9 - RECEPTÁCULOS

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Robson estava inconsolável. Ele sentira seu pai morrer, vira Suzanne empalada na sua frente com um galho de árvore após o acidente com o ônibus do Círculo e, como se não bastasse, a sacerdotisa morrera em suas mãos enquanto ele tentava, a todo custo, salvar sua tia do coração. Não foi possível, entretanto. Uma fúria crescia em seu peito. Ele não sabia como o Mestre deixava que tudo aquilo acontecesse. Ele deveria protegê-los. A imagem de seu pai morto há anos, Rogério, que voltara para lhe falar que seu pai Ferdinando não morreria voltava à sua mente e um ódio pelo pai era alimentado com a angústia dos últimos acontecimentos. Pensou em abandonar o Círculo e agir por conta própria, mas sabia que não poderia deixar os integrantes à mercê dos Soterianos. Respirou fundo algumas vezes e retomou os acontecimentos dos últimos dias.

Suzanne estava com os sinais vitais cada vez mais fracos. Ele tentava acalmar a tia e via os integrantes do Círculo saindo, feridos, de dentro do ônibus capotado. Conseguia ver que alguns irmãos morreram na queda do ônibus. Conseguiu contar pelo menos uns cinco mortos. Entre os corpos estava Fábio, o homem branco que sempre estivera ao lado dos sacerdotes. Via Cristina desacordada, mas sentia sua força vital ainda pulsante. Um rastro de sangue escorria em sua cabeça, mostrando que ela havia batido com a cabeça, o que com certeza causara um machucado coberto pelos cabelos. Voltou a atenção para sua tia, os outros estavam bem. Os vivos, pelo menos. Suzanne merecia um cuidado especial.

- Robson – balbuciou a mulher – Eu preciso que você siga em frente.

- Shhh. Fica quieta, tia. Vai dar tudo certo, eu prometo. – Olhou em volta tentando se lembrar se havia um médico entre os passageiros do ônibus, mas não conseguiu se lembrar de um.

- Robson, não há porque tentar. Eu sinto meus órgãos perfurados, eu não vou sobreviver – deu um longo suspiro e fechou os olhos. – Apenas siga em frente e faça um favor a todos nós: mate o desgraçado do Jairo. Vingue seu pai.

- Ele matou meus dois pais, tia. Eu só tenho você agora. Não me deixe.

Suzanne meneou a cabeça entendendo o repentino grito de desespero do garoto, entendendo o porquê do irmão de Ribeirão Preto ter perdido o controle do ônibus. Ambos sentiram a morte de Ferdinando. Tudo parecia perdido.

Do lado de fora do ônibus, o motorista da carreta parecia desnorteado. Ele chorava e clamava para que ninguém estivesse morto. Chamava alguém dentro do ônibus, pedia que qualquer pessoa o respondesse. Em vão. Ninguém o respondia, mas Robson e Suzanne o ouviam chorar e gritar.

- Vá, meu querido. Conforte aquele homem. Ele não teve culpa.

- Eu não posso ficar sozinho, tia.

- Você nunca estará sozinho. Teus pais, o Mestre e eu estaremos sempre com você.

- O que devo fazer agora?

- O óbvio, meu querido – e ela enfiou a mão dentro de um de seus bolsos e com um gesto rápido, cortou sua garganta com o punhal que ela guardava ali. Um jato quente e vermelho saindo do pescoço da sacerdotisa atingiu o rosto do novo sacerdote. Ele sabia que agora ele deveria comandar todo o Círculo de São Paulo sozinho. Pelo menos até que Cristina fosse nomeada a nova sacerdotisa ao seu lado.

Saiu do ônibus com o punhal da tia nas mãos e tentou acalmar o motorista da carreta. Passou pelo irmão de Ribeirão Preto e viu que ele estava morto, seu pescoço estava quebrado com o impacto da batida. Quanto mais tentava acalmar o motorista desesperado, mais raiva ele sentia do homem que chorava em sua frente. Olhou ao seu redor e viu que não havia mais ninguém na estrada. Colocou as mãos nos ombros do homem e, com um gesto firme, cravou o punhal que segurava no peito do homem, torcendo-o, fazendo com que o coração do motorista parasse na hora.

Herdeiro do malOnde histórias criam vida. Descubra agora