O Réquiem de Balthazar

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(Sem Revisão)

Nancy não fazia ideia da verdadeira idade de Balthazar. Seu trabalho era cuidar dele, apenas isto. É claro que, com o passar dos anos, a intimidade entre os dois havia crescido ao ponto de questioná-lo sobre o assunto. Porém, a Alzheimer afetara Balthazar ao ponto de lhe responder números aleatórios a cada vez que lhe era feita a pergunta.

— Mas senhor, com todo respeito, é ilógico dizer que têm trezentos anos! — argumentava a jovem. — O senhor sabe que eu entenderia se me dissesse que não se lembra.

— Ora essa! Era o que me faltava. — respondia, tão irritado como sempre, o velho — Além de faltar com o respeito, ainda diz que sou demente!

Todo e qualquer diálogo era curto e raso. Não havia interesse algum por parte da moça e não havia lógica alguma nas palavras do velho.

Entretanto, a única coisa que não falhava na memória de Balthazar, era uma pequena caixa de música que possuía.

Balthazar não tinha mais nenhum familiar vivo. O velho viveu sozinho boa parte da velhice até que, começando a sentir os sintomas da doença, havia contratado a jovem enfermeira para zelar por sua saúde e seu conforto.

A moça inicialmente estranhara os hábitos do senhor. Ele passava todo o tempo trancado em seu escritório. A casa era velha e mal iluminada, ao ponto de muitos quartos só terem a luz de um lampião. As janelas nunca eram abertas, as coisas nunca mudadas de lugar e os livros nunca eram lidos. Objetos estranhos e antigos faziam parte do cenário da casa, transformando-a em uma mistura de entulho e museu.

Balthazar passava horas em seu escritório. Apenas deixava o lugar para as refeições e medicamentos. Aquele era o quarto proibido da casa. A única porta que permanecia trancada à moça.

Além de enfermeira, a jovem também era governanta do casa. Mantinha o lugar da melhor maneira possível, diante de todas as condições de seu senhorio. Ainda assim, a cada dia de limpeza, o escritório era ignorado. Ela imaginava que nunca entraria no local, e isto fazia com que sua curiosidade apenas crescesse a cada dia.

Depois de tantos anos a serviço de Balthazar, a curiosidade transbordara do seu ser. Os segredos do velho apenas cresciam e Nancy não aguentaria passar mais um dia sem pelo menos ter alguma ideia do que o velho fazia trancado em seu escritório.

O silêncio reinava dentro da casa. Passo a passo, Nancy subiu as escadas para o segundo andar. Havia deixado o velho rádio da cozinha ligado para encobrir qualquer ruído que poderia causar. O chão de madeira do corredor era o grande desafio. Conseguiu atravessar mais da metade sem gerar nenhum chiado. Porém, a confiança pode ser o maior dos males, quando se acumula demais.

À três passos da porta, ao passar o peso do corpo de um pé para o outro, a madeira do chão emitiu um longo e agudo rangido. Naquele momento, Nancy sabia que seria pega.

Prendendo a respiração e tentando se manter o mais quieta possível, ela esperou.

O coração martelava em seu peito, quase deixando todo o ambiente a sua volta inaudível. Quase. Poderia ter sido o som mais baixo que já tinha escutado. Como um sussurrar de um segredo. Foi quase como se soasse em seu pensamento.

Foi ali, escondida e assustada, que Nancy ouviu pela primeira vez a caixinha de música de Balthazar.

Era o som mais doce de sua vida, como se todo sentimento ruim que ela possuíra até aquele momento houvesse se dissipado. Nada tinha importância, antes ou depois daquele momento. A garota sentiu-se renascida.

Antes que o fim da canção chegasse, o som da caixa se fechando tirou Nancy do transe. O mundo voltara ao cinza monótono que ela sempre conhecera. Só assim ela se lembrou que ainda prendia a respiração.

Caminhos Para o Fim - ContosOnde histórias criam vida. Descubra agora