Herdeiro do mal

10 - CONVERSAS COM SATÃ

- Olha, eu pensei que isso aqui fosse um lugar melhor – disse Satã no corpo de Eduardo. – Não consigo acreditar que você se manteve num lugar assim, entre essas pessoas que fedem. – Levantou um braço e cheirou a axila com uma expressão de nojo.

- Satã... eu não acredito que você teve a coragem de largar o Sheol e vir para a Terra sabendo que existe um demônio querendo tomar seu poder.

- Lúcifer, meu amado irmão... Você me toma por algum tolo? Previ esse momento por algum tempo como você deve saber. Observei a criação de um rapaz, muito proveitoso por sinal, ajudando-o a chegar até onde eu queria para que ele, enfim, me substituísse no meu posto, evitando que esse demônio tomasse meu lugar.

- Então você praticamente criou um porco para o abate?

- Exato. Mas não pense mal de mim, irmão. Eu, de fato, tenho um carinho, um apreço por aquele rapaz. Assim que a guerra entre o eu e Shapiro acabar, ele comandará o inferno na Terra sob meu cuidado enquanto eu observo tudo do meu trono no Sheol.

- Satã... Nós sabemos que nenhum humano pode voltar para a Terra depois de entrar no inferno.

- Pelo jeito você se esqueceu de uma coisa, meu querido irmão. Nenhum humano pode voltar à Terra, mas demônios podem transitar por esse local.

- E assim que ele entrou no Sheol... – Começou Pietra observando os dois conversarem em pé no meio do seu quarto no hotel.

- Ele deixou de ser humano para se tornar um demônio, um lacaio de Satã. – Completou Lúcifer com uma vez pesada.

Heitor acordou caído no meio da rua em meio ao seu vômito. Não conseguia se lembrar de muita coisa devido à quantidade de álcool que ele tinha ingerido. Mesmo depois de vomitar antes de desmaiar por algumas horas naquele beco escuro, ele conseguia sentir que tudo o que ele tinha bebido ainda não tinha saído por completo de seu organismo.

Levantou e seguiu para seu quarto de hotel, ajudado pelos muros das construções à sua volta. O mundo parecia girar e suas pernas não conseguiam se sustentar sozinhas. Olhou em volta quando chegou no fim de uma quadra e imaginou como se esgueirar pela área comercial até chegar ao fim da próxima quadra, subindo do Eixo para a outrora famosa W3. Sabia que não tinha como atravessar o Eixo Monumental para chegar ao hotel em que estava acomodado, na parte Norte da cidade. As luzes dos carros faziam sua cabeça doer mais e seus olhos já estavam lacrimejando de tanta dor.

Foi então que flashes começaram a brotar em sua cabeça. Um restaurante. Pietra. Um homem muito bonito bem vestido. Eduardo caindo no chão. O que ela estava fazendo ali? O que tinha acontecido para Eduardo desmaiar daquela forma? Na televisão, um pronunciamento do maldito presidente acabava. Eduardo. O homem continuava voltando à sua memória, mas ele não conseguia lembrar o motivo. Ele apenas aparecia em sua cabeça vez ou outra.

Parou no meio-fio e decidiu sentar-se. Foi então que um carro parou ao seu lado e o vidro do passageiro abriu mostrando uma mulher ruiva de batom vermelho dentro do carro preto. Era sua chance. Sabia exatamente o que a mulher queria e ela conseguiria leva-lo a seu hotel sem que ele fosse visto por alguém ou morto.

Entrou no carro e sorriu para a mulher, que retribuiu colocando a mão dentro da calça do rapaz. Saber o que aconteceria depois o excitou de imediato. Aquela era a última vez que a ruiva colocava um pau em sua boca dentro de seu carro.

Um homem apareceu do nada no meio de uma multidão enfurecida que andava nas ruas de Brasília. Pela primeira vez acontecia uma manifestação contra o presidente. O último pronunciamento do militar causou uma revolta popular impensada a algum tempo atrás. As pessoas não estavam organizadas em grupos, mas o propósito era o mesmo: derrubar o presidente caso ele não tirasse a nova lei de impostos. Mais na frente, uma linha de militares armados começou a tomar forma, formando um bloqueio humano contra a massa de centenas de pessoas gritando palavras de ordem. Ao fundo, via-se o palácio presidencial.