Se o mundo acabasse hoje, ao lado de quem gostaria de estar?

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Em 1942, em Iporanga, interior de São Paulo, nascia Francisco Lisboa Tavares, filho de Isabel Cavalcante Marques Lisboa e do Marechal Antônio de Albuquerque Tavares.

Dotados de uma condição financeira privilegiada, forneceram ao filho o que havia de melhor na época, desde os brinquedos na infância até os investimentos em sua educação. Aos 17 anos, Francisco já conseguia se comunicar em três línguas distintas e estava prestes a se formar na melhor escola de São Paulo. Seu sonho, que era ser advogado, estava encaminhado pela condição financeira da família e também pela sua inteligência e facilidade de aprendizado.

Pelas condições de vida que sempre teve e talvez pela ausência de um acompanhamento mais próximo dos pais, Francisco, ou Chico Lisboa, como passou a ser chamado, se tornou um homem rude e desprovido de quaisquer vestígios de humildade. Todavia, possuía um intelecto diferenciado, o que o ajudou a se tornar um dos advogados mais requisitados do país. Sua arrogância era compensada pela sua objetividade e precisão nos argumentos. A contratação dos seus serviços ficava cada vez mais cara com o tempo e isso fez com que o advogado paulistano enriquecesse rapidamente.

Em outubro de 1968, o Marechal Antônio de Albuquerque Tavares sofreu uma parada cardíaca e não resistiu, deixando para trás o filho e a esposa de um casamento de quase 30 anos. Dona Isabel Cavalcante, sentindo a morte do cônjuge, passou a ter várias complicações mentais e faleceu em Janeiro de 1969, deixando Chico Lisboa sozinho com o papel de estender o legado da família.

O advogado sentiu a perda dos entes mais próximos e se abalou emocionalmente, tendo que ficar afastado das suas atividades por cerca de 4 meses. Chico descobriu que amava-os somente depois de terem partido.

Pouco antes de perder os pais, o advogado havia se casado com Maria Eduarda, sua primeira e única namorada. Com ela, teve 5 filhos: Miguel, o mais novo; Ezequiel e Gabriel, gêmeos; Eva, a única mulher; e Moisés, o primogênito. Maria Eduarda era de uma família extremamente religiosa e se propôs a dar o nome de todos os herdeiros. Chico, que nunca havia dado nome nem para animais de estimação, gostou da ideia de se isentar dessa responsabilidade.

Após superar a perda dos pais, Chico voltou a atuar ainda com mais vontade nas causas para as quais era contratado. Não queria que seu cérebro ficasse ocioso e desse espaço para as lembranças. Por consequência, enriqueceu ainda mais. Seu tempo era quase que integralmente dedicado aos trabalhos jurídicos. Por orgulho e ganância, não contratava ninguém para ajudá-lo. E essa rotina se estendeu por cerca de 30 anos. Todos os seus filhos nasceram e cresceram sem o acompanhamento digno de um pai.

Chico Lisboa injetava uma grande quantidade de dinheiro nas mãos de sua esposa para suprir os gastos caseiros, mas não tinha um tempo livre para sua família. Mas também não ligava pra isso. Para ele era absolutamente normal, pois havia crescido dessa forma e hoje era um homem respeitado em todo país.
Em agosto de 1999, Maria Eduarda descobriu um câncer no pulmão, que a levou a óbito em menos de um mês. Sentia dores há bastante tempo, mas hesitou em procurar um hospital e também não repassou a informação para os filhos nem para o marido com medo de ser reprimida.

Quando aconteceu o fato, Chico pela segunda vez na vida se deixou levar pelas emoções. Caía em prantos dia e noite. Não acreditava no que havia acontecido. Sua mulher, tão religiosa, havia partido muito cedo. Questionava a existência de Deus. Seus argumentos eram de que não passava de um desgraçado. Dois meses antes do falecimento da mulher, Chico também perdera o filho Gabriel em um acidente na rodovia que liga São Paulo a Minas Gerais.

