Capítulo 4

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Zoe

— Como assim você não vai poder trabalhar na festa dos Campus?

Tapei meu ouvido desocupado com a outra mão, me afastando do barulho da festa rapidamente. Desviava das pessoas com um sorriso forçado enquanto apertava o telefone ao meu rosto.

— Me desculpe, Zoe! – A voz falou envergonhada do outro lado da linha. – mas é que minha avó não está bem e você sabe que não temos família em Linhares para cuidar dela.

— Ora, tragam a velha para Vitória! – Resmunguei em protesto, esbarrando em um homem que derramou parte do líquido de uma taça no chão e me olhou com uma cara feia. – perdão! – Dei as costas ligeiro, não esperando para saber se ele iria me perdoar ou não.

— Você conhece minha avó. Ela só vai sair de Linhares morta.

— Podemos usar isso como opção? – Perguntei parando de andar, e ele soltou um sorriso abafado.

— Não vamos matar minha avó por causa de um evento, Zoe.

Revirei os olhos e voltei a caminhar. Já estava na garagem em direção ao meu carro. A bolsa da câmera apoiada no ombro e a do tripé no outro. Cambaleava com o peso de ambas em cima da merda do salto.

— Ela já deveria estar morta mesmo. – Expliquei o lógico. A velha morria e ressuscitava tanto que nem Cristo seria capaz de superá-la. – Quantos anos será que ela ainda vai viver? Está chegando perto de Matusalém.

Ele riu alto, e não pude deixar de rir também.

Henrico era meu funcionário mais antigo. Trabalhava comigo desde a época em que ambos estudávamos. Ele era de um clube audiovisual da escola, e me ajudou em uma gincana que fotografei no nosso segundo ano. Desde então eu não trabalhava mais sem ele.

A maioria dos fotógrafos levava um milhão de coisas quando iam fotografar grandes eventos. E não que eu também não enchesse o carro com softbox, rebatedores e tripés suficientes para cobrir a abertura da Copa do Mundo, mas se eu tivesse apenas minha câmera, um flash e Henrico, seria capaz de fazer milagres.

Em eventos grandes eu sempre levava mais um fotógrafo para ficar na lente fixa, e dois ajudantes. Henrico era sempre o meu. O tipo de garoto que sabia o que eu queria antes que precisasse dizer. Tinha um olho fantástico para achar a luz perfeita, e se ele fosse bom em enquadramento, eu já o teria como sócio, por mais que me doesse perder meu braço direito.

O problema é que a avó dele estava há mais de cinco anos nesse morre não morre. A velha tinha as crises dela e sempre ligava para ele socorrê-la. Normalmente era só um ataque de pelanca e ele voltava alguns dias depois. Só que nunca casou de Henrico precisar viajar perto de algum dos nossos grandes eventos, e o desespero comeu minhas veias.

— O que vou fazer sem você? – Choraminguei ouvindo o barulho do salto fazer um compasso ritmado no chão de cimento ao me aproximar do carro. – É a festa dos Campus! Provavelmente o maior evento que teremos no ano, e vou estar sozinha.

— Nada de drama, Zoe! Você é a artista e eu sou só o cara que segura o flash. Posso indicar outras várias pessoas para te ajudar nisso.

— Não vou querer um garoto qualquer cheio de espinhas na cara de tanto bater punheta segurando meu flash. A última coisa que preciso é de um adolescente com psicopatia hormonal, ou convocaria meu próprio irmão. – Protestei ao chegar ao carro, encostando-me à lateral do New Beetle, cruzando as pernas.

— Está lembrada que quando comecei a trabalhar para você eu tinha espinhas na cara, não é? – Ele falou ainda rindo.

— Por que você acha que eu o fazia usar luvas antes de pegar no equipamento? – Expliquei rodando a chave entre os dedos. — E na época eu também tinha espinhas.

Improváveis Deslizes (Degustação)Where stories live. Discover now