhei alto, dobrando a barriga de tanto rir e fazendo Spock latir. Só parei quando ouvi o barulho do salto firme no corredor.

— Ei, vocês, mamãe está chamando.

Emily entrou pelo quarto e foi direto em direção ao espelho, ajeitando o batom vermelho nos lábios incríveis e puxando o cinto do vestido elegante. Para minha mãe até um jantar em casa deveria ser motivo suficiente para se vestir bem. Emily sempre levou isso a sério, usando o que tinha de melhor no guarda roupa. Seth levava parcialmente, a sandália com a calça social comprovavam isso. Eu era a do contra. Não via lógica em colocar um sapato alto para jantar no andar de baixo.

Improváveis Deslizes (Degustação)Where stories live. Discover now