CAPÍTULO 4 - CORAÇÃO APERTADO

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Durante todo o dia, Susan não disse uma palavra à Anne. Em parte, porque ainda se sentia estonteada pelos acontecimentos daquela madrugada: o mergulho do penhasco, a descoberta das sereias e da mansão submersa, e o quanto de tudo isso pode ou não ter sido real; e em parte porque temia acabar delatando o plano sórdido de seu tutor para trancá-la no sanatório.

Sua consciência clamava para que contasse tudo à Anne, e lhe desse a oportunidade de lutar, de bater o pé, ou mesmo de fugir antes que o Dr. Prynne viesse com os enfermeiros para buscá-la. Mas a preocupação que ela viu nos olhos do Reverendo Bichop naquela manhã calou fundo em sua alma.

Ele estava devastado. Aquela não era uma decisão impensada, tomada por um tutor relapso, que só queria se livrar de um aborrecimento. Não. Bichop estava sofrendo tanto quanto ela própria com a situação de Anne. Quando a olhou nos olhos naquela manhã, e disse que aquela era a única maneira de salvá-la, ele estava sendo sincero. E embora não tivesse esclarecido exatamente de quê precisava salvá-la, Susan vira nos olhos dele que não estava exagerando.

Desde que os pais morreram, as irmãs Dawson só tinham o Reverendo Bichop e a Sra. Garber para cuidar delas, e confiavam plenamente nos dois. Como a governanta que as tinha criado desde pequenas, Bichop amava as duas como se fossem suas filhas, e Susan não tinha porque duvidar de seus cuidados. E ver o tormento legítimo nos olhos dele ao anunciar que talvez precisasse tomar medidas severas para tratar da saúde de Anne, fez com que o coração de Susan se estilhaçasse no peito.

Ele tinha lhe negado algumas respostas. Obviamente havia algo grave por trás da súbita perturbação de Anne; algo que nem ele nem a Sra. Garber pretendiam lhe contar. E foi somente a certeza de que nenhum dos dois tomaria qualquer atitude extrema, a menos que fosse estritamente necessário, o que a convenceu a se calar.

Ainda assim, Susan tinha a horrível sensação de estar traindo a irmã com seu silêncio.

Logo depois do almoço, quando o silêncio naquela casa se tornou insuportável, Susan decidiu sair para tentar acalmar os nervos. Tinha muito em que pensar, e não podia conversar com ninguém a respeito. Ao menos, com nenhuma alma viva.

A Sra. Garber não disse nada ao vê-la saindo; sobretudo depois que ela parou no jardim para colher algumas flores.

As ruas de Salem, especialmente nos arredores da praia, eram sempre monotonamente vazias. De vez em quando, algumas crianças passavam correndo, indo em direção à praia, mas isso geralmente acontecia mais para o meio da tarde. Àquela hora, somente uns poucos funcionários do cais circulavam por perto da casa alfandegária.

Susan tinha um nó bem preso na garganta, e a única coisa que a impedia de chorar no meio da rua, era a necessidade de ver o caminho por onde andava.

– Protejam suas filhas! – grasnava Norma Sofer, a louca, no meio da praça, quando Susan passou. – O dia está chegando...

Os cidadãos de Salem já estavam acostumados àquela cena. A Sra. Sofer perdeu sua filha, Elizabeth, carinhosamente conhecida por todos como Lizbet, havia dez anos. Ela morreu de madrugada, vítima da peste que todos os anos ceifa a vida de uma moça em Salem. Tinha apenas dezessete anos.

Depois que ela morreu, a mãe descobriu algumas linhas que ela havia escrito no diário em seus últimos dias, alertando sobre algum perigo que pairava sobre a cidade. Aparentemente, antes de morrer, Lizbet conseguiu identificar a origem da peste, e o seu legado foi um aviso de como evitar que se repetisse. No entanto, como Lizbet tinha estado muito perturbada, ninguém deu crédito ao que ela escreveu, exceto sua mãe. E desde então, Norma Sofer apregoava religiosamente as últimas palavras escritas por sua filha, a quem quer que passasse pela praça, desde as primeiras semanas de março. Este costume, somado ao fato de ter abandonado tudo – sua casa, sua família, seus outros filhos –, lhe concederam a fama de louca.

As Noivas de Robert Griplen - Parte 1 - MaldiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora