Na magia

Café da manhã

O café de sábado era algo sagrado, onde todos os membros da família deviam aparecer, não existia desculpa ou febre que te daria um sábado de folga, seu pai entrava mais tarde no trabalho, a mãe não tinha trabalho nos finais de semanas, ele e a irmã não tinham aula, você podia sair antes do final, só teria que responder algumas perguntas e piadas, ultimamente não rolava as piadas, apenas as perguntas.

Theo arrastou-se até a mesa do café com o capuz do moletom na cabeça. 

- ZUMBI! Deu um grito a irmã de seis anos dele, apontando para ele.

- Carol, sou eu.
O pai estava na mesa e a irmã, a mãe estava próximo ao fogão.

- Não vai dizer que está com vergonha do cabelo, cortou ele agora tem que mostrar para onde for.
Resmungou o pai que não se limitou a olhar para Theo quando ele tirou o capuz. 

A mãe interrompeu antes que o menino respondesse algo. - Thê, você recebeu uma carta, deve ser de um seus amigos da escola, ele não deve ter entendido bem o seu apelido e escreveu Theo.

- Ou está te sacanenado mesmo.
O pai não estava para papo assim como a mãe que apesar de ter tentado mudar o foco da conversa, ainda não aceitavam o seu novo corte de cabelo.

Ao ouvir o nome Theo, ele ficou imóvel e nem ligou para a provocação do pai. - Amigos da escola?  Levantou a sobrancelha, qualquer pessoa parecia saber mais dele do que os próprios pais, ele não tinha amigos no plural, tinha um amigo e algumas pessoas com quem ele falava as vezes.
A mãe colocou o envelope em formato de Folha na mão dele e ele ficou tão admirado por ser logo em formato de Folha e ali estava as letras douradas "Theo Heróico de Oliveira", quase esqueceu de respirar, não enxergou mais nada naquele envelope, o corpo ficou arrepiado e ele não sabia como disfarçar.

- Não sei que amigos foram, estava debaixo da porta agora de manhã e como é sábado e não tem selo, pensei que poderia ser alguma brincadeira. 
A voz da mãe parecia estar bem longe, o coração batia acelerado e ele não podia sair da mesa até tomar pelo menos um corpo de suco. 
Obrigou-se a sentar na cadeira livre do lado esquerdo da mesa e ao lado de seu pai e a sua mãe estava do lado oposto.

A cabeça girava quem enviaria uma carta para Theo? O menino empurrou o pão e o Nescau para dentro, mastigar foi um luxo que ele não se deu.

Os pais dele não tinham terminado a escola e levavam a escola muito a sério com os filhos, então todo o sábado faziam perguntas como estavam as notas, ele sempre respondia em tom de tédio que tudo estava bem, naquele dia mudou a postura e tentou parecer tão confiante como dizia, ele e o seu amigo Kale tinham ganho bolsa de estudos e estudavam em um Colégio particular, fazia apenas um ano que ele estava lá, conhecia Kale fazia muitos anos já que eram vizinhos, tinham uma conexão incrível ou ao menos era assim que Theo enxergava. 

Saiu da mesa e olhou o relógio na parede, Kale tinha permissão de sair de sábado depois das dez e quarenta e Theo não tinha autorização nenhuma já que estava de castigo, eram dez e trinta e cinco.

O pai de Theo sairia para trabalho e ficariam os três, o pai sempre saía dez e meia e hoje estava atrasado o que aumentava a tensão, não consegueria ler a carta quando chegasse lá, não queria ler perto de ninguém, sentia naquela simples folha um peso, sentia que algo ia mudar, alguém tinha o descoberto.

(E ai gente?)