A história do Kevin.

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Dizem por aí que Enem tem todo ano. Ninguém sabe se isso , de fato, é verdade. O que consta é que o Exame Nacional do Ensino Médio existe desde 1998. Será que vai permanecer? Ou o governo vai criar uma nova forma de acesso à universidade​?
O protagonista dessa história é meu aluno desde que cursava o Ensino Fundamental. Isso fazia tempo. É muito esforçado e costumava dizer que sofria com minha perseguição. Acho que não foi bem assim. Eu não chamaria de perseguição. Posso dizer que no final das contas ele que passou a me perseguir.
Kevin queria muito passar para o curso de direito. Não era um dos melhores alunos em redação que eu já tive. Eu ficava atrás dele pedindo para refazer aqui e ali. Muitas vezes dizendo que não estava bom. Ele aceitava e começou a se dedicar muito aos seus textos. De uma forma impressionante. Ele foi virando um gigante dentro de uma folha em branco.
Foi quando chegaram as inscrições para o Enem, aquele que é amado por muitos e igualmente odiado por outros. Você deve estar se perguntando o que isso tem de mais ? Não é? Pois é, ele estava sem computador e não estava conseguindo fazer a inscrição. Poderia ter feito na escola, na casa de um amigo ou até mesmo em uma Lan house. Aqui em Itaboraí ainda tem Lan house, a cidade é pequena. No entanto, ele não fez isso. Acabou deixando pra última hora. No último dia, ligou para sua namorada e pediu que ela fizesse sua inscrição. Estava desesperado.
A inscrição não estava indo, era o último dia. Todos queriam fazer a inscrição e muitos acabaram, assim como ele, deixando para o momento final. Ela tentou a primeira vez, não conseguiu. O sistema travou.
Na segunda tentativa, não chegou nem na metade e a internet acusou erro e consequentemente falha na inscrição. Ele já estava muito ansioso do outro lado da linha com a sua namorada. Não conseguia de maneira alguma parar de pensar na possibilidade de ter estudado o ano inteiro e perder a prova.
Na terceira tentativa conseguiu. Ele ficou aliviado. Os meses seguiram. Ele foi estudando cada vez mais aprendendo e se preparando para essa prova como quem se prepara para o maior desafio da sua vida. Precisava de uma vaga na universidade pública. Não poderia arcar com as despesas de uma faculdade particular.
A data da impressão do comprovante de inscrição chegou. Quando ele pegou em suas mãos, aquele papel. Ficou amarelo, verde. Todas as cores. Pensou que fosse desmaiar. Ele não faria sua prova na sua cidade, assim como seus amigos da escola. Kevin teria que fazer uma viagem até Itaperuna. Uma viagem para realizar sua prova.
Lembra que sua namorada nao conseguia fazer sua inscrição? Então, na última tentativa, na hora do desespero, da pressa. Ela marcou assim como ITA... Só que não Itaboraí e sim Itaperuna. Um lugar que fica muito longe um de onde ele mora.
Muitos pensaram que ele desistiria de fazer a prova. Entretanto, isso não passava pela sua cabeça. Seu pai estava apoiando -o a todo momento. Pegou seu carro e foram para esse lugar tão longe de casa para realizar a prova. Seu tio foi também, precisavam revezar na direção do carro.
Chegando lá Kevin não queria se preocupar com nada. Foram para uma pequena pousada. Instalaram-se. Ele subiu as escadas para chegar até seu quarto. Era pequeno, porém, confortável. A porta ficou aberta, viu passando pelo corredor estreito um cara vestido com casaco preto. Ficou curioso. Foi atrás dele. O desconhecido desceu as escadas ligeiramente. Kevin resolveu ir atrás dele sem que o rapaz percebesse. Não queria pensar na prova. Estava muito calor e o rapaz com aquele casaco. Ficou intrigado e foi.
O cara do casaco não o conhecia, nunca o tinha visto não seria difícil segui-lo. Nosso protagonista saiu correndo e ficou a uma distância segura do rapaz. Viu ele colocar as mãos no casaco como se segurasse alguma coisa. Pensou que poderia ser uma arma. O cara era muito estranho, daquele tipo que dá medo só de olhar.
O desconhecido parou no meio de um grupo de amigos. Entregou alguma coisa dentro de um saco. Ficou por alguns minutos ali. Seguiu mais uns passos a frente. Entrou em um bar comprou uma coca cola. Bebia na porta, percebeu a presença desconfortável do Kevin do outro lado da rua. O menino, de Itaboraí, ficou com medo nesse momento. Será que perseguia, sem motivos, um bandido?
O rapaz desconhecido acabou de beber o refrigerante e seguiu andando. Apertou o passo, estava visivelmente com muita pressa. Olhava para o celular a todo o tempo. Kevin continuava andando, assim sem saber para onde iria. Corajosamente. Não sabia o que iria acontecer. Mas, foi assim mesmo. Foi andando, quando perdeu o cara de vista. Isso mesmo, perdeu de vista. Tinha muita gente. Estava em um parque de diversões. A essa altura seu pai e seu tio já deveriam estar preocupados, ele precisava voltar para a pousada. Quando resolveu deixar para lá a curiosidade em relação as atitudes do rapaz desconhecido e voltar para descansar para a prova que seria no dia seguinte. Já estava dando os primeiros passos na direção de sua hospedagem, todo mundo começou a correr dentro do parque. Começaram a gritar, Kevin olhava para os dois lados e não conseguia entender nada. O que estaria acontecendo. Não ouviu nenhum tiro, não via nada incomum. Somente as pessoas gritando e correndo de um lado para o outro.
Estava ali parado com cara de assustado, provavelmente. Quando viu correndo, lá do outro lado o cara desconhecido de casaco. Notou que tinha uma menina ao seu lado. Ele puxava seu braço. Ela fazia cara de que não queria ir. Olhava para trás, como se tivesse deixado alguma coisa importante ali. Kevin, não conseguia ir para casa. Estava assustado e curioso. Acho que mais curioso do que assustado.
Aos poucos as pessoas pararam de correr. E ele acabou descobrindo que o corre corre era por causa da roda gigante que soltou uma das cabines e ameaçava cair totalmente.
Ninguém se machucou. Foi apenas um susto.
Precisava voltar para a pousada, estava escuro. Não sabia voltar. Ligou seu GPS e seguiu seu caminho olhando para o seu celular, atentamente. Começou a andar rapidamente. Tropeçou, olhava para o telefone, seguia o GPS. Quando alguém o puxou pelo braço.
- Ei, está indo pra onde?
Que susto! Era seu tio. Estava procurando por ele, seu telefone não recebia nenhuma chamada ou mensagem. Estavam preocupados. Abraçaram-se.
Seu tio o levou para encontrar com seu pai em uma lanchonete. Comeram um sanduíche. Já devia ser nove da noite. Voltaram para a pousada. Kevin procurava em todos os cantos pelo cara do casaco. Afinal, a primeira vez que o encontrara foi na pousada. Não pensava na sua prova.
Estava subindo os degraus em direção ao seu quarto, sentia que alguém o observava. Olhou para cima. Era o rapaz, já sem o casaco que tanto incomodava o Kevin. O quarto dele era ao lado do seu. O garoto de Itaboraí continuou a subir as escadas. O rapaz fechou a porta batendo com força. Kevin foi para seu quarto e fechou a porta também. Deitou em sua cama e caiu em um sono profundo.

