A história da Ketlem

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Era dia de simulado na escola. Os alunos como sempre estavam impacientes. Essa era sem dúvida a pior turma da escola naquele ano. Uma das mais complicadas da minha trajetória profissional. Para você ter uma ideia, leitor, dois professores pediram para sair da turma, tendo em vista o trabalho pesado que era.
     Eu estava ali, sobrevivendo dia após dia, comentava com o professor de ciências que após essa experiência poderíamos fazer de tudo na vida, participar de viagens experimentais não tripuladas, pular de paraquedas sem paraquedas, enfrentar uma viagem ao deserto do Saara sem camelo, ser amigo de homem bomba. Sei lá, o céu seria nosso limite.
   Seja bem vindo ao meu mundo  leitor, essa era a 604.
   E para compor a turma do barulho, vinte alunos . Sei que você está pensando que sou dramática , não é assim, meu leitor passional? Claro que sou, muito mesmo. Mas, nesse caso cada um desses alunos vem com uma carga pesada,  eram adolescentes rejeitados por tudo e por todos. Tinham uma coisa em comum, não estavam na série que deveriam estar. Uns com 14, outros com 15 e até mesmo 16, já tinham perdido a vontade de estar ali. A família em alguns casos também não cumpria seu papel essencial. Uns meninos já estavam no tráfico. Lembro que dois deles foram presos nesse ano. Ou melhor, estavam reclusos por meio de medidas socioeducativas, pois tinham roubado um carro utilizando armas pesadas.
    Nesse dia em especial, dia de simulado, nenhum professor queria aplicar a prova nessa turma. Porém, eu fui, sendo que eu tinha uma arma secreta, leitor confortável. Isso mesmo, eu tinha um inspetor ao meu lado, mas não era qualquer inspetor, o sujeito com dois metros de altura e um metro e meio de largura, devorador de sete pizzas. Tudo para que a prova acontecesse. E você dúvida que não fosse acontecer?? Consegui, fizeram a prova não tinham levantado da cadeira, pois até isso é complicado no ambiente escolar.
    Mas, eis o meu problema. O tempo mínimo para poder liberar essas criaturas . Passaram-se se apenas vinte minutos desde que iniciou-se a prova. Como assim? Todos já tinham terminado. Era só marcar as questões no cartão resposta. Fizeram muito rápido. Tentei manter a calma, eles não podiam perceber que teriam que esperar mais quarenta minutos para sair da sala. O inspetor ao meu lado na porta e todos sentados.
    Quando, sem motivo algum, um menino, sentado ao lado da parede, do lado direito chama o outro do lado oposto da sala.
- Eduardo, você não acha que nessa sala só tem menina rata?
Não sei se você compreende, leitor, mas, ser rato não deve ser uma coisa legal.
   Foi quando o outro super animado em iniciar uma conversa e acabar com a monotonia daquela prova respondeu gritando também:
- Verdade ! Todas são ratas.
    Só que o assunto animado não parou por aí. O menino que puxou o papo voltou atrás e gritou referindo-se se a duas alunas que não estavam naquele dia :
- Bem, pensando melhor, Marina e Giselle são muito gatas. Essas não são ratas.
  O outro menino, Eduardo, que participava do diálogo respondeu que concordava , fazendo que sim com a cabeça.
   Imagina, leitor que eles não estavam sozinhos na sala, embora não conversassem estavam ali, prestando atenção no desenrolar da trama.
   Nesse momento, uma menina morena , bem baixinha, muito magrinha levantou da sua cadeira, no estilo comunidade de ser, colocou as mãos na cintura, jogou o cabelo para o lado e gritou:
    - Então, quer dizer Eduardo, que eu sou uma rata, né?
     O garoto não disse nem uma palavra, a menina estava furiosa, parecia que a qualquer momento o inspetor gigante teria que separar essa briga iminente.
     - Claro que não Ketlem, disse o menino totalmente sem graça. - Eu não disse isso.
      Era uma verdade, ele não disse isso.
      Entretanto, não adiantaria mais. Era tarde, a garota estava furiosa. Ele não a tinha defendido quando o outro disse que todas as meninas eram ratas. Isso a incluía.
       Então, ela foi além, e disse:
- Já que eu sou rata, e ratos não tem medo de nada, vou mostrar pra todo mundo que você gosta de mandar nudes para uma rata.
       A garota que já estava de pé, pegou o celular, rapidamente entrou em suas mensagens e mostrou para a multidão que estava formando uma rodinha em volta dela , sabe - se lá o que.
       Inclusive, o garoto que começou toda a confusão estava se divertindo vendo as tais fotos do colega.
       E o Eduardo? Ah! Esse ficou plantado onde estava, estava perplexo com o que estava acontecendo. Mesmo depois que todos saíram ele continuou ali catatônico. E a Ketlem? Essa saiu toda cheia de si, pois tinha dado uma lição no menino que não a valorizou.

Histórias que ouvi na escola.Onde histórias criam vida. Descubra agora