Desceu, pequeno declive. Entrou na ponte: metálica, corrimão de ferro já gasto, muito usada por pedestres e bicicletas, barulhenta, pois rangia com facilidade.
Essa unia a Parte Alta e a Parte Baixa.
Não soube explicar o frio que sentia, pois veio tão intenso, tão raivoso, obrigando-a a cruzar os braços e a levantar a gola do casaco com o intuito de cobrir a boca.
Caminhava de forma tranquila. Já havia passado por ela, a ponte, tantas vezes que não via mistério nenhum, novidade alguma, apenas um amontoado de ferro em formato de ponte.
Abaixo dela, os trilhos de trens, alguns vagões velhos e enferrujados estacionados. Ao fundo, no meio da estação, o grande relógio estilo Big Ben.
Porém, em dado momento, ficou apreensiva. O motivo: a neblina intensa, amedrontadora, fantasmagórica a cobrir praticamente tudo a sua volta. Não via mais a lua, nem o céu estrelado ou qualquer forma de vida. Apenas, uma luz acesa, lá, no castelinho lhe servia de guia.
Ao chegar ao meio desta, pequenos sussurros surgiam aqui e acolá. Acreditou ser o vento que, por vezes, ia e vinha tão rápido como chegara - como no antigo romance onde os ventos uivavam - Assim, continuou, cortando a neblina.
Em outro ponto, sentiu a ponte tremer, trepidar. Parou para observar se era verdade ou apenas uma impressão. Foi quando ouviu cascos de cavalos e imaginou se tratar de alguma carroça de um morador voltando para casa - sim, para ela eram cavalos, uns quatro - galopando com pressa -
Gostou, pois teria companhia. Encostou-se ao corrimão para dar passagem à carroça e depois a seguiria, imaginou.
No entanto, passados, aproximadamente, uns dez minutos, nada aconteceu. A suposta carroça nunca chegou e os cavalos nunca mais foram ouvidos.
- Que droga! – ciciou, pensativa, continuando o caminho. Acreditando que o medo tem destas coisas, nos faz criar e ver ilusões.
Após outros tantos minutos, o barulho dos cascos voltaram juntamente com os sussurros que, agora, lhe pareceram ser de uma mulher.
Um súbito medo lhe acompanhou. Sons de cascos e sussurros se misturavam. Vindos detrás de si, passando por ela, sumindo, porém não via nada.
A neblina tudo cobria, pensou.
- Ahh - gemeu, ao sentir o tecido fino se enroscar em seus tornozelos. Quanto mais se debatia, mais enroscada ficava. Assim, ao chão acabou totalmente inerte, presa, paralisada e o tecido parecia brotar da ponte. Desesperada, gritava. -Socorro!
Foi quando, observou que, no inicio da ponte, dois pontos brilhantes se aproximavam; piscando e apagando. E com eles, novamente, o som dos cascos e os sussurros fúnebres que gritavam: castelinho! castelinho!
A neblina criou vida e, em meio ao nevoeiro denso, formas fantasmagóricas se formavam e se desfaziam como pedestres a caminhar.
Um forte medo, um pânico, um terror nunca sentido. Jurou para si que quando se livrasse dessa situação, voltaria – voando - para casa.
E dona Carmem? Pensou. Bem, que os anjos a acompanhem! Perguntou e respondeu ao mesmo tempo em pensamento.
Lá vinha a procissão, tal o fervor das vozes a gemer. Essa multidão invisível vinha do lado da Vila Nova e seguiam rumo à parte baixa. E à medida que se aproximavam o medo dobrava. O coração disparou. Gotas de suor lhe molharam o rosto.
Foi quando próximo a sua face, viu as narinas flamejantes a piscar, pulsando terror.
Gritou, girou, esperneou. Estas, depois, lhe cheiraram as costas. Só aí percebeu que eram quentes, tão quentes como carvão em brasa, pois o tecido do casaco, no exato lugar, ficou chamuscado. As narinas sumiram, porém apareceu aquele capuz escuro, sem forma alguma, indefinido, sem detalhes. Colou em seu ouvido, gritando com a boca descarnada.
Em desespero, achou que a morte se aproximava. De repente, um forte bradar de seguidos latidos se fez ouvir ao final da ponte no lado da Vila Velha. As formas fantasmagóricas, perturbadoras se inquietaram e, num estalar de dedos, tudo sumiu.
Um profundo e estranho silêncio se fez notar.
Então, após minutos que, para ela, duraram um século, se levantou e correu. Correu como nunca na direção do cão, da Vila Velha, do Castelinho.
Enquanto o Big-Ben badalava.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Mistério da Neblina
Misterio / SuspensoCidade pacata, tranquila, interior de São Paulo, onde o novo e o velho conviviam. Vila Nova e Vila Velha separadas pela ponte que servia de passarela para a estação de trem. Na Vila Velha, o velho relógio estilo Big-Ben, construções seculares, v...