De volta ao passado

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Clara estava sentada, olhando fixamente para aquela mulher, não ousava se mexer. Em pensamento desejava ardentemente que as poucas pessoas que estavam no restaurante não fossem embora.

_Clara eu vivi nesta cidade há muito tempo atrás. Eu era de uma família tradicional, meu pai era neto de bandeirantes, como você sabe foram os bandeirantes que fundaram esta cidade. Meu pai era um homem de posses,  um homem de temperamento agressivo e orgulhoso e por isso tinha muitos inimigos. Eu e minhas irmãs éramos criadas muito reclusas , só saíamos para ir à igreja, tínhamos uma preceptora que ia a nossa casa e nos ensinava, não havia escolas aqui e nosso pai não permitia que fossemos a outra cidade, então estudávamos em casa. 

Quando fiz 18 anos meu pai me entregou a um rico comerciante do lugar, havia um arranjo entre eles para que eu me casasse assim que tivesse idade. Meu marido era um homem repugnante, muito mais velho do que eu, ele era mais velho até que meu próprio pai. Foram anos de muito tormento, eu era obrigada a ser submissa, nunca saia de casa, e meu esposo era um homem violento que ao voltar embriagado da rua batia em mim sem dó nem piedade. Vivi por vinte anos com esse homem, até que um dia, quando ele chegou de madrugada completamente bêbado e procurou por mim com um chicote para dar a surra costumeira, eu o surpreendi e o apunhalei com seu próprio punhal que eu havia escondido na cozinha. Ele morreu na minha frente. Arrastei seu corpo até o quintal e o enterrei. Ninguém viu. Não tínhamos filhos e os empregados não moravam conosco. 

No dia seguinte, falei aos empregados que o patrão não tinha voltado pra casa. Naquele tempo as casas eram poucas por aqui, não tínhamos amigos. Os empregados acabaram acreditando que meu marido tinha me deixado. Os anos passaram e um dia conheci um homem e me apaixonei perdidamente por ele. Tivemos uma filha, uma linda menina, que era tudo para mim.

Uma noite fomos até a casa de meu pai para que ele conhecesse nossa filha, meu pai nunca aceitara meu novo companheiro por ele não ser um homem rico. Meu pai continuava sendo um homem difícil, odiado pelos habitantes da região, porque era injusto e desumano com seus empregados, e agressivo com todos que conhecia. Ao chegarmos ele estava em sua sala nos esperando. A recepção que tive não foi diferente do que eu esperava. Ele foi frio conosco e não chegou perto da neta. Enquanto conversávamos tentando tornar as coisas mais naturais, homens invadiram a casa, estavam armados. Queriam matar meu pai. Eram ex-empregados que ele despedira sem pagar nenhum centavo, ele os jogara na rua literalmente.  Foi um tumulto terrível, eu tentei proteger minha filha, tentei fugir dali. Mas os homens eram violentos demais, eles mataram meu pai, depois o homem com quem eu vivia e mataram também minha filha porque atiraram nela que estava em meus braços, na tentativa de me atingir acertaram minha criança. Depois fugiram.  Tudo foi rápido e terrível. Quando finalmente chegou alguém trazido pelo barulho dos tiros, todos já estavam mortos. Eu estava lá, não tinha me ferido, mas a perda dos que eu amava, a perda de minha filha tirou de mim o juízo. Fui colocada num sanatório.

Neste momento Marta interrompeu a história e olhou fixamente para Clara. A garota estava lívida, chocada com tudo que ouvira, confusa com aquela história terrível. Quando Clara ia perguntar  alguma coisa. Marta segurou a mão dela e disse:

_Espere eu ainda não acabei.  

A amigaOnde histórias criam vida. Descubra agora