Frutas com creme de leite

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Ela queria fazer aquilo, Chloe disse para si mesma. Fez mais uma xícara de chá de urtiga venenosa naquela tarde, na esperança de que sentisse que a decisão era correta. Mas as únicas decisões que o chá facilitava era assar ou não um peru naquele ano (ela decidiu que não) e se iria ou não usar um chapéu para sair (decidiu que sim). A decisão de sair ou não sair com Julian naquela noite continuava tão turva quanto o rio Green Cove. O que fazer para comer e o que vestir não eram decisões para as quais ela precisava de ajuda. Talvez Nova não tivesse dado uma dose suficientemente forte daquele troço. Chloe despejou o resto do chá na pia e ficou olhando-o descer num redemoinho pelo ralo. Ela estava deprimida porque o dia seguinte era de Ação de Graças. Aquele era o primeiro dia de Ação de Graças que Chloe passaria sozinha. Amigos e conhecidos estavam telefonando para cumprimentá-la. Ela não queria conversar com eles. Na verdade, a única pessoa com quem queria conversar era Josey, que ligara mais cedo para saber como ela estava. Ela retornara a ligação, mas caíra na secretária. Foi então que teve a ideia de ligar para Julian. Ela não havia contatado desde o incidente do Nite Lite. Ela devia, pelo menos, se desculpar, lhe desejar um feliz dia de Ação de Graças.

E, é claro, talvez ele finalmente lhe dissesse o nome da mulher com quem Jake dormira. Se ela pelo menos pudesse saber quem era, tudo melhoraria.

Julian atendera de imediato, como se estivesse esperando sua ligação.

- Oi, Julian, é Chloe. Sinto muito sobre segunda-feira.

- Está tudo perdoado, meu bem - disse ele. - Por que você não vem à minha casa esta tarde? Eu lhe conto sobre essa tal mulher. Até lhe mostro onde ela mora.

Mais uma vez, ele não quis lhe dizer o nome pelo telefone.

Mais tarde, quando Chloe saiu, a neve caía mais pesadamente do que havia algumas horas. Ficou surpresa em ver a quantidade de neve nas calçadas e na rua. Era uma neve molhada, pesada, e já chegava à altura do tornozelo. Quando entrou no fusca, no estacionamento que ficava ao lado do prédio, notou uma coisa esquisita. Ali, perto do pneu traseiro, debaixo da neve, havia um livro. Ela tirou a neve de cima do volume e o apanhou do chão.

Madame Bovary.

Revirou os olhos e atirou o livro de volta na neve. Os livros achavam que ela ia trair Jake. Que ótimo.

O trânsito estava uma loucura, a neve mais pesada caiu justamente quando as pessoas saíam do trabalho mais cedo para o feriado. As estradas secundárias estavam mais calmas, então Chloe cortou caminho pela Summertime Road. Tinha de pegar a autoestrada para chegar ao endereço que Julian lhe dera, mas trânsito estava parado até a rampa de acesso. Foi então que o seu carrinho ficou preso. Algumas pessoas que estavam atrás dela a ajudaram a empurrá-lo até o acostamento.

O chá não facilitara a sua decisão, e a neve eliminara completamente a escolha. Ela se sentiu estranhamente aliviada. Agora, a única coisa que queria fazer era ir pra casa.

Chloe levou praticamente uma hora e meia para caminhar de volta a Summertime Road. A essa altura, a neve no chão estava tão alta que ela foi forçada a adotar uma passada alta, que fazia os músculos da coxa arderem. Ela finalmente se permitiu parar para respirar quando chegou a casinha amarela que conquistara sua imaginação desde o dia em que fora colocada à venda. Ficou de pé no mesmo lugar e a olhou por tanto tempo que as suas pegadas foram cobertas pela neve e ela pareceu ter brotado ali, no meio da calçada.

Ela se sobressaltou quando a porta se escancarou subitamente e um homem calvo correu até a varanda minúscula. Ele calçava luvas de cozinha e carregava um tabuleiro com um peru; o peru estava carbonizado e soltava fumaça. Ele atirou o peru, com tabuleiro e tudo, na neve.

Rainha Dos DocesOnde histórias criam vida. Descubra agora