Todo o dia era mesma coisa: acordar, tomar banho e café da manhã. Depois sair para o trabalho. Naquele momento, estava feliz, mas nem sempre fora assim.
Descobriu-se homossexual aos dezesseis anos, quando teve a noção de seu corpo e de sexualidade, mas sabia que havia algo diferente nele desde o início. Vira a mãe forte em sua criação, tomando todas as decisões, sendo a chefe da família, mesmo o pai sendo o provedor. Queria mesmo era ser igual à mãe, apesar do pai tentar criá-lo a imagem e semelhança, arrogante e ignorante.
Quando se deu conta que gostava do mesmo sexo, Gil reprimiu esse sentimento no coração. Entendia com funcionava a sociedade e via o preconceito que os gays enfrentavam. Conhecendo também o pai e suas piadas homofóbicas, era melhor manter segredo.
Rui lhe ensinou a profissão. Desde doze anos ia para o trabalho árduo e cansativo, mas Gil aprendeu com orgulho a erguer uma casa do nada. Só de pensar que uma família teria um teto, valia cada gota de suor derramada e misturada ao cimento, cada tijolo empilhado e cada pá de revestimento. Sim, trabalho honesto e digno, que ainda lhe poupava o dinheiro da academia, já que o trabalho braçal deixavam seus bíceps e tríceps do jeito que ele queria.
E assim vivia, trabalhando e escondendo o seu verdadeiro gosto, vezes namorando uma menina ou vezes ficando olhando aquele rapaz bonito que passava por ele na rua. Aos dezoito anos, sentiu na pele o preconceito.
Numa deixara de estudar, trabalhando sempre à tarde. Na escola, não havia problemas, longe dos pais poderia se soltar e ser quem quisesse. Não era afeminado ao extremo, reconhecia o seu gosto mas lidava muito bem com o seu corpo. Só havia o medo, de ser pego, de falarem para os seus pais, de alguém saber.
Quando se pensa que está fazendo algo escondido, na verdade alguém pode ver e pior, esse alguém pode ser conhecido. Um dia, após a escola Gil estava no lugar errado e na hora errada, assim um pedreiro o viu beijando o seu namorado na esquina próxima ao shopping. O ogro, gritou palavras baixas e ofensivas, fazendo o namorado de Gil se esconder. Gil, homem de atitude enfrentou aquele que xingava e viu o colega da obra. Uma briga feia aconteceu, fazendo Gil sair na pior, pois dois homens os seguravam para o ogro bater.
Chegando em casa, depois de procurar pelo namorado que havia fugido e tropeçando, sua mãe lhe pediu explicações, mas ele conseguia chorar e abraçar, com se aquilo fosse "curá-lo". Naquele dia, não foi trabalhar. Não conseguiria enfrentar seus outros colegas e já imaginava o que diriam dele, após o ogro contar o que vira. Mas do pai, não teria como fugir.
Rui chegou em casa esbravejando, dizendo que chamaram seu filho de vários nomes, enquanto ele defendia sem sucesso. Gil o olhou e percebeu que não havia jeito, com o rosto machucado e um olho fechado fez o pai se calar. Não interessava o seu jeito rústico, ver o filho daquele jeito fazia seu coração doer. Respirando fundo, Gil sentou-se na mesa simples, posta para o jantar, na frente dos pais e contou-lhes tudo confirmando o namoro. O silêncio foi a resposta, não houve choro nem vela, abraços ou carinho, apenas o silêncio. Gil, sem saber o que fazer, foi para o quarto e chorou até dormir.
- Acorda! – falou o Rui ríspido. – Você tem aula e um trabalho a fazer, temos prazo.
- Não vou a lugar nenhum – falou o menino sonolento.
- Não me interessa. Seja o homem que eu criei, corajoso! – Gil piscou e encarou o pai, confuso. – Você pode ser o que quiser, mas é meu filho. E meu filho não foge a luta!
- Pai...
- Levanta e erga a cabeça! – Rui saiu do quarto com passos firmes.
Conhecendo o pai, sabia que aquilo seria a única coisa compreensiva que teria. Rústico, não o abraçaria mas sempre ficaria ao lado do filho. Levantou, se arrumou e foi para a escola. Quando perguntavam pelo rosto machucado, desconversava ou dizia que fora apenas uma briga, com os mais íntimos. Com o namorado, foi grosso e terminou de imediato. Não poderia ficar com alguém que foge a qualquer dificuldade. Claro que ouviu, suas explicações e o sentimento por ele quase o ganhou, mas ver que nada fez para ajudar, correu da confusão e ainda por cima, nem ajudou a chegar em casa... Gil tomou a decisão.
Depois da escola foi para o trabalho com a cabeça cheia, alegrou-se quando viu que a casa estava quase pronta, aquela seria para uma família de cinco pessoas humilde, onde o pai investiu todo o seu dinheiro no empreendimento. Isso dava animo para trabalho. Até alguém estragar o seu dia.
- Você não vai ao show? – perguntou o ogro, quando Gil chegou arrumado para o trabalho.
- Show?
- De Drag Queen. Isso aqui é trabalho para homem de verdade! – o rapaz fez um gesto com a mão mostrando a obra. – Você não pode esta aqui. – concluiu rindo, debochando.
- Por quê? Eu posso fazer o que quiser, o que eu escolher! – Gil respondeu com a voz firme, notando a ausência dos outros que os seguraram. Aqueles que Gil não conhecia.
- Vai quebrar uma unha – ele debochou mais um pouco.
Todos na obra estavam observando a discussão, parados. Apesar de desconfiarem de Gil ser homossexual, sempre o respeitaram, afinal o rapaz aguentava duas vezes mais peso que eles além de trabalhar bem. Quando o ogro contou o que vira, ninguém esboçou um comentário respeitando o Rui, que era amigo e chefe, antigo no ramo de construção.
A mão de Gil se fechou e o tempo parou. Um soco, dois, três... O homem estava tonto e depois caiu. Um chute, dois... O homem se encolheu em posição fetal. Abaixando-se para ficar bem perto do preconceituoso, pegou-o pelo pescoço e falou:
- Só porque sou gay, tenho que ser artista? Tenho que fazer show? Tenho que ser drag Queen? Se liga que o mundo mudou e abra a sua mente! Aqui, no trabalho, sou mais homem que você, seu bosta!
Gil levantou dando as costas ao homem inerte e olhou para os outros colegas, de uma forma desafiadora. Ninguém ousou falar nada, seu pai se aproximou e deu-lhe um tapa em suas costas.
- Esse é meu filho! Ao trabalho homens, aquele não levanta mais.
Assim, Gil conquistou o seu lugar, mesmo tendo que se rebaixar ao nível daquele homem. Às vezes temos que falar na mesma língua dos preconceituosos, para nos defender. A violência não foi mais necessária em sua vida e como bom profissional, continuou trabalhando no que gostava e sabia fazer. É claro que o preconceito existia, mas lidava com ele dando desprezo. Sua família o apoiava e seu marido o amava. Agora está feliz, vivendo e respeitando aqueles que não aceitam mas o engolem.
Hoje Gil não está nem aí!
Uma obra de bia_cout
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Uma dose a mais de Cores
Non-FictionUma dose a mais de Cores, é um projeto que visa a representatividade lgbtq+ nas histórias. Aqui você encontrará mini contos, de capítulos únicos, escritos com a intenção de mostrar que é possível inserir essa representatividade em qualquer gênero, e...