Meu último abrigo (Concluído)

Capítulo X--Deixe queimar

  O final de semana não passou rápido, na verdade chegou a ser tortuoso, eu fique praticamente trancada no meu quarto e quando saia rezava para não esbarrar com Morgan nos corredores. Quando meu despertador tocou na segunda-feira eu não tinha vontade de me levantar, mas lá vamos nós! Em rumo ao inferno do ensino médio!
  Eu não tinha conseguido dormir direito, por isso ostento enormes olheiras no meu rosto e sei que minha pele está pálida pela pouca exposição ao sol, mas quem precisa de vitamina D, não é mesmo? 
  Quando abro meu armário percebo uma movimentação diferente circulando pela escola, então começo a prestar atenção nas conversas aleias.Quer saber qual a fofoca do momento? Alanis e John reataram o namoro! Decido ignorar essa nova notícia, se os dois estiverem felizes é o que importa e a vida deles não tem nada haver com a minha, pelo menos é o que eu digo a mim mesma quando os vejo dobrando a esquina do corredor de mãos dadas.
  Eu nunca havia parado para reparar em John até agora. Quer dizer, claro que eu já tinha visto ele antes, mas agora é diferente. Ele parece diferente. Os óculos escuros e a jaqueta preta fazem dele um bad-boy, mas o que me chama a atenção é o sorrisinho que escapa de seus lábios quando se vira para sussurrar algo no ouvido de Alanis. Ela sorri também, parece coisa de outro mundo, eu sei! Eles parecem realmente felizes.
  Quando passa por mim, Alanis para por um tempo. Espero que ela faça algum comentário que me deixe com raiva ou algo do tipo, mas ela apenas sorri novamente e diz:
  -Te vejo na educação física.
  Um calafrio percorreu meu corpo. Não  acho que ela possa me fazer mal durante alguma aula e ela deve está muito bem com sua vida para prestar atenção na minha, porém cogito a ideia de faltar hoje. Enquanto caminho para a sala de matemática tento tirar isso da cabeça, me reconfortando com o pensamento de que ela não pode me machucar, não na frente de todo mundo, não na frente de um professor.
  A hora de ir para o ginásio chegou, eu troquei de roupa para a educação física, mas geralmente o professor me deixa ficar de fora. A quadra está agitada, as garotas sentadas na arquibancada conversam entre si. Alanis está no canto esquerdo, abraçada com John que conversa com os outros garotos.Quando o Sr. Steve entra com seu apito balançando sobre o peito o barulho diminui um pouco. 
  -Hoje iremos fazer uma aula diferente. -ele diz.
  O barulho retorna, as vozes agudas das garotas reclamando fazem minha cabeça doer. Sinto o olhar de Alanis, ela sorri para mim e se vira para prestar atenção no professor novamente. Eu tenho quase certeza de que ela sabe de algo e está escondendo, algo bem ruim.
  -Quero que toda a turma jogue, vai valer ponto. - mais conversas invadem a quadra e ele espera tudo se acalmar novamente. -Vamos jogar queimada, então quero que se dividem em dois times!
  Depois de mais uma porção de reclamações  dois meninos que eu não conhecia ficaram como lideres dos times que seriam rivais e começaram a escolha. Acho que eu nem preciso falar, mas só para deixar constatado, sim, eu fui a última a ser escolhida.
  Eu tenho um esquema pra esses tipos de jogos: ou faço de tudo para ser eliminada o mais rápido possível ou, no caso da queimada, fico parada em um dos cantos no meio da área entre o time adversário e os que já foram queimados e geralmente o tempo da aula acaba antes de alguém acertar a bola em mim.
  Quando a bola cai na mão do outro time eu já estou na minha posição, mas alguém me emburra para frente quando a bola é arremessada. Ao olhar para trás eu vejo Dak-ho, o amigo coreano de Morgan.
  -Se a gente perder porque você é soronga, eu pego aquela bola e taco na sua cara! -ele disse.
  Eu corro para o outro lado da quadra e tento ficar longe de Dak-ho, até que finalmente meu time recupera a posse de bola e eu volto para minha posição tranquila. Dak-ho é bom em esportes, ele corre por toda a quadra e o suor escorre na sua testa, não precisa fazer muito esforço para descobrir que ele é o melhor jogador do nosso time e é justamente por isso que, quando o os adversários pegam a bola de novo, ele se transforma em alvo.
 Do outro lado da quadra Alanis amarra o seu cabelo em um rabo de cavalo bem alto, sorri e passa na frente de uma garota para roubar a bola, sua mira é certa e é direcionada a Dak-ho, que é acertado nas pernas. Ele sorri quando passa por ela para ir para a "área dos queimados", mas logo para quando John o olha com uma cara ruim. Nesse exato momento eu sei que nosso time está perdido, mas eu não ligo, isso podia acabar agora e eu seria mais feliz. Porém o jogo continua.
  Aos poucos as pessoas são queimadas e vai restando menos alunos na quadra. No meu time, faltam 4 pessoas, no adversário, faltam 6. Estamos em desvantagem e eu sinto como se estivesse em um fogo cruzado. A bola está sendo tacada com mais força e eu consigo escutar quando ela passa perto da minha cabeça. Alanis se desvia com rapidez a cada golpe e quando o número de pessoas vai diminuindo ainda mais eu percebo que seu alvo sou eu.
  Eu nunca fui boa em nenhum jogo, não tenho um porte muito atlético e quando Alanis vem correndo com a bola na mão e os olhos fixos em mim, não posso negar que eu me caguei  de medo. Eu consegui ver a força que ela colocou naquele golpe, foi quase como se o braço dela quisesse vir junto. E então veio a dor bem na minha barriga enquanto eu segurava a bola, eu poderia vomitar ali mesmo se o professor não estivesse gritando comigo.
  -Joga a bola, Amy, você não tem o dia todo! -sua voz ressonou pela quadra.
  A cara de Alanis se contorcia em ódio. Eu havia pegado a bola! Estava doendo como um inferno, mas eu não havia sido queimada, havia segurado a bola e isso queria dizer que a posse era do meu time. Mas agora eu não sei o que fazer, nunca tinha chegado até essa parte do jogo, mas tudo bem, porque uma sirene tocou bem alto e ela indicava o fim das aulas do dia.
   Ao ir me trocar não pude conter um sorriso, possivelmente eu ficaria com uma mancha roxa na lateral da barriga, mas estava feliz, pela primeira vez a posse de bola era minha e esse jogo parecia menos injusto.