Agora e depois

53 7 0
                                    


Querida Josey,

Amei o cartão-postal da Suécia. Mas você tem de parar de me pedir para ir ao encontro de vocês. Quantas vezes eu tenho de lhe dizer que não quero viajar com vocês dois na sua lua-de-mel?

Aqui está tudo bem. E vocês podem parar de fingir que a visita que vem fazer no próximo mês é só um capricho de dois andarilhos internacionais. Eu encontrei a aliança. Jake achou que podia esconde-la atrás dos meus livros, na biblioteca. No instante em que entrei ali, sabia atrás de qual livro estava. Ah, Josey, é tão linda. Fiquei ali chorando feito um bebê quando a encontrei. Aí ouvi Jake chegar, coloquei a aliança onde estava e corri para a cozinha, e comecei a picar uma cebola para poder explicar as minhas lágrimas.

Vi sua mãe ontem. Que história é essa dela com esse motorista de táxi? Vejo os dois o tempo todo. Ontem mesmo ela estava no banco de trás do táxi dele, que parou num sinal vermelho no Centro. Ela falava sem parar. E o taxista sorria e assentia, mas não dava uma palavra. Ele a olhava pelo retrovisor. O sinal ficou verde e ele nem notou, tão absorto estava em observar sua mãe.

Na semana passada, fui ao cemitério, como você pediu, e coloquei flores no túmulo de Della Lee. Já faz um ano, e as pessoas ainda falam sobre isso. Um dia você vai me contar por que pagou o enterro dela.

Tive um sonho esquisito com ela outro dia. Sonhei que você, Della Lee e eu caminhávamos por uma rua cheia de gente em algum lugar, mas a rua era de ouro, como no Mágico de Oz. Estávamos de braços dados e ríamos. Por que é que eu ando sonhando com uma morta que nem ao menos conheci? Não é esquisito?

Acho que vou nessa. Não, ainda não.

Há algum tempo que penso nisso... e quero lhe contar uma coisa, uma coisa que nunca contei para ninguém.

Tudo bem, você sabe sobre mim e sobre os meus livros, que eu tenho muitos e que eles estão sempre por perto. O negócio é que os livros aparecem para mim. Do nada. Eu não compro um livro desde que tinha 12 anos. Eu entro em um cômodo e encontro um livro que quer que eu o leia. Às vezes, eles me seguem, também. Eu vivo com medo de que alguém descubra e ache que eu sou louca. Mas achei que, sei lá, você fosse compreender.

Agora vou lhe enviar isso e me arrepender. Mas lembre-se, se mandar os homens de jaleco branco para me levarem embora, não vai ser minha madrinha de casamento.

Com amor,

C.

~~~~~~~~~~~~~~~~S2

Adam chegou por trás de Josey e beijou-lhe o pescoço. Josey fechou o e-mail de Chloe.

- Chloe sabe sobre a festa de noivado-surpresa - contou Josey, olhando para o mar enquanto Adam afastava os seus cabelos para ter melhor visão.

- Jake nunca foi bom em guardar segredos - disse ele perto de sua pele, fazendo-a estremecer.

Josey fechou os olhos. As coisas que aquele conseguia faze-la sentir. Ainda ficava impressionada. Ela abriu os olhos de súbito quando o laptop quase escorregou de seu colo para o chão da sacada.

- Se você continuar com isso, não vamos sair do quarto. Outra vez. E eu quero ver o navio à luz do dia pelo menos uma vez.

Ele riu e afastou-se. Enrolou um dos cachos de Josey em torno do dedo e deu um puxãozinho carinhoso.

- Diga oi para Chloe - disse, voltando para dentro do camarote.

Com o canto do olho, ela percebeu um movimento, e se virou. Della Lee surgira, de repente, perto do parapeito da sacada. Olhava para a água.

Della Lee virou a cabeça e olhou para Josey. Fez um gesto com a cabeça na direção em que Adam havia saído e deu uma piscadela.

Josey sorriu e rapidamente colocou o laptop de lado. Levantou-se e foi ficar ao lado de Della Lee. Sentia saudades de te-la por perto. Sentia saudades de conversar com ela. Della Lee raramente falava, hoje em dia. Na verdade, da última vez que se lembrava de ela ter dito qualquer coisa fora em Las Vegas. Chloe e Jake haviam ido até lá para a cerimonia de casamento de Adam e Josey. Chloe tinha acabado de percorrer o pequeno corredor à frente de Josey. Josey estava prestes a segui-la quando viu Della Lee de pé à sua esquerda.

- Parabéns, garota - dissera.

Algumas vezes, passavam-se meses sem que Josey a visse. Mas, sempre que Josey começava a temer que ela tivesse desaparecido de vez, Della Lee retornava.

Ficaram assim por um momento, ambas fitando o mar. Josey não sabia quanto tempo se passara até que Della Lee se virou para ela, as sobrancelhas erguidas, como se soubesse o que Josey estava pensando.

Era a hora.

- Fique aqui - pediu Josey. - Não vá ainda, está bem?

Della Lee fez que sim.

Josey foi até o camarote. Podia ouvir o chuveiro e Adam cantando. Foi até a mala e tirou a carteira de passaporte. Enfiado num bolso estava um envelope dobrado. Era a carta de Samuel Lamar. Ela a levava consigo aonde quer que fosse, convencida de que chegaria o momento de finalmente abri-la e saber a verdade.

Saiu outra vez para a sacada e colocou-se ao lado de Della Lee no parapeito. Olhou para o envelope branco, liso. Della Lee a olhou, curiosa.

Respirando fundo, Josey rasgou o envelope pela metade, depois em quartos, depois em oitavos. Atirou os pedaços ao vento, e eles se transformaram em pássaros de papel que flutuaram no ar e finalmente pousaram, pacificamente, sobre a água.

Della Lee riu, mas não saía som nenhum.

Josey sorriu para ela, então voltou-se para a água outra vez, satisfeita por ter tomado a decisão correta. Ao se virar outra vez, Della Lee havia sumido.

Voltou para a cadeira e pegou o laptop.


Querida Chloe,

Estamos atravessando o oceano, lentamente, na sua direção, enquanto digito. Como você sabe que a nossa visita a Bald Slope não é um mero capricho? (Eu tenho de dizer isso, sabe? Prometi a Jake. Mas mal posso esperar para ver a aliança!)

Eu não compreendo o que está acontecendo entre minha mãe e Rawley. Quando ligo, Helena me diz que ela está feliz. Diz que Rawley de vez em quando até dorme lá, embora ninguém possa saber. Talvez eu finalmente ale com a mamãe nessa visita. Ou, quem sabe, como da última vez, ela se recuse a me ver. Eu sei que isso tem menos a ver comigo pessoalmente e mais a ver com recordações que ela não quer compartilhar, lembranças do meu pai. Mas não há nada que eu possa fazer.

Obrigada por levar flores. Della Lee foi uma pessoa especial. Eu lhe conto sobre ela um dia. Prometo. Na verdade, há monte de coisas que eu preciso lhe contar.

E quanto aos livros, eu acho que você seja louca. Nem um pouquinho.


Josey ergueu os olhos para o local onde Della Lee estivera.


Na verdade, compreendo perfeitamente.

Com amor,

Josey.

Rainha Dos DocesOnde histórias criam vida. Descubra agora