Capítulo 8

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Zoe

Subi as escadas da mansão com cuidado, pisando lentamente para o latejado na minha cabeça não piorar. Minha visão estava um pouco turva, e eu certamente deitaria na cama sem um banho, de tanta dor. Se caísse no banheiro não conseguiria levantar sozinha, e teria que passar pelo constrangimento de ser carregada nua. Argh!

Ouvi o barulho no quarto do meu irmão e não consegui passar calada. Era inevitável avisá-lo quando estava em casa e perguntar se tudo estava bem. Tinha um pôster nos Ramones colado na porta, – para total desgosto da minha mãe –, e muitos avisos de não ultrapasse. Eu imaginava que Seth trazia garotas para casa quando mamãe estava em Brasília, porque ele de repente passou a fazer questão por chave na porta, tornando o aviso de não ultrapasse meio ultrapassado. Bati devagar, e ele respondeu no segundo seguinte.

— Entre. – A voz cansada dele soou do outro lado, e eu abri a porta para dar de cara com a zona que era o quarto dele. O típico quarto de adolescente: ruidoso, cheio de informação e cheirando a salgadinho de queijo com um leve azedume que eu tinha até medo de tentar descobrir o que era.

Fui chutando os papéis caídos no chão e me sentei em uma poltrona ao lado da sua escrivaninha, onde ele se debruçava sobre um livro e mantinha o computador ligado ao lado, no Wikipédia. Os óculos pendendo no nariz, e aquela expressão de concentração que eu tanto achava parecida com a de Efraim.

— Estamos criando uma bomba atômica?- Perguntei. –Porque se for isso acho melhor transferir seu laboratório de Dexter para a garagem.

Ele respondeu com um muxoxo de impaciência, ignorando totalmente o fato de que eu estava o lado dele. Às vezes Seth parecia tanto com Noah que dava agonia. Esses homens Hazim se assemelhavam em detalhes pequenos e triviais, tornando-os fortes e únicos.

Spock surgiu na porta abanando o rabo, com a língua pendendo para fora da boca. Veio em minha direção e deitou exatamente em cima do meu pé. Eu achei o gesto extremamente reconfortante. O pelo dele fazia cócegas sobre a sandália de tiras finas. Acomodei-me confortavelmente na poltrona, piscando os olhos para dissipar a neblina neles.

Esperei cerca de dez minutos, só ouvindo Seth rabiscar e amassar mais folhas, antes de dizer alguma coisa.

— Leonor me disse que você chegou rabugento. O que houve?

— Eu simplesmente não consigo escolher um período histórico que mais goste para desenvolver a merda do meu trabalho. – Ele falou furioso, largando o lápis na mesa e se jogando na cadeira. Por um momento fiquei sem reação. A dor estava me deixando lenta e sonolenta, e Seth não tinha costuma de ser explosivo. Só alguém altamente nerd explodiria mais fácil por não estar conseguindo fazer um trabalho de escola do que por ouvir a mãe dizendo que tudo o que ele escolhia era besteira.

— Sobre o que é o trabalho?- Perguntei alisando o pelo lustroso de Spock com o pé descalço, depois de ter soltado a sandália.

— Amor e sexualidade.- Respondeu coçando o rosto. - Vamos fazer uma viagem no tempo misturando literatura e história, falando sobre como a sociedade encarava o amor e a sexualidade desde os primórdios. E como eu obtive maior nota em ambas as disciplinas, tenho o direito de escolher minha época antes dos outros.

— Amor e sexualidade? – Se minha cabeça não estivesse tão dolorida eu teria dado uma gargalhada. – Agora entendo os tantos papeis largados no chão. Esse é um tema que certamente chama a atenção de jovens.

— Pode ter certeza de que sim. – Ele retrucou com olhos atentos. Provavelmente estava à base de muito energético, já que mamãe tinha viajado e Quita liberava qualquer coisa que ele quisesse depois de muitos beijos. Seth até faltou aula naquela quarta-feira para fazer esse trabalho, e ele nunca faltava aula. Eu sentia no ar o nível de piração do meu irmão por causa daquilo.– Percebe a necessidade que sinto de fazer o melhor de mim?

Improváveis Deslizes (Degustação)Where stories live. Discover now