Olho do Furacão

27 3 2
                                    


A dor de cabeça havia sumido. A fraqueza também. Abriu os olhos sem saber com o que iria se deparar, sentindo a pele fria. Estava deitada de bruços, no chão do seu quarto.

Lembrou-se da sensação de rodopiar no vazio. Sentia a cabeça leve, como se estivesse anestesiada. Respirou fundo e levantou lentamente, procurando no quarto escuro sua cama. Sua? Não tinha certeza. Tudo havia sido real demais.... Encontrou sua cama e em seguida o interruptor. Apertou o pequeno botão, receosa. A luz fez com que contraísse repentinamente os olhos. Piscou algumas vezes e conferiu os detalhes. Aparentemente, era seu quarto real. Tudo estava como sempre se lembrava. Chegou até o espelho e viu o reflexo banal, comum de todos os dias. Sentiu-se como se toda aquela atmosfera ruim tivesse ido embora para sempre.

Ainda não tinha certeza se poderia fazê-lo tranquilamente, mas resolveu voltar a dormir. Se tudo aquilo não fosse real, teria uma boa noite de sono. Se fosse, não conseguiria evitar, como já havia sido avisada pela tal voz sinistra.

Suspirou, apagou a luz e ficou lendo no celular para o sono chegar logo e apagar toda essa maluquice da cabeça.

- Temos de esperar. É recente demais.

- Mas não podemos perder esta oportunidade!

- Eu sei. Mesmo assim temos de esperar.

A manhã encontrou Andrea dormindo serenamente. Quem visse seu semblante não imaginaria que o dia anterior havia sido extenuante. Lentamente levantou-se e se espreguiçou. Uma olhada no espelho não revelou nada de mais.

Temos de esperar.

Esta frase ecoava em seus ouvidos e não parecia ser nada bom. Porém, fisicamente sentia-se bem. Esperou com todas as forças que aquela sensação ruim não voltasse mais, que tudo não tivesse passado de um amontoado de circunstâncias que não se repetiriam, pelo menos não juntas. Ou que tivesse sido uma gripe muito maluca que do jeito que chegou, se foi.

Rumou até a cozinha, onde encontrou seus pais já acordados. O cheiro de café recém-passado já dominava o ambiente, o que a reconfortava. Uma cozinha recendendo a café sempre seria acolhedora.

- Melhor, Andrea?

- Espero que sim, pai. Mas foi uma noite muito esquisita.

- Bem, você realmente precisava descansar! E descansou prá valer.

- Como assim.. que horas são?

- Dez da manhã.

- Oh!

Ainda bem que Andrea não tinha nenhum programa naquele dia. Na verdade, dificilmente tinha algum compromisso. Desde que começara a faculdade, seus finais de semana se dividiam entre estudar e descansar enquanto lia um livro ou maratonava alguma série. Fazia um bom tempo que não ia a algum baile ou a um cinema com os poucos amigos que tinha. Não que quisesse se isolar, mas faculdade, trabalho e uma certa preguiça de ser social a levaram àquele ponto. E no fundo, isso nem a incomodava tanto assim.

Resolveu tomar uma xícara de café e pegar um dos livros da faculdade para ler um pouco, já que no dia anterior não conseguira nem pensar nisso.

Foi até sua escrivaninha com o livro e o café, abrindo a janela. Gostava de estudar com a janela aberta, sentindo a brisa. Os olhos correram pelas páginas  apenas para depois de uns minutos Andrea perceber  que na realidade não estava prestando atenção ao que lia. Tentou retomar a leitura mais duas vezes, porém não conseguia se concentrar. O dia e a noite anterior haviam sido intensos demais, extenuantes demais. Apesar de fisicamente se sentir bem, sabia em seu íntimo que havia algo errado... Algo fora do lugar. Mas não conseguia precisar o que.

Pegou sua câmera digital e saiu, fotografando o quintal, o jardim e frente da casa, como gostava de fazer quando queria se distrair. Demorou dez minutos apenas para conseguir capturar do jeito que queria uma pequena abelha que rondava as flores recém-desabrochadas de canela. Aproveitou a manhã de sol e fotografou mais algumas flores. Gostava de usar o "zoom" e fotografar aquelas flores bem pequenas, detalhes como gotas de orvalho que ainda não haviam se dissipado de todo, insetos escondidos entre pétalas. Depois de uma meia hora andando descalça e sentindo-se mais leve, entrou novamente em casa, ligou seu computador e preparou-se para passar as fotos da câmera para sua pasta de "click's" e quem sabe escolher uma para postar como capa em sua página no Facebook.

Não demorou muito a escolher uma das fotos, a rua em frente à sua casa. A parte superior, com o céu bem claro e poucas nuvens bem definidas ficaria perfeita. Bastaria tomar cuidado para que não aparecessem os cabos elétricos nem o telhado da construção. Antes de começar a cortar o que não queria que estivesse na imagem,algo nela chamou sua atenção... Algo que não deveria estar lá. 

DoppelgängerOnde histórias criam vida. Descubra agora