Antes de começar: Parte II

64 8 15
                                    

Um copo americano carregado de vinho barato, um cigarro já quase todo tragado e um prato cheio de óleo das sobras do lanche mais calórico que ali vendia. O dia poderia começar. Ernesto era bom no que fazia, mas já fazia isso faz tempo. Levar e trazer. Viagens sem fim, cheias de perigo e bebida alcoólica para recarregar o bom humor de Ernesto. Sua barba estava grisalha, ainda que o tempo não lhe atingisse tanto quanto aos outros. "Um condutor", era o que respondia quando as muitas mulheres, pagas para amá-lo por algumas horas, lhe perguntavam o que fazia da vida. As calças jeans surradas, as jaquetas e as camisas em estado semelhante eram guardadas dentro do carro. Maldita Bandida, nome carinhoso que Ernesto deu ao seu Comodoro 86, era uma máquina e tanto; preta com suas linhas laranjas. O amor da vida de seu velho dono.

─ Já terminou, Ernest? ─ questionou o atendente, do outro lado do balcão, onde o condutor estava encostado.

─ Quase. ─ Apagou o cigarro no cinzeiro e levantou-se do banco. ─ E se me chamar de Ernest de novo eu juro que quebro seu nariz outra vez.

─ Quero ver tentar. ─ O homem cuspiu no chão, bem na porta que servia de passagem para a cozinha do estabelecimento.

─ Sabe que eu estaria fazendo um favor, não é?

─ Minha senhora não reclama ─ disse o homem, sorrindo amigavelmente.

Ernesto puxou algumas notas de dinheiro do bolso da calça e jogou no balcão, revidando com um sorriso magro ao atendente.

─ Parece que vai chover ─ disse o condutor, um pouco antes de abrir a porta.

Maldita Bandida, o Comodoro 86, o esperava. Ele girou a chave e respirou fundo, isso era como um ritual. Deixou que o vento entrasse e ligou o rádio, mas as músicas ruins lhe fizeram desligar e pôr um CD antigo. Finalmente saiu do lugar. Sabia bem para onde ir. Parou em alguns sinais e rodou um pouco pela cidade até chegar onde devia. Ernesto deixou o Comodoro 86 esperando por ele outra vez e se dirigiu até uma casa no subúrbio, aparentemente abandonada. Bateu algumas vezes, mas ninguém veio lhe atender.

─ Odeio quando não facilitam ─ reclamou, arrebentando a porta com um chute forte. — Querida, cheguei! ─ gritou.

Olhou para os lados e não achou ninguém, apenas um monte de caixas de papelão. Passou por algumas e encontrou um portão de ferro enferrujado destrancado. Já em outro cômodo, por fim achou o que procurava. Havia alguém amarrado em uma cadeira de madeira, amordaçado e vendado. Parecia ainda respirar. Ernesto se aproximou e cortou as cordas com uma faca que levava com ele.

─ Parece que você deu sorte por hoje, cara ─ Ernesto comentou, após retirar a venda e a mordaça.

O homem tremeu por alguns segundos e desmaiou. O condutor reclamou um pouco, mas não teve escolha se não carregar o pobre coitado. "Maldito seja!", pensava. "Sorte a sua eu não ter nada melhor pra fazer, chapa.", ainda reclamava. O homem foi jogado dentro do Comodoro 86 de qualquer jeito.

─ Não saia daqui! ─ O condutor puxou um cigarro do porta-luvas. ─ Hora de acabar com isso.

Ele voltou para dentro da casa e chutou algumas caixas.

─ Vamos! Não tenho o dia todo. ─ Andou um pouco mais.

Sem perceber, o homem levou um soco pesado no meio do estômago, o que o fez cair.

─ Malditos sejam vocês, condutores! ─ gritou o agressor.

Uma figura que se escondia nas sombras para não mostrar sua monstruosa deformidade.

─ Cara, você vai morrer ─ Ernesto falou, saltando de maneira sobrenatural, acertando um cruzado de direita bem na cara do outro.

O agressor foi lançando para cima das caixas. Ele estava desnudo. Ernesto lhe puxou pelo pescoço e correu com ele, bateu com sua cabeça em uma parede e chutou bem entre suas pernas. A figura gritou e salivou um pouco, antes de sangrar bastante pela boca.

A Pior das ViagensOnde histórias criam vida. Descubra agora