Capítulo 1

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Londres, Reino Unido, 1700.

Sempre achei a minha família muito estranha, na verdade mais que o normal - pois nenhuma família é completamente comum. Contudo, além de meus pais serem bem antiquados, eles passavam do nível de "estranheza".

Desde a minha infância eu já percebia esses sintomas dentro do meu lar. Meu pai sempre foram muito rígido, e minha mãe, bom, ela não tinha voz ativa, até porque a vida não era fácil para as mulheres em 1700, principalmente em Londres. Lembro das viagens que meus pais sempre faziam sem mim, enquanto eu ficava no cuidado de alguma família amiga da nossa, e mais tarde eu fui descobrir que essas viagens eram para eles caçarem animais para se alimentarem.

Eu era uma criança comum, visitava frequentemente a igreja com a minha mãe, e lá conheci o amor da minha vida: Gisele. Era uma menina doce, com cabelos longos e cacheados cor de mel, pele de porcelana e olhos castanhos.

No dia em que a vi pela primeira vez, tendo apenas sete anos, jurei a mim mesmo que me tornaria amigo dela, e com o tempo passou bem mais disso. Nós começamos a cortejar, e foi nessa época que meu pai se orgulhava de mim por ter arranjado uma jovem descente, e mais ainda pois fizemos tudo certo. Depois de alguns anos nos casamos, eu já estava com os meus vinte e quatro anos e tudo ia bem. Eu ainda não havia descoberto da maldição da minha família, e nem que esse era o motivo para eles serem tão estranhos.

Eu lembro de como ativei a minha maldição, e do quanto isso foi doloroso para mim. Gisele estava cortando legumes para o nosso jantar, e nós estávamos discutindo pois ela queria visitar os pais dela, contudo estava na vez de nós visitarmos os meus pais, uma discussão boba. Porém, com essa distração, ela acabou se cortando, então me dirigi a cozinha para ajudá-la, e quando segurei a sua mão que vi o sangue escorrendo na sua palma, eu senti um desejo insaciável pelo seu sangue. Então eu coloquei sua palma na minha boca e suguei o seu sangue. Gisele pedia para eu parar, gritava, contudo eu não escutava, e não queria parar, até perceber que a minha fonte de alimento se esgotara, e que eu matara a quem eu mais amava. O desespero tomou conta do meu corpo, então corri para a casa dos meus pais, e na verdade eu cheguei lá em alguns segundos, sem nem perceber.

O que você fez?! — meu pai gritava com repulsa e ódio. Lembro da sensação da sua mão atingindo o meu rosto e do desgosto em seus olhos.

Não lembro se isso se dava por minha dieta não ser como a deles que consumiam animais, ou por eu ter matado alguém.

Ele arrumou as malas junto da minha mãe, enquanto gritava com ela para ser mais rápida, até que ela derrubou alguns objetos no chão, e eu o vi segurando os seus ombros com mais força que o normal e gritando xingamentos para ela. Eu não sabia disso, mas quando você se torna vampiro, todos os seus sentimentos se ampliam, e algo se ampliou mais dentro de mim do que a tristeza da morte da minha mulher; a raiva, o ódio por ver como o meu pai estava tratando a minha mãe e por tudo que ele fez comigo durante todos esses anos, e também por ele não ter me contado sobre a nossa maldição.

E que ela poderia ser ativada só com uma gota de sangue humano.

E foi nesse momento que sem perceber eu quebrei o seu pescoço. Mas eu sabia que não era tão fácil para vampiros morrerem, então eu arranquei os seus membros e o queimei.

Minha mãe olhando essa situação fugiu, e décadas depois eu descobri que ela havia sido morta por caçadores.

E então eu parei de pensar, parei de me importar, e comecei uma vida promíscua, matando várias pessoas, sem sentir dor ou remorso.

Até porque eu já havia sofrido o suficiente, e eu não amava e não era mais amado por ninguém, então por que iria me importar com meras vidas humanas? Se a humana que eu amava havia sido morta por mim?.






Nova Orleans, Luisiana, EUA, 1816.

