A história do garoto desconhecido.

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    Ele ficava todos os dias lá. Parado, segurando seu fuzil , que brilhava no sol escaldante. As pessoas entravam a e saiam da escola e ele ali dia após dia.
     Certa vez, o tiroteio começou ao redor da escola. Não vou dizer que fiquei em pânico, porque seria mentira. Eu acho que para eu ficar em pânico seria preciso estar dentro do tiroteio, isso já aconteceu , em outra ocasião. Conto depois, leitor curioso.
      Não sei identificar muito bem as armas que são usadas durante os tiroteios. No entanto, meus alunos sabem. Na verdade, acho que os tiros quando são de repetição rápida são os de fuzil. Enfim, o tiroteio começou era  por volta das quatro da tarde. Encostei no fundo da sala ao lado de onde eu sabia que existia uma coluna. Estava usando uma blusa branca, portanto, decidi não deitar no chão, assim como os alunos fizeram imediatamente.
     De onde eu estava pude ver uma correria no pátio da escola. Três garotos com aquelas armas gigantescas correndo para atravessar o espaço  e chegar até o portão principal. Um dos garotos era apenas uma criança, depois fui saber que tinha apenas nove anos, cheirava muita cocaína, passava dias na sua posição de ataque. Por um instante eu lembrei do meu filho, pensei em tudo que esse indivíduo passava. Todo o frio da noite, sol intenso na cabeça, alimentação inadequada, pensei na omissão do nosso governo.
      O outro passou correndo muito e  não pude observar seu rosto, pude  menos  ainda identificar quem quer que fosse. Já o terceiro era aquele rapaz, o do fuzil brilhante que tantas vezes passei por ele , dia após dia. Não sabia seu nome, lembro que tinha um rosto diferente dos outros, parecia um menino burguês, corria com um ar de felicidade por dentro da escola. Como se portar uma arma daquele calibre e trocar tiros com a polícia fosse sua maior felicidade.
    Essa cena durou pouco, muito pouco, o único dos três que pôde perceber que eu os observava era esse menino desconhecido. Não se importava, gostava de ser notado, admirado. Talvez até aclamado pelo público inerte.
   Assim sendo, em poucos minutos acabaram- se os tiros e a aula prosseguiu. No horário de costume os alunos foram embora e eu permaneci na escola para o turno da noite.
     Não houve tiroteio durante o período de aulas do turno da noite e tudo corria bem, quando novamente os tiros começaram. Parecia ser bem longe dali. Era hora de ir para casa, eu estava cansada. Tinha trabalhado o dia todo, três turnos.
     Perguntei de que lado os tiros vinham. Disseram que era bem longe. Peguei meu carro, sai pelo portão, a rua estava escura, já eram dez horas da noite. Era uma quinta- feira.
     Entrei na rua principal da comunidade, tudo parecia tranquilo virei à esquerda como fazia quase sempre. Fui até quase o final da rua, virei à direita. Estava ainda mais escuro. Mais estranho do que o de costume. Fui mesmo assim, voltar me faria perder no mínimo quarenta minutos. Eu estava muito cansada.
    Passei por toda a rua , muitas motos sem placas estavam passando por mim. Fiquei apreensiva. Dobrei a última rua à esquerda, já podia ver a rodovia que me levaria para casa. Olhei pelo retrovisor os garotos de moto estavam atrás, bem próximos do meu carro. Um deles segurava um fuzil gigantesco.
    Olhei novamente pra frente, um cara surgiu do nada segurando uma arma em minha direção. Pensei que fosse atirar em mim. O tiro passou por cima do meu carro, acertou o garoto da moto que vinha logo atrás. Houve troca de tiros, eu não podia parar, olhei somente pelo espelho, o menino que já estava no chão, cercado por muito sangue, era aquele que muitas vezes permaneceu quase ao meu lado com seu fuzil brilhante, aquele que durante sua fuga  correu por dentro da escola.
     No outro dia, fiquei sabendo que o garoto desconhecido não tinha morrido com o tiro. Foram dois tiros disparados contra ele. Um pegou no braço e o outro foi de raspão na cabeça. Fiquei feliz por ele não ter morrido. Perguntei qual era seu nome. Um menino do fundo da sala respondeu. Ele é meu vizinho professora, seu nome é Daniel.

       

Histórias que ouvi na escola.Onde histórias criam vida. Descubra agora