Um Começo Violento

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Um homem entrou naquele bar ao meio-dia. Interessante o modo genuíno que a vida muda tudo para nós; nesta história tudo começa com um homem entrando num bar ao meio-dia. Lugar hostil, tão perigoso quanto sua clientela. Um Comodoro 86 fora estacionado do outro lado da rua, sendo banhado pela chuva torrencial. As manchas de sangue estavam sendo lavadas, misturando-se com a água, levada para o chão da rua, que por sua vez distribuía o sangue; escorrendo-o pelos bueiros.

Maldita Bandida, esse era o apelido daquele carro, assim chamava o seu segundo proprietário, Ernesto. O Comodoro 86 esperava pelo dono atual, Nulo. O primeiro possuinte era um ébrio usuário de cocaína e maconha. Antes era um homem bem conhecido e respeitado por todos da cidade onde vivia; dirigente da empresa que empregava mais da metade da população local. Seus problemas começaram um dia depois de contratar um segurança que acusou a esposa do empresário de tê-lo assediado, único dos 15 que reclamaram do ato de adultério. O segurança foi demitido, logo depois de ser espancado pelo homem traído, acreditando na esposa; logo ao seu lado, bêbada. A desconfiança o dominou, fazendo com que se tornasse viciado em apostas. Acabou perdendo tudo e assinando o doloroso divórcio. De grande homem de negócios, empregador de jovens, altamente conceituado, ao cara que fugia da urbe por ter dividas estritas com traficantes e agiotas.

Jovens que passeavam por ali faziam piadas sobre o carro: "Vejam, caras! A banheira da mãe de vocês. Ah! Ah! Ah!", "Olha só esse resto de carro, mais velho que minha vó.", "Nossa! Que coisa antiga. Nem deve dar partida...". Outros transeuntes sequer percebiam que estavam passando por um carro. Uma das vantagens de se ter um carro antigo é que muito dificilmente alguém tentará roubá-lo!

Na parede da loja fechada, à frente de onde o Comodoro 86 estava estacionado, havia uma pichação: "OUTRA NOITE DE HORROR". Aquilo era irônico! Maldita Bandida passou por muitas noites de horror, assim como na noite passada, quando seu dono o sujou com o sangue de um assaltante. Ex-assaltante, devo dizer, uma vez que será difícil roubar sem uma das mãos e cego. Nada impossível, claro.

O dono atual era o substituto de Ernesto, era um condutor. Algo como um taxista, mas sem viagens para lugares comuns, dinheiro comum ou qualquer coisa normal.

Ernesto saía de uma lanchonete qualquer quando um rapaz vinha correndo feito louco, de olhos fechados. Ele bateu de frente com o antigo dono do Comodoro, que o segurou antes que caísse no chão por causa do impacto. O coitado do rapaz não conseguia falar; estava em pânico e sem fôlego.

— O que acha que está fazendo, cara? — Ernesto perguntou, abrindo bem os olhos.

— Me-Meu pi-primo... — tentou dizer o outro, gaguejando e puxando ar com força.

O condutor levou o rapaz para dentro da lanchonete e o deitou sobre o balcão. O atendente tentou impedir Ernesto, mas levou um belo soco que lhe quebrou o nariz. A cozinheira veio desesperada.

— Traga um copo d'água pro garoto! — gritou o homem, apontando pra cozinha.

A mulher, histérica, fez o que ele pediu e depois correu para tratar do atendente com uma caixinha de primeiros socorros que trouxe apressadamente do banheiro. O homem, segurando o nariz quebrado com um pano, pegou o celular do bolso e discou o número da polícia. Ernesto fez o garoto beber um pouco de água e o carregou até o carro, jogou-o no banco do carona e bateu a porta com força e dirigiu para longe da lanchonete.

— Me-Meu primo... — disse o rapaz, mais calmo.

— Você já disse isso, chapa. — Ernesto franziu o cenho, manobrando o volante.

— Ele morreu...

— Sinto muito, cara.

— Vu-Você não entende.

A Pior das ViagensOnde histórias criam vida. Descubra agora