Qual o propósito de nossas vidas? Bom, a minha era matar e matar. Eu só ligava para a diversão, e festas, e tudo que agradasse o meu ego extremamente inflamado. Achava que eu tinha direito a tudo que haviam me recusado por toda a minha vida, mas eu estava errado.

Eu não tinha amigos, meus companheiros eram as pessoas que bebiam comigo, e só. A minha vida era obscura e solitária, tudo por culpa de algo que havia acontecido no passado, e que não voltaria mais.

Nunca mais.

E algo mudou tudo que eu sentia, ou alguém na verdade.

Ela, a musa de Nova Orleans como era chamada.

A sua voz de anjo invadiu os meus ouvidos e me fez lembrar que eu inda tinha um coração, que dentro de mim ele ainda batia, e agora batia por ela. Lembro de me virar no banquinho que eu estava sentado no bar e vê-la com um vestido dourado, que só realçava os seus cabelos curtos e morenos, sua pele bronzeada e seus olhos verdes.

Ela era mesmo um anjo.

Quando acabou a apresentação eu fui atrás dela, da musa que havia me encantado, e então recebi um fora. Talvez eu não tivesse muita experiência em conquistar mulheres, já que só havia me casado com uma, e nunca mais havia tentado nada, nem uma conversa com outra mulher. Mas eu não iria desistir, algo nessa humana era diferente de todos os humanos, e eu queria descobrir o que era, já que o que me atraíra nela não fora a minha sede, mas a sua beleza, a sua voz, tudo nela.

E em um noite, após mais uma apresentação dela, — eu não perdia nenhuma — eu a segui. Eu sempre olhava-a fazer o mesmo caminho de volta para a casa de seus pais, com a brisa noturna e a lua a iluminando. Porém nessa noite algo imprevisto aconteceu. Dois homens bêbados se aproximaram dela, um deles a segurou pela cintura, e o outro tentava agarrá-la. Foi nesse momento que eu senti a mesma raiva do dia em que matei o meu pai. Eu corri na direção deles, acertei um soco no homem que a segurava, e outro no homem que estava a sua frente. O que a havia segurado conseguiu fugir,— eu o pegaria mais tarde — enquanto eu desferia socos no rosto do que tinha tentado agarrá-la. Até que eu ouvi o seu grito, e percebi que o homem morreria rápido se eu não parasse.

E algo que nunca mais havia acontecido comigo, aconteceu, eu parei.

Larguei o homem na sarjeta, enquanto emprestava meu paletó para ela e cobria os seus ombros.

— Você está bem? — eu perguntei preocupado.

Ela confirmou com um leve balançar de cabeça, e então eu a levei para casa.





Com o passar do tempo e com muita paciência — da minha parte — eu fui conquistando-a aos poucos, até porque o que eu tinha era tempo, e fora isso, eu não tinha nenhum objetivo na minha vida, nem mais nada para me importar. É irônico, a minha vida se baseava completamente na vida de uma humana.

— O que vamos fazer hoje? — pergunto enquanto voltamos do bar onde ela cantava.

Ela olha ao redor como que para ver se alguém estava nos observando.

— Quero lhe mostrar algo — ela diz, me puxando pela mão.

Um arrepio passa pelo meu corpo e eu solto a sua mão assustado. Há quanto tempo que eu não sinto um toque humano espontâneo, ou a quentura de um humano.

— Tudo bem? — ela pergunta.

Confirmo enquanto seguro a sua mão novamente, eu nunca mais iria soltá-la, se tivesse essa opção.

Vejo a porta da sua casa, como toda noite, contudo dessa vez é diferente, ela me chama para entrar em sua casa, e eu percebo que por falta de luz, os seus pais deveriam estar dormindo.

Algo que eu não precisava fazer.

Ela me guia pela escada e logo vejo a porta do seu quarto, e antes que eu possa dizer algo, sou surpreendido pelo baque da porta fechando e por seus lábios tocando os meus.

Bom, os meus reflexos não haviam me ajudado muito.

E foi nessa noite, que novamente eu senti o que é amar, não como eu amava a Gisele, o meu primeiro amor, mas esse amor chegava bem perto.

Tão perto que tapou o buraco no meu coração, por um tempo.

Lua Cheia (Série Vampira e Presas) - Livro ExtraOnde histórias criam vida. Descubra agora