A história do Alexandre

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Sabe aquele garoto inconfundível na sala de aula? Carismático e que ao mesmo tempo parecia não pertencer àquele local. Seu nome era Alexandre.
Não era bonito, sua cabeça era um pouco maior que o normal, tinha por volta de vinte anos. Era alto e não exatamente era um cara inteligente.
Contudo, sempre fazia a alegria dos amigos de turma. Só que naquele dia ele não foi pra aula de português e não comentou sobre a leitura das crônicas de Veríssimo. Logo, foi impossível não notar sua ausência. Na aula seguinte perguntei porque ele havia matado a aula.
E foi aí que ele começou a narrar o motivo. Primeiro ele perguntou se eu conhecia um aplicativo de encontros românticos. Sinceramente, não pensei que aparentava ter cento e cinquenta anos. Já que todo mundo conhece. Enfim, disse a ele que conhecia sim. Embora nunca tivesse instalado em meu smartphone. Ele deu um sorriso, não acreditava no que acabava de falar. E prosseguiu não se importando muito com a minha explicação e foi além. Contou que havia conhecido uma menina que morava na Rocinha, nesse famoso aplicativo e resolveu conhecê-la. Coisa muito normal até então. Mas o impressionante foi que ele disse que ela não era exatamente a garota mais linda que deu confiança a ele. Então eu curiosa perguntei porque então ele foi tão longe para ter um encontro romântico. Desconfiado Alexandre sorriu, daquele jeito maroto que só quando se tem segundas intenções se sorri. Foi então que eu entendi que ele tinha ido atrás da menina, pois estava interessado em algo a mais com ela. Geralmente, os garotos que moram em comunidades como a dele em São Gonçalo, não costumam sair a caça de garotas em lugares tão distantes. Mas, ele foi. Ele havia combinado de chegar ao local marcado exatamente meio-dia, só que atrapalhado e inexperiente não conseguiu organizar seu tempo. Encontrou-a um pouco mais que uma da tarde e a garota já estava desesperada, pois ela tinha que ir trabalhar. Só que Alexandre não sabia disso e na cabeça dele, eles iriam ficar juntos até o outro dia. Aliás, por esse motivo que ele foi pra tão longe, enfrentando por volta de duas horas de viagem, pegando três conduções.
A garota nem deu muito tempo pra ele entender o que estava acontecendo e levou o garoto assustado para a casa dela , dentro da comunidade da Rocinha e colocou o pobre coitado em seu quarto. O dormitório era muito bonito, bem limpo com móveis que aparentavam ser caros, tinha uma lâmpada gigante que iluminava todo o ambiente. Por um momento, o garoto distraiu-se pensando que  aquilo tudo deveria ter custado muito caro para alguém. Deitaram, por um pequeno momento, na cama dela  e a garota começou a  explicar que trabalhava em um shopping muito conhecido na cidade do Rio de Janeiro e precisava ir, pois seu turno começaria em meia hora, disse para ele ficar tranquilo, pretendia voltar logo, assim, que a loja fechasse. Ainda cogitou a possibilidade de sair um pouco mais cedo se sua gerente liberasse, mesmo sabendo que isso não iria acontecer, de fato, já que chegaria atrasada sem um motivo justificável, por conta do imprevisto do atraso dele. Antes de sair deu um beijinho bem carinhoso na testa do garoto abandonado. Nessa hora deu   uma única recomendação.
Que ele não saísse do quarto em hipótese alguma.
Era tudo que o jovem queria , descansar em uma limpa e arrumada  cama enorme  e Wi-Fi para distrair seus pensamentos. Leitor, não pense que isso é pouca coisa. Só quem não tem Wi-Fi em casa que entende a situação de alegria do pobre coitado.
