Andrea saltou pela janela mais baixa do quarto, correndo sem nem saber atrás do que. Tinha certeza de ter visto um vulto, algo correndo, e tinha de descobrir. Com o coração acelerado, mal pensou o que faria se acabasse se deparando com a "Andrea" da foto. Quando percebeu, já havia dado a volta ao redor da casa. Sem encontrar nada nem ninguém.. A não ser a mãe, berrando para fora da janela da cozinha:
- Tá maluca? Ficou até agora debaixo do sol e em vez de entrar inventa de correr!
- Mas.. eu estava em meu quarto até agora!
- Ah, tá bom, criatura, quem eu vi estirada na grama então?
- Mãe. Eu vou falar pela última vez. Não gosto que me chame de criatura. É estranho, sei lá. E eu não passei a manhã estirada na grama.
- Que seja. Entra, já são quase onze horas.
A esta altura, Andrea se sentia apavorada. E sabia que boa parte disso era culpa sua, onde já se viu ficar fuçando estes sites? Nem tinha como comprovar que aquelas informações eram verdadeiras. Doppelgängers eram lendas, estava escrito, oras. O que acontecia é que ela ficou impressionada com as coisas que leu. E quanto à sua mãe chamando por ela e o vulto, deve ter apenas imaginado coisas.
Mas como explicar a foto e aquele borrão? Será que não era tudo coisa da sua cabeça? Pensou em olhar de novo aquela imagem,mas já estava cansada de observar. Resolveu desligar o computador e ver se a mãe precisava de ajuda para fazer o almoço.
- Não precisa não, Andrea, hoje vamos almoçar fora.
Era justamente o que ela não queria. Primeiro, por estar meio indisposta ainda, depois de uma noite maldormida como aquela. Depois, porque não estava com a mínima vontade de sair de casa. Ficou uns minutos jogada na cama apenas lendo as pessoas que seguia no Twitter, até que se resignou. Talvez sair um pouco fosse bom. Pegou seu vestido preferido no armário, o branco com flores multicoloridas que era seu coringa quando não tinha paciência de ficar horas se arrumando, prendeu os cabelos como pôde em um rabo-de-cavalo sem pensar muito e como estivesse com olheiras, resolveu passar um corretivo para dar uma disfarçada. Pegou sua bolsa de mão, verificando se a carteira com os documentos estava lá e enfiou o celular lá dentro. Catou um par de sapatilhas pretas que usava para toda e qualquer hora e foi para a sala esperar seus pais ficarem prontos. Sabia que teria tempo para jogar ou continuar lendo twitts, pois sua mãe só sairia do quarto quando tivesse passado todo o combo de pó compacto-blush-rímel-batom-corretivo ou não necessariamente nesta ordem. O pai já estava no sofá, assistindo algum documentário. Suspirando, Andrea tirou o celular da bolsa e voltou ao Twitter.
Exatamente quarenta e cinco minutos depois, a mãe finalmente apareceu, chamando os dois que estavam no sofá:
-Vamos, povo? Eu já estou pronta!
"Já era hora", Andrea ouviu o pai falando baixinho. Guardou o celular na bolsa, desligou a televisão – o pai simplesmente saiu da sala deixando tudo como estava. Sobrou para ela, como sempre, verificar se não havia luzes acesas, aparelhos elétricos na tomada, portas por trancar. Estava trancando a porta da frente enquanto o pai se dirigia ao carro e a mãe já estava atrás do volante. Respirou fundo. Já fazia uma hora que não via olhos estranhos e reflexos sinistros. E estava com fome. Tudo voltando ao normal.
Ou quase. Uma pequena pontada de dor entre os olhos insistia em permanecer, mas não queria pensar nisso naquele instante. Era uma jovem normal, com sua família normal, indo a um restaurante normal para um almoço normal de domingo. Normal. Precisava se fixar naquela palavra. Sentou-se no banco de trás do carro e tentou engatar uma conversa trivial com os pais. A fofoca da vizinha, o cachorro que não estava mais querendo a ração, as aulas da faculdade, o trabalho de cada um. Quando os pais se envolveram em uma pequena discussão sobre quem levaria o cão ao veterinário no dia seguinte, Andrea voltou seu olhar para a janela e ficou observando o caminho. Casas. Calçadas com pequenas árvores. Aquele senhor que todos os dias, no mesmo horário, varria a calçada na frente de casa e jogava as folhas caídas em um lixeiro no cantinho do portão. O menino que todos os domingos saía em sua bicicleta azul para comprar picolé no barzinho da esquina. E foi assim que o carro parou e ela nem se deu conta.
-Ei! Chegamos!
Tinha de ser minha mãe, pensou Andrea. Delicada como coice de mula.
O almoço transcorreu sem novidades. Os pais de Andrea conversando com conhecidos no restaurante enquanto ela se concentrava apenas em comer e perder-se nos seus pensamentos. Precisava terminar o trabalho da faculdade, faltavam ainda cinco páginas. Quando voltasse para casa, iria terminar de ler Biblioteca de Almas. Mas queria entrar no Twitter para... droga, foi pensar no computador e lembrar da maldita foto que estava lá. E se isso tudo na verdade aconteceu enquanto ela dormia e só acordou mesmo quando a mãe avisou que iriam almoçar fora? Não, ela não estava tão estressada com trabalho e estudos a ponto ficar esquecida deste jeito. Quando voltasse para casa, apagaria a bendita foto. Pronto.
O plano era almoçar fora, e apenas isso foi feito. Uma hora depois, todos já estavam de volta à casa e aos seus costumes de domingo: a mãe completava palavras cruzadas, o pai assistia a qualquer coisa – logo estaria cochilando – e Andrea em seu quarto, com um livro da faculdade nas mãos, o mesmo que tentara ler pela manhã. Dessa vez, conseguiu ler e anotar tópicos em seu caderno. Já tinha material para as cinco páginas que faltavam. Não queria admitir, mas estava com sono. Geralmente tirava um cochilo após o almoço aos domingos, porém agora que estava novamente em seu quarto, sentia medo de adormecer e novamente ficar presa em um espelho, ou ver olhos vermelhos, reflexos, ou seja lá que bizarrice poderia acontecer. Por isso continuou insistindo em realizar o trabalho da faculdade. Desconectou o computador da internet para não cair na tentação de pesquisar mais sobre os doppel..doppell.. já nem lembrava mais a palavra direito e focou apenas em escrever.
Começou a reler o que já estava pronto. De repente, tudo ficou embaçado. A tela do computador ficou escura, assim como todo o quarto. Por um instante, Andrea viu apenas os contornos dos móveis e um cursor ainda piscando na tela. E tudo ficou escuro de vez.
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Doppelgänger
Paranormalne"Segundo as lendas germânicas de onde provém, Doppelgänger é um monstro ou ser fantástico que tem o dom de representar uma cópia idêntica de uma pessoa que ele escolhe ou que passa a acompanhar, o que hipoteticamente pode significar que cada pessoa...