Nem tão bom

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O dia tinha começado do pior jeito possível, eu estava atrasada para o dentista, quem é que se atrasa para ir ao dentista? Bem, eu me atraso, mas não só para o dentista, também me atraso para festas que vão ser na minha própria casa. Como? Não sei, deve ser um dom.

Depois de literalmente engolir alguns biscoitos cream cracker com um suco de laranja e escovar os dentes de um modo tão rápido que me fez me sentir o próprio Flash, peguei minha bolsa, berrei por minha mãe, peguei minhas chaves e fui em direção a porta e muito antes de pensar pôr o pé na rua minha mãe me grita;

"Ana! Espere só mais um pouco, estou com dor de barriga". Ótimo, estou meia hora atrasada para retirar meu aparelho, e, bem agora minha mãe decide jogar para fora toda a torta pavê que comeu sozinha ontem à noite.

Já que ela parecia que iria demorar uma eternidade no banheiro, então eu subi para meu quarto e sentei na cadeira em frente à minha penteadeira, e depois de uma autoanálise e de quatros tentativas frustradas de fazer um delineado, eu decidi que estava na hora de aparar minha franja afinal, ela já estava entrando no meu olho.

Pega a tesoura, respira, alisa a franja, passa o pente, respira de novo, reúne toda concentração, pega um pedacinho de cabelo, aproxima a tesoura, respira, fecha os olhos.

"Só um pouquinho, em cima das sobrancelhas, não acima, em cima"

Respira, corta *scrach*, respira, abre os olhos.

Pelo menos isso deu certo hoje. Agora só falta outro lado.

Respira, fecha os olhos, corta, ficou torto, corta mais um pouquinho, pentea o cabelo, passa a prancha. Acabei. Abre os olhos.

Merda, falei cedo demais, hoje é um dia nem tão bom.

Eu já estava uma hora e meia atrasada, acredito já ter perdido a vaga no consultório.

"Ana, vamos! Estamos atrasadas". Eu nem tinha percebido isso, pego minhas chaves, minha bolsa e um óculos para esconder a cagada que fiz com delineador no meu rosto. Desço as escadas e finalmente vou de encontro a minha mãe que já estava no portão de casa me esperando. Fecho a porta e me despeço do cachorro pelo lado de fora.

Caminhamos até o ponto de ônibus e então, ficamos lá, em pé, plantadas feito árvores, ficamos minutos ali paradas, minutos que chegaram a parecer horas, vários ônibus passavam, mas nunca o nosso.

Algo cai em meu ombro, procuro pelo o que é e não acho nada, resolvo ignorar, agora caiu no outro ombro, procuro por qualquer sinal do que seja. É chuva.

Ótimo, minha chapinha!

Mais meia hora se passaram, não sei porque não voltei para casa, já estou duas horas atrasada e provavelmente já perdi minha consulta, o ônibus tinha acabado de chegar, a chuva parou e eu ainda estava completamente molhada, com o rosto meio borrado de maquiagem e o cabelo nem tão bom.

Subo no ônibus e procuro por algum lugar vago, mas o único que tem é no último ao lado da janela, minha mãe fica em pé, depois de dez minutos o ônibus sai do ponto, o dia não estava tão bom.

Acabo me distraindo olhando para a janela, viajo, vou longe em meus pensamentos. Quando o ônibus para em um sinal vermelho, não muito longe do meu destino final, eu me pego encarando sem querer um moço de cabelo cacheado, e vejo que ele me encara de volta. O sinal fica amarelo e então ele sorri para mim, não tive tempo de retribuir.

O dia nem estava tão ruim assim.

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