A tarde foi passando, o tempo correu. Só que sua bexiga não aguentava mais esperar pela dona da casa. Ele tinha que ir ao banheiro , e quando precisamos ir ao banheiro, nada pode nos impedir disso. Então, delicadamente ele abriu a porta do quarto da sua conhecida  e correu pela casa tentando fazer o mínimo de barulho possível, porque não sabia, não fazia ideia, do motivo que a levou a dar aquela recomendação estranha de não sair de seu quarto. Não foi difícil encontrar o banheiro. A casa não era tão grande assim. Fez as necessidades, nem lavou a sua mão, pensou logo em voltar para o quarto, estava com medo. Até eu fiquei com medo quando ele me contou essa parte. A casa estava ficando escura e ninguém havia acendido as lâmpadas. Quando saiu do banheiro, olhou para o final do corredor, do lado oposto ao quarto da dona da casa, deparou- se com um senhor, não muito velho, nem muito novo, totalmente careca , e sua careca reluzia no escuro. Ou era a testa dele oleosa? Ele não soube explicar ao certo. Bem, o que importa,meu querido leitor, é que ele ficou muito apavorado, não pelo fato de ter sido surpreendido com alguém na casa. Mas, pelo fato dele estar em uma cadeira de rodas. Seu coração parecia pular pela boca, ele queria gritar, correr. Quando percebeu , em poucos segundos, que o cara não tinha uma das pernas. Acho que isso só piorou a situação, pois quando olhou para a única perna do careca notou uma tornozeleira eletrônica. Piscando, piscando uma luz muito pequena,  vermelha .Porém, intensamente horripilante.
Correu desesperadamente para o outro lado do corredor e entrou no quarto da garota. Seu desespero era tão grande que empurrou o guarda roupa para trancar ainda mais a porta. Foi quando percebeu que ao lado de onde estava o armário havia uma porta. Uma porta não muito grande , no entanto, ainda era uma porta. Resolveu abrir, era um banheiro. Todo o tempo tinha um banheiro ali e ele não se deu conta disso. Talvez tenha sido por isso que ela não queria que ele saísse do quarto. Tinha um banheiro  dentro do quarto e tinha também um cara sem uma das pernas e uma tornozeleira piscante do lado de fora. Ficou ali sufocado, suando frio , pensando na possibilidade do careca empurrar aquela porta e acabar morrendo. Com um tiro na testa ou até mesmo, de tanto medo.
Por mais que os segundos passassem
lentamente, acabou apontando a hora dela chegar e foi o que aconteceu. A garota do aplicativo adentrou o quarto e estava extremamente furiosa com ele, uma cara feia demonstrava isso. Alexandre  já nem pensava mais em passar um tempo nos braços dela. A primeira coisa que ela fez foi perguntar porque ele saiu do quarto, já que a única recomendação dada por ela era para que ficasse esperando lá dentro.
Ele não sabia como explicar a situação do banheiro, que só descobriu a porta quando havia voltado ao quarto. Mas teve que abrir o jogo . Não conseguiu nem pensar em uma mentira plausível. Ela olhou com cara de reprovação e disse que ele poderia ter morrido. Só não aconteceu isso porque seu tio achou estranho que um desarmado fosse algum invasor maníaco e ligou para ela perguntando. Ela explicou a situação e o tio cadeirante ficou tranquilo. Bem, não tão tranquilo assim. Estava ao lado de fora do quarto com seu fuzil reluzente vigiando. Nesse momento Alexandre começou a suar ainda mais, lembrou que não havia se despedido de sua mãe e sua irmã mais nova. Pensou que fosse morrer.
Aos poucos conseguiu se acalmar e perguntou a ela porque o cara da tornozeleira eletrônica não tinha uma das pernas . A menina delicadamente, passando os dedos pelo seu rosto, na tentativa de acalmar seu coração, disse que ele era o chefe do tráfico daquela região. Que havia sido preso, anos atrás, e que em um conflito no presídio uma granada explodiu sua perna.
Se ele não tivesse feito xixi a pouco tempo, nesse momento ele teria feito, ali, no meio do quarto. Mas não fez, e isso foi bom , pois ela continuou explicando que a recuperação de seu tio estava sendo muito lenta no presídio e ele precisava de alguém para ajudar o tempo todo. Foi por isso que o ex- detento foi morar em sua casa e também por esse motivo que estava com uma tornozeleira eletrônica. Só depois disso tudo, que ele perguntou:  - Quer dizer que seu tio tem um fuzil aí no quarto dele???
A resposta não foi a que ele queria ouvir. Sim, ele tinha vários , já que nunca deixou de comandar o tráfico da comunidade.
Naquela noite, não conseguiu dormir. Não conseguiu comer a comida que ela trouxe do shopping. Não conseguiu sequer namorar a menina. Ficou em pânico até o dia clarear e foi literalmente correndo de volta para São Gonçalo.
Acredita que eu ainda perguntei se ele tinha desistido da menina?
Depois de uma risada longa ele disse que de agora em diante só iria namorar garotas de perto. De bem perto.

Histórias que ouvi na escola.Onde histórias criam vida. Descubra agora