O direito de viver

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Maria Cecília engravidou quando tinha apenas 14 anos de idade, mas seu ex-namorado, de 18, não quis assumir a criança. Simplesmente desapareceu no mundo após saber da notícia. Sua gravidez precoce assustou seus pais e eles, por medo das prováveis críticas e perseguições de uma sociedade opressora da década de 80, não aceitaram o fato.

- Cecília, ou você aborta essa criança ou vai ter que sair dessa casa!!! - disse o pai furioso e inconsequente.

Apesar da pouca idade, a jovem optou por dar sequência à gravidez e saiu de casa. Desamparada pela irracionalidade do pai e pela submissão da mãe às decisões do mesmo, buscou a ajuda de sua melhor amiga, Clarice, que ofereceu a estadia da adolescente em seu lar até que a criança nascesse.

- Cecília, pode ficar aqui em casa até que tudo se ajeite. - afirmou a caridosa amiga, apoiada em sua decisão por toda a família.

Sete meses se passaram e o filho de Cecília nasceu prematuramente, mas com saúde. Após a saída do hospital e uma rápida recuperação, a jovem mãe não sabia o que fazer dali pra frente, pois não tinha um lugar para ficar e muito menos condições de sustentá-los, mas mentiu para a amiga ao dizer que iria ficar na casa dos avós, os quais já haviam falecido há seis anos em um acidente de carro. Essa onda de pensamentos e orgulho levou Cecília a entregar seu filho, contra a sua vontade, para a adoção. Para ela, era a única chance que restou para a sua sobrevivência e a do filho.

Não pensou muito. Pesquisou o endereço e se direcionou ao local. Ainda sem saber o que fazer, colocou o bebê em uma simples cesta de madeira amarelada e a cobriu com um pano de cor cinza desbotado. Com o bebê em um sono invejável, deixou a cesta na parte de trás da casa de adoção antes da abertura dos portões e saiu rapidamente em retirada, aos prantos.

Os pais de Cecília, movidos pelo remorso, procuravam pela filha já há alguns meses e, coincidentemente, a acharam sentada em um dos bancos da extensa estação rodoviária. Com os corações acelerados e extasiados pelo encontro inesperado, já foram logo pedindo desculpas pelo que fizeram. Curiosos, perguntaram qual o desfecho da gravidez da filha:

- Cecília, como você está? Cadê o nosso neto? Nos desculpe pela atitude irracional que tivemos. Foram vários meses com o coração apertado. Estamos dispostos a enfrentar a sociedade por você! - afirmou o pai com a voz trêmula.

- Eu abortei! Não tive outra escolha e optei por fazer isso - disse Cecília com a voz trêmula, com os olhos avermelhados pelo choro e com os longos cabelos negros e lisos caídos no rosto de pele morena.

Os pais ficaram calados e uma onda de remorso tomou conta do ambiente. Cecília, sem ver alternativas, retornou para a casa dos pais.
Os anos se passaram, Cecília deu continuidade aos seus estudos e, em 1999, se formou em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais com apenas 24 anos de idade. Rapidamente se tornou uma das mais conceituadas psicólogas do país, talvez pela exímia facilidade em conseguir separar seu lado emocional do profissional. Cecília ainda não se esquecera do abandono do filho há cerca de dez anos. Dez anos de procuras sem indícios. Dez anos com o coração corroído pela dor de um abandono imaturo.

Renomada, Maria Cecília Valadares comparecia a vários programas de TVs e em uma dessas ocasiões conheceu e se interessou por Alfredo Lima, apresentador do programa Vida Bela, da Rede Vida. Se permitiram, se apaixonaram. Casaram e, após dois anos de, Cecília estava prestes a anunciar a vinda ao mundo de uma criança de Alfredo.

No dia 15 de setembro de 2014, Cecília, já com seus 39 anos, deu entrada no Hospital Materdei com fortes dores e sangramentos internos: o nascimento prematuro de seu primeiro filho havia gerado complicações em seu útero. Após diagnósticos rápidos da equipe médica do hospital, a gravidez de Cecília foi definida como a de mais alto risco, com chances de sobrevivência somente da mãe ou do filho. Nenhum médico se prontificou a dar uma solução. O tempo era curto demais para salvar as duas vidas.

Alfredo, dotado de contatos fortes, adentrou ao hospital com seu grande amigo, Dr. Miguel Veloso, um jovem médico conceituado que veio de São Paulo para participar de uma conferência no Expominas sobre cirurgias de risco. Ao receber a ligação do amigo em prantos, correu para o hospital e se prontificou a ajudar a família ameaçada pela morte.
Cecília, já na sala de cirurgia e sentindo fortes dores, aguardava ansiosamente pela entrada de alguém que pudesse salvar sua vida e a de seu filho, mas parecia improvável.

Miguel, com seus 1,90m de altura, cabelos negros e porte físico robusto, entrou de jaleco na sala e já foi logo conversando com a mãe desesperada enquanto colocava as luvas.

- Boa tarde, Cecília! Fique calma! Estou aqui para resolver seus problemas e fazer com que você e seu filho saiam daqui cheios de saúde! - afirmou Miguel, com uma voz serena e um sorriso no rosto que aquietaram os ânimos da mãe em prantos.

Assim foi feito. A cirurgia demorou cerca de 4 horas, mas foi um sucesso. Cecília e seu filho sobreviveram, superando as expectativas de toda a equipe médica do hospital. Miguel, apesar da pouca idade, era realmente muito conceituado e havia pulado várias etapas em seu curso devido ao alto grau de conhecimento adquirido com o decorrer dos anos.

Após algum tempo, Cecília abriu seus olhos e lá estava seu filho em seus braços, em um sono profundo de bebê, e Alfredo sentado na beira da cama.

- Alfredo, aquele médico salvou nossas vidas. Qual o nome dele? Precisamos agradecer! - afirmou Cecília com lágrimas no canto dos olhos e com um sorriso tímido no rosto.

- Esse é um grande amigo meu, Cecília! Por coincidência, ele tem o mesmo nome do nosso filho. Não hesitei em te apoiar quando você quis escolher esse nome, justamente por conhecer uma pessoa fantástica como o Dr. Miguel. Conheci ele quando ainda fazia jornalismo na universidade. Encontramos na lanchonete por acaso e comecei a conversar com ele. Um garoto de 18 anos com dois grandes sonhos. Um era ser médico. O outro, conhecer a mãe.

Após a fala de Alfredo, Cecília entrou em choque. Resgatou e associou todas as informações da sua mente. Seu filho, abandonado por ela há aproximadamente 25 anos, acabara de salvar a sua vida e a do irmão.

FIM

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