Capítulo 1 - O Monte dos Vendavais

31 3 2
                                    

Estou deitado, deitado na minha cama, na cama do meu dormitório. Sozinho. Os meus colegas devem ter ido passear. Afinal, hoje é Sábado. Já carrego em mim um mês de aulas do meu sexto ano em Hogwarts e ainda assim parece-me pouco. Quero mais. Olho o tecto do meu quarto. Os tectos de Hogwarts são curiosos, pelo menos aqueles que eu vejo, este parece ter sido feito com tábuas de madeira, mas engano-me. Na verdade é uma ilusão. O meu colega de quarto, Oh Sehun, lançou-lhe um encantamento e cada um de nós vê o que nos faz sentir mais confortável. Eu vejo a madeira porque leva-me aos dias antes de receber a minha carta de Hogwarts, quando eu saía com o meu pai no Inverno. Andava de mão dada com ele, íamos buscar lenha para acender a lareira e aquecer a mãe que estava em casa a fazer o chocolate quente, a nossa recompensa. Tenho saudades deles. Lembro-me de ter a mãe ao meu lado, exausta, a fazer-me carinhos no cabelo, de eu sorrir para ela e ver aquele rosto cansado se tornar no rosto mais feliz que alguma vez vi. Aquele meu sorriso era a sua energia. Ainda me lembro das vezes em que o pai viajava em trabalho e ficávamos os dois em casa. Com frio. Partilhávamos a cama nesses dias. Tenho saudades de sentir o calor que ela me dava apenas com um abraço naquela cama. Eu gostava de me encostar ao pescoço dela, sentir o seu cheiro. O melhor cheiro do mundo é o cheiro da minha mãe. Anseio pela resposta deles à carta que lhes enviei ontem pela minha coruja. Tenho saudades e ainda só se passou um mês. 

- Bem, não vou pensar mais nisto - Disse em voz alta - Park Jimin, vais te levantar, comer e vais passear.

Assim o fiz. Segui os meus próprios conselhos. Vesti a minha roupa, a normal, hoje não preciso de uniforme e dirigi-me ao Salão Principal. Estava quase vazio. São 10 horas, a maior parte das pessoas já nem está aqui para comer, estão só a conversar. Conversar, que palavra tão comprida para algo que para mim nem tem assim tanta importância. Deviam trocar pensar por conversar e vice-versa. O Pensamento é muito mais importante que a Conversa. Se eu não pensasse não tinha ideias, não criava os meus próprios valores, sem Pensar eu não seria o Park Jimin que sou hoje. Sentei-me ao lado dos meus colegas do sexto ano. Maior parte deles tentam conversar comigo e por defeito meu eu "escondo-me" da conversa e não dou muito espaço para entrar no mundo da Conversa.

- Jimin! Dormes bué! - Disse o Jackson.

- Eu durmo o que me apetecer. Ninguém me paga para acordar cedo. - Disse seco. Peguei na panqueca que restava no prato. Realmente dormi "bué", a comida está no fim.

- Sempre tão simpático, não é Jimin? - Responde o Jackson.

- Ah! Ainda não te calaste? Olha deixa-me comer e vai à tua vida. Eu não quero saber da tua por isso não te metas na minha, por favor. - Disse já um pouco alterado.

- Vá rapazes! Tenham calma. Essa conversa não vos leva a lado nenhum - Disse o Seokjin hyung, o prefeito da equipa. Ele costuma ter razão no que diz e é mais velho que eu, devo-lhe esse respeito.

- Não te preocupes, Seokjin, no que me diz respeito acabo aqui este conversa. - Acentuo a palavra conversa com um gesto de aspas com os dedos. Pego num croissant e saio do Salão.

Ao deambular pela escola, sinto necessidade de ir à biblioteca. Sentar-me na mesa, junto à janela a ler o livro que, aleatoriamente, foi escolhido por ter a lombarda mais gasta, o que para mim significa que foi duramente utilizado por outros alunos que, provavelmente, se encantaram pelo título do mesmo. O meu pai disse-me que os livros são a arma mais poderosa do ser humano. Eu logo na altura não percebi a metáfora. Hoje, com 16 anos, percebo. As palavras são a fonte mais inspiradora que o Homem tem. Sabendo argumentar posso ser (quase) tudo o que eu quiser. Mas lá está. Eu não ligo a Conversas, sou uma pessoa de Pensamentos. 