No outro dia, o dia da prova, pensava na redação. Precisava de uma nota muito alta para ingressar na universidade. Ficou preocupado, pela primeira vez desde que chegou àquela cidadezinha lembrou das recomendações que eu dei aos alunos durante o ano. Esqueceu do acontecimento de ontem.
Desceu para tomar café com seu pai e seu tio. Na outra mesa, o cara de casaco preto. Novamente.
Ficou apreensivo, precisava se concentrar para fazer a prova naquele dia, mas estava curioso. Ficava imaginando mil coisas. Quem era aquele sujeito? Um assassino? Um psicopata?
Deu a hora de fazer a prova. Estava tranquilo e confiante. Não tinha ido tão longe para não atingir seu objetivo. Faria a prova no terceiro andar da escola. Subiu as escadas. Lá em cima bebeu água e entrou na sala. Sentou em sua cadeira. Faltava uma hora para começar a prova.
Olhou para o lado quem sentava ao seu lado era o garoto da pousada. Ficou olhando para ele. Ele sabia que todo o tipo de gente faz o Enem. Mas aquele garoto estranho?
O cara o reconheceu. Ele ficou sem jeito. Fez um oi com a cabeça. Será que ele percebeu que foi perseguido? Kevin esperava que não. O garoto por sua vez perguntou de onde ele era? Kevin disse que de Niterói. Isso mesmo leitor, todo mundo que mora em Itaboraí diz que mora em Niterói quando é questionado. Itaboraí não é conhecido por quase ninguém. Até professor de geografia fica em dúvida.
Kevin curioso descobriu que o garoto suspeito não era assim tão suspeito. Era filho da dona da pousada e no dia anterior nada demais tinha acontecido. Contou a Kevin que estava com pressa para entregar um HD aos seus amigos e buscar sua namorada que trabalhava temporariamente no parque. Quando no meio do tumulto ela deixou cair a chave de sua casa, queria voltar mas o namorado não deixou. Kevin passou a entender porque ela estava com cara de aflita na hora da correria no parque. O garoto era um cara comum. Foi quando, intrigado, perguntou porque ele usava um casaco em um dia tão quente. O desconhecido sorriu. Gostava de usar casaco preto. Era roqueiro em uma banda. O HD que precisava entregar era com umas músicas que tinha gravado recentemente.
Deu a hora da prova. Fez o seu melhor.

O resultado ? Bem, ainda não sei. Mas posso voltar aqui pra contar quando souber.

Histórias que ouvi na escola.Onde histórias criam vida. Descubra agora