O advogado, após sucessivas tragédias, enfim entendeu que a vida ia muito além da dedicação exclusiva ao trabalho. Com um patrimônio milionário estruturado, optou por passar mais tempo com a família. Mas era tarde demais.

Miguel, de apenas 18 anos, havia se mudado para Porto Alegre para morar com uma moça pela qual estava apaixonado. Eva, se casou com um rapaz de origem suíça e foi morar na Europa. Ezequiel, acabara de partir pro Canadá para iniciar um intercâmbio de 3 anos. Moisés, se tornou um empresário de sucesso e possuía a mesma quantidade de tempo que o pai no auge da carreira.

O milionário paulista que gastou toda a sua saúde para ganhar dinheiro durante a vida, agora, já com seus 60 e poucos anos, o usava para recuperá-la. Chico, ao decorrer da sua jornada de sucesso como advogado, acumulou vários problemas que atacavam os rins e o coração. Seus filhos sabiam da condição física do pai, mas optaram, a distância, por pagar um cuidador de idosos para que pudesse vigiar a saúde do velho. Assim como ele, talvez não se importassem com a ausência de um contato paterno.

Em Dezembro de 2004, nas vésperas do Natal, os filhos de Chico Lisboa Tavares, cada um localizado em uma parte do mundo, receberam uma carta:

"Em respeito a vocês e ao Sr. Francisco Lisboa Tavares, comunico-lhes que o pai de vocês agora está bem próximo de Deus."

Os filhos, em choque, entraram em contato uns com os outros e cancelaram todos os compromissos que tinham após lerem a carta do cuidador de idosos. Uma onda de remorso corroeu o coração de cada um. Optaram por dar ao pai a mesma moeda de descaso que ele os ofereceu durante toda a infância e juventude e se arrependeram amargamente.

Às 19h00min. do dia 24 de Dezembro, todos os filhos se reuniram na porta da casa do velho pai para homenageá-lo. Em prantos e abraçados, os quatro herdeiros foram adentrando ao ambiente. Para a surpresa de todos, havia uma mesa longa cercada de velas vermelhas com vários pratos ornamentados com enfeites de Natal. No centro da mesa, um grande pernil bem assado e duas bandejas com um arroz branco e um feijão bem apetitosos. Tudo da melhor qualidade. Os filhos, sem entender, olharam vagarosamente e ao mesmo tempo para o canto da sala e lá estava Chico Lisboa, parado com um agasalho velho, com sua bengala de madeira maciça na mão, com seus óculos arredondados e com a postura curvada.

- Perdi os avós de vocês quando ainda era jovem. Perdi o irmão de vocês por um acaso da vida e logo em seguida também perdi a mãe de vocês, minha primeira e única namorada. Apesar de toda a minha intelectualidade apontada por muitos, fui burro por conseguir entender o que é o amor somente depois da dor que a saudade dos que se foram me causava dias e noites. Não quero que isso se repita. Não quero que ajam com seus filhos da mesma forma que agi com vocês. Não se chateiem comigo por acharem que a carta apresenta uma informação falsa, pois não se trata de uma mentira. Depois que eu descobri o que é o amor, agora me sinto perto de Deus. Me perdoem por tudo! Eu os amo mais do que a mim!

A reação dos filhos foi como se, por toda a vida, aguardassem uma demonstração de amor como essa por parte do pai. Todos se abraçaram e uma onda de emoção tomou conta do ambiente. O susto causado no presente e o desabafo de um ser humano arrependido do passado despertou um sentimento de amor que estava apagado na família Tavares.

FIM

A história foi baseada em um comercial de uma empresa alemã que tocou o mundo há pouco tempo atrás. Não espere que as pessoas que você ama se vão. Por não saber quando irão lhe dizer "Adeus!", opte por todo dia dizer um "Eu te amo!" a elas.

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