CAPÍTULO 1 - PERTURBAÇÃO

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Salem, Massachusetts, 22 de março de 1846

– Anne!... – chamou a familiar voz aveludada e sedutora no cais. – Minha querida...

A garota de quase dezessete anos olhou em volta. O vento soprava na direção do mar, jogando seus cabelos contra o rosto. Tinha se levantado no meio da noite, como vinha acontecendo desde o início de março, e corrido pela praia na direção do cais.

– Estou aqui lhe esperando... – disse a voz aveludada novamente, batendo nos ouvidos da garota como que soprada pelo vento.

Ela girou pela praia, mas não viu ninguém na escuridão. À sua frente estava o mar, imenso e calmo como sempre. Havia um navio ancorado no porto, cuja tripulação devia estar na taverna.

– Venha, querida Anne... – a voz chamou pela última vez.

A garota correu para o cais e fitou o navio. A voz dele não podia vir de lá. A embarcação estava vazia, e ainda que não estivesse, como soaria tão perto, estando tão longe?

– Anne! – gritou outra voz atrás dela.

A garota se virou e viu o vulto da camisola branca de sua irmã, Susan Dawson correndo ao seu encontro. Os cabelos castanhos e compridos esvoaçavam ao vento exatamente como os seus. Susan agarrou a mão fria da irmã, ofegante, segurando as extremidades do robe unidas junto ao colo.

– Você está sonâmbula de novo? – perguntou, percebendo finalmente o perigo à que havia exposto a irmã, gritando o nome dela enquanto a procurava pela praia.

– Não estou sonâmbula, Susan! – afirmou Anne Dawson, convicta. – Quantas vezes preciso lhe dizer?

– Prefiro pensar que está. O que pretendia fazer?

Anne olhou para o cais, para além do navio, e fitou a imensidão azul no horizonte.

– Ele continua me chamando... – confessou, num sussurro.

Susan esquadrinhou o rosto da irmã piedosamente. Todos em sua casa estavam preocupados com ela. Anne estava muito perturbada nos últimos dias: ouvindo vozes, fugindo para a praia no início da madrugada, e repetindo a todo instante que precisava encontrá-lo.

O que ninguém conseguia compreender era quem ela precisava encontrar, porque nem ela própria sabia dizer.

Susan passou o braço pela cintura da irmã, sem soltar a mão que estava segurando desde que se aproximara, e a conduziu de volta para casa. Quando entraram no quarto, a expressão de Anne se tornou mais angustiada.

– Você acha que eu estou louca! – queixou-se.

– Tenho certeza que não – confortou Susan.

Anne permitiu que ela a colocasse na cama e a cobrisse fraternalmente.

– O médico disse à Sra. Garber que eu estou – murmurou Anne.

Susan mordeu a bochecha por dentro. Não queria que a irmã tivesse escutado essa conversa.

– O Dr. Prynne não sabe o que você tem – corrigiu, sem conseguir colocar na voz toda a convicção que pretendia.

– Eles vão me trancar – sibilou Anne, com a expressão aflita.

Susan enrijeceu o maxilar e pousou os olhos numa Bíblia fechada sobre a mesa de cabeceira da irmã.

– Ninguém vai trancar você – disse, sem conseguir olhar nos olhos de Anne. – Descanse... Vai ficar tudo bem.

Anne apertou os olhos, e deu um suspiro pesado. Parecia cansada demais para discutir. Susan caminhou até a janela e fitou o mar.

Aquele pesadelo já durava vários dias. Anne nunca havia adoecido, desde que nasceram. Sempre foi a mais ativa das duas. A mãe contara certa vez que na madrugada em que deu à luz, Susan demorou a chorar, e ela pensou que a filha tivesse nascido morta. Anne, ao contrário, deu um chorinho breve, e lançou os olhinhos curiosos em todas as direções, como se tivesse pressa de conhecer o mundo onde viveria.

As Noivas de Robert Griplen - Parte 1 - MaldiçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora