Capítulo 23

30 6 2
                                    

O dia escureceu rápido, tão rápido que quando eu olhei pela janela, mal enxergava a minha própria palma da mão, até aqueles dois homens chegarem e acenderem algumas velas, pelo menos agora consegui enxergar um metro a distância.

-Ainda bem, que não tentou fugir, se não as coisas iriam ficar feias para o seu lado- Um deles diz

-Como somos muitos bons, trouxemos uma muda de roupa para você, e permitiremos que tome um banho, mas precisa saber as regras primeiro, tente fugir, vamos encontra-la e você morrera, tente tramar um plano e o descobriremos, demore mais de cinco minutos lá dentro, e entraremos, fale qualquer coisa, reclame da água gelada, ou do vestido esfarrapado e sofrerá, está claro?- Um deles diz me entregando a muda de roupa, pegando meu braço com força e me puxando para perto da pia, virando para a esquerda em um minúsculo corredor, abrindo uma porta que estava relativamente torta.

-É aqui, saiba que se tentar fugir seu plano será falho, não vai funcionar, eu estou aqui e vou ficar cuidando da porta, meu amigo estará lá fora se tentar fugir pela janela, aproveite seu banho gelado- ele diz e quase congelo naquele banho, mas foi bom, como se eu estivesse me libertando do dia do casamento, mesmo sabendo que seria quase impossível, nunca conseguirei me distanciar, ou tentar esquecer aquele dia, ele estará preso em meus pesadelos para sempre. Não tentei fugir ou coisa do tipo, não é a hora, mas aquela pequena janela foi suficientemente boa para conseguir analisar onde eu estava, me parecia ser Fulmine, pela quantidade de arvores e por ter uma neblina cobrindo a paisagem, se eu fugisse o plano seria correr e correr, até essa imensidão de arvores acabar, mas ainda não é a hora, até lá tenho que tentar sobreviver e sair o menos machucada possível.

-Deu o tempo, saia, ou entro- o homem bate na porta e eu a abro, ele puxa meus pulsos que estavam irritados por causa do tempo com a corda neles, o homem amarra novamente e me puxa até a cadeira, gritando pro seu amigo trazer alguma coisa, não entendi o que era. Algum tempo depois seu amigo aparece com um pote.

-Fiz uma mistura para você princesinha- ele diz aproximando o pote de mim.

-O que é isso?- pergunto sentindo o horroroso cheiro daquilo.

-Tem carne de pássaro, algumas ervas da região, uns vegetais, tem água do lago, e um ingrediente especial.

-Não quero comer- digo recusando a comida.

-Vai passar fome por dias se recusar comer isso- o outro me avisa.

-Antes passar fome do que morrer, quem garante que o ingrediente não é veneno.

-É, o teste de confiança funcionou, ela não confia em nós.

-Por que deveria confiar em que me sequestrou? É loucura.

-Por que deveríamos continuar sendo bons com você? É suicídio- eles dizem e continuo recusando a comida.

-Otimo, não vai comer, então passará fome e frio. Se você tivesse aceitado traríamos uma manta para não congelar, de madrugada aqui é muito frio, já que não aceitou, tomara que morra congelada.

-Se eu morrer, a família de vocês morre também, sabem disso.

-Se você morrer, podemos mentir para nosso superior, e quando perceber que você morreu, será tarde, já teríamos fugido.

-É esse o plano de vocês, envolve a minha morte? Fico feliz em saber disso, e que isso não vai acontecer.

-Esse é só o plano B, mas ficaríamos felizes em sair desse maldito grupo rebelde, o que quer dizer com não vai acontecer?

-Meus amigos estão atrás de mim, o que espera? Logo, logo estarão aqui, e quem vai pagar será você- digo mesmo duvidando que eles estivessem perto de me encontrar, devo parecer forte, é isso que eles fariam, é isso que fui ensinada a ser, sem sentimentos, sem preocupações fúteis, sem decaimentos. Devo ser forte, esperta e resistente.

-Seus amigos? Ela ainda não confia em nós, mas nos seus queridos amiguinhos ela confia, mesmo sabendo que um deles ordenou a morte da própria irmã, isso sim é idiotice. - O homem alto fala e respiro fundo para não chorar, é difícil criar uma barreira de emoções e sobrevivência.

-Eu confio, por que sei que mesmo um deles tendo me traído, traído a todos, ele pagará e que os outros me ajudarão não importa o que aconteça, é isso que eu faria por eles, acreditaria até o fim, e mesmo passando tempo continuaria procurando.

-A questão é de que ninguém conhece esse lugar, é muito longe de qualquer outro lugar, para eles poderem chegar perto. Mesmo se estivessem perto desistiriam ao ver a quantidade de caminho que ainda teriam que passar.- O homem mais baixo diz.

-Se isso é o que você diz, não irei contradizer, já que estou sendo ameaçada, por dois homens que não confiam um no outro, o que você diz não é o que meus amigos fariam é o que você faria, não é uma regra dos rebeldes conhecer o oponente para ataca-lo? Não conhecem eles, estão falando de si mesmos. - digo controlando minha respiração e olhando para os olhos dos dois.

-Cale-se agora- o mais alto grita e o mais baixo aponta a faca para perto do meu braço.

-Vocês não querem salvar sua família, vocês não têm família, aquilo era um teatrinho não era? Os dois só querem salvar a própria pele, são egoístas demais para construírem um lar.

-Eu mandei você ficar quieta, garota insolente- o mais alto grita novamente.

-A verdade é cruel não é? Eu sei, mas eu tenho a impressão de que vocês acham que eu sou frágil, que não sei me defender, que não sou forte o suficiente para isso. Devo pedir desculpas, mas fui criada para ser forte, não importam o que façam, não vão me destruir, não vão destruir o meu sobrenome, muito menos Esperanza. - digo mesmo tendo uma vozinha chata na minha cabeça dizendo que isso não era verdade, e que eu estava apenas usando uma armadura que poderia quebrar a qualquer momento.

-Querida, os Castelli já estão destruídos, Esperanza já está dominada, e seus amigos já estão cercados, é um jogo que está prestes a usar o xeque- mate, você está alimentando pensamentos falsos, e não fomos nós que criamos isso.

-O jogo nunca está perdido se você ainda tem uma última jogada- eu falo mesmo não tendo ideia de que jogada seria essa, ou do que ele quer dizer com meus amigos estarem cercados. Eu não compreendo nada.

-Se divirta com o frio e a fome princesinha- eles dizem saindo daquele espaço, sem me responder, me deixando sozinha com meus bagunçados pensamentos.

E eles não mentiam sobre o frio, eu tremia tanto com meus temores sobre todos estarem bem ou não, sobre tudo estar bem, a fome também começava a me abater, mas tentava me concentrar em outra coisa que não seja tudo isso, como a lua que aos poucos ia sido coberta por nuvens, como cigarras tocando ao fundo, ou com os sons de madeira estralando, me concentro nisso até adormecer.


Infelizmente sou princesa!Onde histórias criam vida. Descubra agora