A história do Erick

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Talvez, de todas as histórias essa seja a mais difícil de contar. Pode ser pelo fato da história do Erick ser um pouco da minha história.
Lembro exatamente o dia, exatamente 19/03/2002 eu estava internada em um hospital na cidade de Niterói, já fazia uma semana. Estava grávida, acabava de completar sete meses de gestação. Minha filha estava apressada para vir ao mundo. Eu não tinha muito a fazer naquele hospital. Exames que não acabavam mais e programas infinitos na televisão.
Eu tinha acordado muito cedo naquela manhã. Sabe aquele jornal do início do dia? Então, eu estava assistindo, quando apareceu a foto do Erick na televisão. Haviam encontrado seu corpo. Ele estava desaparecido a mesma quantidade de dias que eu estava hospitalizada. A notícia era triste falava da morte de alguém que era muito especial, assim de forma banalizada como se estivessem anunciando o aumento da gasolina. Mas, eu queria o quê? Que o apresentador do jornal se descabelasse? Não era o protocolo.
Voltando no tempo, sentei na cama uma lágrima triste escorreu pelo meu rosto. Minha barriga doía, ela queria nascer. Parece que a pequena apressada sentia que eu não estava bem com aquela situação.
Erick era um dos garotos mais populares da escola. Não era o mais bonito. Só que ele tinha um charme todo especial e todas as garotas da escola eram loucas por ele. Aliás, não só as do colégio, as da cidade inteira. Na época da exibição da primeira temporada de Malhação eu fazia natação junto com ele, e tinha também um bando de outros garotos e nenhuma menina além de mim. Eu já nadava a minha vida inteira por causa da asma, algumas vezes só tinham meninos mesmo. Meu tio costumava me buscar todos os dias após a aula de natação. Eu sempre esperava por ele do lado de dentro da academia, bem próximo ao portão de saída.
Um certo dia, ele veio perto de mim enquanto eu esperava pra ir para casa inocentemente. Conversou qualquer bobagem e eu achei muito estranho, porque ele nunca puxava muito assunto comigo. Ele era o garoto do estilo famosinho e eu . Bem, leitor, você deve imaginar. Eu era somente uma garota impopular, daquele tipo que os garotos populares não sabiam nem o nome. Sendo que , de qualquer forma, ele veio falar comigo, sabia meu nome e foi chegando bem pertinho de mim, como quem não quer nada e quando eu menos percebi me deu um beijo incrível. Era o meu primeiro beijo de verdade. E esse primeiro beijo, que durou bem pouco foi intensamente especial. Só que naquele dia, lá no hospital, quando eu vi aquela notícia terrível aquele beijo que veio na minha memória parecia ter sido bem longo, porque eu lembrei de cada pedacinho dele.
No fático dia do beijo eu fui embora sem entender nada. Lembro como se fosse hoje, que eu me senti especial por um momento. Eu nem precisei ser a menina mais linda da escola, foi simples, fácil e inesquecível. Depois disso, eu não esperava que ele fosse me beijar de novo. Mentira leitor, esperava sim. Claro, não perdia uma aula e nunca contei isso pra ninguém. Você é a primeira pessoa que sabe desse ocorrido. Às vezes quando não tinha ninguém na academia ele descia para perto do portão e sem conversar muito nós beijávamos. Isso durou inevitávelmente por quase um ano.

Agora ele tinha morrido.

Se não bastasse ele ter morrido. Foi a forma dramática como isso aconteceu.

Fica calmo meu leitor impaciente, eu queria que você soubesse primeiramente quem era o Erick. A importância que ele tinha na minha vida. O carinho que eu sentia por ele.
Ele morreu com apenas 18 anos, todos os sonhos foram interrompidos, foi assassinado cruelmente por um cara do exército. Isso mesmo, das Forças Armadas do Brasil. Houve uma briga em uma festa e ele o matou a sangue frio. Só porque ele disse alguma coisa que o carinha não gostou. Tirou a vida dele.
Já fazia muitos anos que não encontrava com o Erick. Mas, ir pra sala de cirurgia com essa notícia tão triste foi uma das piores recordações que tenho desse dia. E me fez lembrar de uma frase de Mário Quintana que diz que com o tempo não vamos ficar sozinhos apenas pelos que se foram,
vamos ficar sozinhos uns dos outros. Olhei ao redor e me senti só. Mas, daquele dia em diante eu teria que pensar não na morte que eu não pude evitar, e sim no fato de não deixar morrer novamente esses pequenos amores que vivemos todos os dias. Essas pessoas que passam por nossas vidas e acabam deixando muito de si e levando muito de nós. Elas não podem morrer um pouco todos os dias. Essas pessoas precisam permanecer.
Depois disso, a vida teve que seguir... Triste ou não todos que se vão deixam as melhores recordações. Na minha lembrança ele vai ser sempre aquele garoto, que nunca foi apaixonado por mim, nem eu por ele. Porém, existia uma importância velada.
O fato é que eu envelheci e ele vai ter pra sempre 18 anos, isto é, no meu coração ele vai ter pra sempre 13.

Histórias que ouvi na escola.Onde histórias criam vida. Descubra agora