1 - O COMEÇO DO FIM

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O cheiro de podre tomava conta dos céus de Brasília. Os condenados eram levados amarrados em caminhões-baú até o local que uma vez fora a Esplanada. Derrubaram os famosos prédios que ficavam ali e deixaram apenas suas bases. Em cada uma, um tipo de tortura diferente era aplicado àqueles que se opunham ao governo da Aliança. Fogueiras, forcas, um lago artificial para afogamento, plano de empalamento... Para que a população local pudesse acompanhar as execuções, construíram passarelas que ligavam um local ao outro. Assim, todos teriam visão privilegiada.

Para quem morava longe e não poderia ir até o local acompanhar, a única emissora de televisão transmitia as mortes ao vivo e em reprises durante o dia. Todas as televisões deveriam estar ligadas no momento em que as execuções fossem transmitidas ao vivo. Um chip implantado em cada aparelho conseguia identificar quem o tinha desligado e, em um curto período de tempo, os que não assistiam eram identificados e torturados nos Centros locais.

Para esses infratores, a morte não chegava rápido como para os Orderistas, como o presidente os chamava. Eles não eram aliados aos Inimigos, mas eles com certeza deveriam pagar pela rebeldia contra a Aliança. Caso não fosse por rebeldia, mas por descuido, serviria de aviso e exemplo para que isso não acontecesse novamente.

Em breve haveria a primeira execução do dia. Uma mulher que obrigou o marido a fazer serviços domésticos. Ela gritava a plenos pulmões que aquilo era uma armação do homem para que ela morresse e ele pudesse ficar com a amante. A acusação sem provas acabou por determinar seu destino. Traição era punível com tortura e quem denunciasse uma deveria provar o que estava falando ou enfrentaria o Apaziguador, o carrasco dos tempos atuais. As câmeras eram postas em seus lugares, os diretores verificavam os ângulos, os trabalhadores colocavam os protetores de ouvidos e as máscaras, juntamente com os coletes à prova de balas e então o pronunciamento do Presidente Jairo entraria no ar para anunciar os crimes cometidos pelas pessoas condenadas. Nenhuma delas tivera um julgamento, suas atitudes foram as únicas responsáveis pelo destino deles.

Em algum lugar perto dali o presidente já havia terminado de se arrumar. Colocara seu famoso terno cinza, com uma camisa branca de linho que era mais cara que o salário anual dos cidadãos do país, a gravata preta e um broche de cada lado. No lado esquerdo ele colocara o broche com as cores do país. Em uma reunião, havia decidido que os blocos tomariam como oficiais as cores dos países que os controlavam. Sendo assim, esse broche que ficava perto do coração do presidente continha as cores do Brasil (verde e amarelo). No broche do lado esquerdo, a cor vermelha simbolizava o sangue derramado pelo Salvador. O formato de uma mão era o formato escolhido para representar o grupo religioso dos Soterianos. A mão era um símbolo para o trabalho árduo que as mãos dos seguidores deveriam realizar.

De seus aposentos, o presidente observava a preparação do local. Assim que o relógio marcasse 18 horas, ele sairia de seu quarto e se encaminharia para o local que os transgressores seriam mortos e toda a população seria educada de acordo com os preceitos que eram estipulados. Ele olhou o relógio. Faltavam 10 minutos para que saísse de onde estava. Andou até o banheiro, lavou o rosto. Olhou-se no espelho e arrumou o cabelo. Voltou para perto da cama e ajoelhou-se. Poderia rezar por alguns minutos e pedir forças ao Salvador.

Longe dali Suzanne deixava sua casa às escondidas. Ninguém na rua poderia vê-la. Olhou o relógio. Faltavam 10 minutos para que o presidente entrasse ao vivo. Já deixara a televisão ligada e sabia que na rua os militares estariam a postos para encontrar qualquer desertor que fosse. A capa preta já estava em volta do corpo, com o capuz escondendo seu rosto. Ela não poderia ser vista e a capa certamente não a ajudaria a passar despercebida, mas era a roupa estabelecida como obrigatória para os sacerdotes e sacerdotisas do grupo do Inimigo. Não era o nome mais ideal e nem o mais criativo, mas qual a melhor forma de se identificar como a forma que os Soterianos já lhes haviam dado antes mesmo do grupo existir?

Herdeiro do malOnde histórias criam vida. Descubra agora