CAPÍTULO 5 - Dr. H. Heinz e o cão

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Estava ao chão quando, de maneira inesperada e rápida,   a porta se abriu

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Estava ao chão quando, de maneira inesperada e rápida,   a porta se abriu. A luz de dentro clareou cá fora e um enorme cão, Doberman, surgiu, absoluto como o Deus do lugar. Ao vê-lo, soube que era o mesmo  cão que havia latido para ela, minutos antes no fim da ponte. E, novamente,  com o aparecimento dele,  todos os seres, sons e barulhos estranhos desapareceram debaixo da forte, vigorosa e robusta neblina.

Porém, ele a encarava,  rosnando com ferocidade; dentes brancos, afiados como punhais, um demônio da Tasmânia.

- Visconde! – alguém chamou, porém o cão teimava em latir – Visconde! – novamente. – Visconde, entre! - berrou, voz jovem, diante da relutância do animal. O cão abaixou a cabeça e entrou, dando espaço para que Rachel também entrasse.

- Dr. Heinz, - apressou-se, ao vê-lo ali,  parado no hall de entrada, debaixo do grande lustre de cristal. - seu cão estava na ponte. – informou, pensativa.

- Ah, é! Ele costuma passear a noite. – indiferente.

- Sim! Ele estava latindo para....

- Eu sei! - interrompendo-a. - Ele costuma latir, acintosamente, para os mortos. – encarando-a, depois riu de estalo. Ela desejou dizer algo, porém o cão voltou a latir alto, nervoso. – Quieto, Visconde, deite-se! – outra pessoa ordenou. 

- É a Carmem, Dr. Helmut Heinz! –  de pronto. – Está prestes a dar a luz. Eu a deixei com a minha mãe, - ele só observava. – mas acho que devo lhe informar que tem algo ou alguém lá fora! –  tremendo de medo.

- É mesmo? - indagou.  - E o que poderia ser! – exclamou, com um pequeno sorriso de desdém, correndo para a janela, abrindo uma das cortinas. – Será que são pessoas vivas? - ironicamente. - Pois destas, eu morro de medo! – zombou,  olhos pequeninos, azuis, cobertos por pequenos óculos, armação fina.

– O senhor reparou na neblina? Na estranha neblina!

- Sim – abandonando a janela. – A neblina! Bem lembrado, pois antes de partirmos, vou te contar a história desse Castelinho. Venha!

- Desculpa, mas estou com pressa.

- Que pressa o quê! – acenando para que o seguisse. 

O cão correu para entrar também, sempre latindo, mas o médico fechou a porta no seu focinho. Na cozinha, colocou a chaleira ao fogo. 

- Vamos, sente-se! – mostrando-lhe a cadeira.  – Bem, a São Paulo Railway inaugurou nossa linha férrea, em 16 de Fevereiro de 1867. Esta companhia inglesa operava as estradas de ferro que realizavam o transporte de cargas. Logo, chegaram os ingleses para gerenciá-la e, com eles, vários imigrantes e migrantes. A imponência deste Castelinho simbolizava a liderança e a hierarquia que os ingleses impuseram a toda a vila. Você já deve ter notado que esse Castelinho é avistado de qualquer ponto do Vilarejo, né?

Ela apenas consentiu com a cabeça.

- Dizia-se que, de suas janelas voltadas para todos os lados, o engenheiro-chefe fiscalizava daqui, do alto, a vida de todos os seus subordinados, não hesitando em demitir qualquer solteiro que estivesse nas imediações das casas dos funcionários casados. – de novo o ar irônico, olhando por debaixo dos óculos. - O engenheiro responsável nessa época e o primeiro morador desse Castelinho foi o Senhor Martin Jones Smith. Ah, sim! – exclamou quando a chaleira, feita criança faminta, berrou no fogão.

- Porque eu preciso saber dessas coisas? Vamos! - levantou-se. – Carmem está sofrendo. Logo, logo dará a luz. Se é que já não deu. Vamos!

- Calma – disse o médico. – Calma. - repetiu – Sente-se! - ela obedeceu. - Onde estava mesmo...- pondo a sua frente, a xícara de chá. - Vamos, tome! Vai te acalmar. - sentando-se em seguida. -  Ah, me lembrei! Então, quando o inglês Martin John Smith chegou aqui, nos idos de 1867, mais ou menos; já era viúvo. Veio com a única filha, à menina Smith, como a chamavam e a governanta: Miss Clarence Jones, solteirona, bem alta, magra, refinada e preconceituosa. Diziam que odiava a classe operária da qual pertencia. Aqui contrataram uma empregada, tão fiel a Miss Jones que, de Senhora Moredo, passaram a chamá-la de "Senhora Cachorrinho" – sorriu.

Ela bocejou.

- Calma. Isso ficará muito interessante. – concluiu,  após esboçou vago sorriso. – Bem, Miss Clarence tratava a filha do patrão como se fosse sua. Logo, a menina Smith aprendeu enfermagem. Era ótima na profissão. O médico da época confiava muito nela. E,  por ser um irresponsável, acabou ficando com ela, entre outras funções, quase todos os partos da região. Muitas crianças nasceram por suas mãos. História linda, não é mesmo! – tomando um longo gole de chá.

- O médico da época quem era? – perguntou.

- Um beberrão qualquer. Ficou desgostoso com a morte da esposa e do filho pequeno e veio para cá,  se esconder do mundo. Ele socorria a todos, principalmente os que não podiam pagar. O povo daqui o chamavam de Sr.  51.  Esse povo é muito engraçado! Costumar rir de tudo.  Bom hábito.  -  baixinho, roliço como um porquinho, branco como a neve e ares curioso de um moleque. Porém, eram os seus olhos tristes, muito tristes, disfarçados pelo ar irônico, o que mais predominava nele.


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