Entro na biblioteca e vejo a minha mesa favorita livre. Vou procurar um livro para ler. Hoje decido procurar "Literatura Muggle". Procuro, procuro, procuro.

- Este! - digo em sussurro e pego no livro "Monte dos Vendavais" de Emily Brontë.

A mística capa castanha, que contém apenas o nome da autora e o título do livro, levou-me a crer que aquele seria o livro certo para eu ler hoje. Com o livro nas mãos vou em direção à mesa e, para enaltecer a minha honorária felicidade, está ocupada. Vou com alguma raiva sentar-me na mesa que fica em frente à minha favorita. Olho para o rapaz. Estou enervado. Ele olhou na minha direção. Não sei se se sente incomodado pelo meu olhar. Comecei a perder a vontade de ler devido aos meus nervos. Abro o livro para me abstrair. Embora a ler, eu estava sempre a olhar para o rapaz, na esperança de o intimidar e fazê-lo mudar de lugar.

- Psst! - Ouço. - Oh jeitoso! 

Eu olho e não é que é justamente aquele parvalhão que me está a chamar? Ignoro.

- Oh jeitoso! Não leias esse livro - Ele diz em sussuro e eu ignoro. - Eu já tentei lê-lo por duas vezes e nunca consigo. É tão desinteressante.

Eu levanto-me, marco a página e vou em direção à bibliotecária para requisitar o livro e tentar ler em paz noutro sítio.

Saio do castelo, decido que vou ler encostado ao Salgueiro Zurzidor. 

Ao chegar, encosto-me no seu tronco e começo a ler. Sabe bem. Aqui parece tudo mais calmo, sem pessoas, só os pássaros, a brisa fresca que por vezes passa. Fecho o livro, não me apetece ler mais. Deito-me  na relva, de barriga para cima e adormeço.

Lentamente começo a acordar e sinto uma presença a olhar para mim. Abro os olhos e assusto-me. Levanto-me num ápice e sento-me.

- Quem és tu? - Digo.

- Jeon Jungkook, Slytherin, quinto ano. - Diz ele com um sorriso no rosto. É bonito ele.

- Tu estavas na biblioteca! Na minha mesa! - Levanto-me, sacudo a roupa e ando na sua direção. Olho para ele de cima a baixo. Sinto um arrepio. Olhei para ele de perto. Este rapaz é lindo.

- Calma... ah...

- Jimin! - Disse alto.

-Isso! Calma Jimin. Estava aqui a passear e vi-te aqui a dormir. Queria saber como consegues fazer isso sem uma toalha ou uma manta - Ele ri e olha para o meu livro. - Afinal - Aponta - Não é tão interessante assim. Eu avisei!

Ele passa ao meu lado, pego no livro e  viro-me para ele.

- Eu estou a gostar! Se não gostas problema teu! - Disse-lhe.

- Alerta! Alerta! O senhor Jimin é agressivo. Se eu tivesse de apostar diria que és um Gryffindor! - Diz de forma irónica.

- E sou mesmo! Algo contra? - Respondo cruzando os braços.

- Nada contra, jeitoso. Era só para ter noção - Ele ri. - Bem, vou indo! Não faço nada aqui. Adeus! Fica bem!

Eu simplesmente aceno para ele e volto a sentar-me a ler o meu livro. Realmente já li melhores, mas vou dar uma oportunidade a este velho livro e vou lê-lo até ao fim.

Quando dei por mim tinha adormecido de novo. Levanto-me e vou para o dormitório. Imagino a confusão.

Ao entrar não encontro ninguém. Está vazio. Visto o meu pijama e deito-me na cama de barriga para cima e olho para o tecto. Penso. Penso naquele rapaz. Jungkook acho. Penso no porquê de ele me chamar jeitoso. Penso no porquê de ao aproximar-me dele ficar com o pensamento "encravado". Penso no porquê de o achar bonito. Sinto que devo me aproximar dele, mas ao mesmo tempo manter distância. Não percebo. Costumo ter o Pensamento sempre organizado e agora tenho-o completamente sem sentido. Ao lembrar-me dele sinto arrepios no corpo. O meu pai disse-me uma vez que se sente assim quando conhece alguém que, inconscientemente, o agrada. Ele acredita na reencarnação e como tal ele dizia-me que se de forma súbita sentirmos empatia por alguém é porque numa vida passada fomos amigos. Será que eu e o Jungkook fomos amigos numa vida passada? Será que posso finalmente confiar em alguém? Amanhã vou procurar por ele.

The WandWhere stories live. Discover now