Rosa Branca

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OI GALERA!
Bem vindos a essa minha shortstory, em 8 capítulos, escrito para o desafio 03 do SuspenseBR. Todo essa história é baseada na música Sacrifice, da Zella Day.
Abraço, e espero que gostem!

PARTE 01: ROSA BRANCA

Sempre detestei velórios.

Lembro que o primeiro que fui foi quando minha avó morreu. Minha mãe assoava e fungava sem parar ao meu lado, com um lenço umedecido em mãos, que tocava seu rosto a cada segundo. Meu pai permanecia mais atrás, com seu terno totalmente negro e os óculos escuros.

Era estranho o fato de que algumas famílias só se viam em momentos como aquele, como era o caso da minha. Havia ali tios e tias que não via a anos, e aquela tristeza profunda afetava até mesmo a mim, que não passava de uma criança.

– Justin, querido, despeça-se da vovó Nancy. – Minha mãe havia pedido naquele dia, com a voz chorosa.

Eu caminhei até o caixão fechado com a mão de minha mãe em meu ombro. Lembro de beijar a rosa branca e jogá-la na vala em que o corpo de minha avó seria enterrado.

Naquele dia, era o meu aniversário de 9 anos.

Agora, por ironia do destino, no meu aniversário de 18 anos, mais uma vez, eu estava no pequeno cemitério de Pensville.

No enterro da vovó Nancy, eu sentia tristeza e confusão. Hoje, era desespero e culpa. Observava os pais de Kath aos prantos, abraçados um ao outro, atrás inutilmente de algum consolo.

Acima do caixão, havia uma foto dela, com seu lindo cabelo castanho de mechas loiras, e aquele típico sorriso que ela dirigia a mim nas aulas de química. Seria estranho entrar naquele laboratório e não ter Kathleen Grimm como dupla.

O padre fez alguns pronunciamentos e o irmão mais velho de Kathleen falou algumas palavras. Os pais tentaram, mas a tristeza os impediu de terem forças para receber aqueles olhares e se despedirem da filha.

Olhei para a rosa branca em minhas mãos, igual a que minha mãe tinha me entregue, no enterro da vovó Nancy. Quando vi todos os presentes lançando as flores na vala, forcei-me a me aproximar e lançar aquela rosa branca, em uma despedida.

Senti um olhar queimar em minhas costas, e ao me virar, lá estava Skyler. Ela trajava um vestido negro até a altura do joelho, e seus olhos azuis estavam mascarados pelos óculos.

Caminhei em sua direção calmamente, e parei ao seu lado, encostado na árvore, sem falar nada. Skyler não se deu ao trabalho de virar o rosto para me encarar, apenas falou:

– Está vendo isso? A vadia não perde a chance de ser o centro das atenções. Típico de Kathleen. – Ela falou ceticamente, sem dar a mínima de estar a poucos metros de todas as pessoas que se importavam com a falecida.

– Será que você não se sente nem um pouco culpada?! – Tentei controlar meu tom de voz, a fim de não chamar atenção. – A garota morreu, Skyler! Por nossa culpa!

A morena pôs o indicador sobre os meus lábios e olhou por um segundo para a multidão, como se certificasse de que ninguém havia escutado.

– Sabe Justin, se você fosse assim tão descente, não teria feito o que fez. – Ela lançou seu veneno, claramente não se sentido nada culpada. – Kathleen caiu em uma vala, bateu a cabeça e se foi. Trágico. Fim. – Ela colocou a mão na minha gravata, e tentou ajeitar o nó. – Nem pense em abrir a boca, porque se eu cair, eu te levo junto comigo.

Skyler terminou de arrumar o nó da minha gravata e beijou minha bochecha, em uma falsa afeição. Depois disso, começou a se afastar.

– Ah, e eu e a Rovers estamos fazendo uma festa em memória da nossa doce Kathleen. Apareça lá amanhã. – Ela sorriu falsamente e continuou a se afastar, até sumir do meu campo de visão.

Continuei ali, naquela sombra, observando a família de Kath receber os pêsames de todos os presentes, seguido de um abraço apertado. Lentamente, me aproximei da fila, e ao chegar a minha vez, fiquei cara a cara com a mãe de Kathleen. Não pude deixar de perceber a semelhança entre as duas.

Percebi que ela tentava reconhecer meu rosto, e ao ver que ela não obteve sucesso, me apresentei:

– Olá, senhora Grimm. Meu nome é Justin Doiley, eu era amigo da Kathleen. – Ela deu um sorriso triste. – Eu sinto muito.

Ela segurou minhas mãos e olhou fundo em meus olhos. Senti a culpa cair por cima de mim como pedaços afiados de granizo.

– Então, você é o Justin? Oh querido, minha Kathleen falava tanto de você. – A senhora Grimm deu um sorriso. – Ela ficaria feliz em vê-lo.

Eu dei um sorriso fraco.

– Meus pêsames. Kathleen era uma garota incrível. – Ela apertou minhas mãos mais forte.

– Obrigada, Justin, por ter vindo. Mande lembranças aos professores de Kathleen. – Eu assenti. Apertei a mão do pai de Kathleen e de seu irmão, Terrence.

Sem conseguir mais aguentar aquele ambiente, me despedi dos pais de Kathleen e fui embora.

Pensville era uma cidade pequena no interior da Virginia. Todos conheciam todos, e a notícia da morte de uma adolescente chocou aos moradores. E no dia do velório, Pensville virou uma cidade fantasma.

As poucas lojas estavam fechadas e o cinema sucateado da rua não trocava a imagem dos filmes em cartaz desde o ano passado. Havia afrouxado o nó forte que Skyler tinha dado e carreguei o paletó por cima do ombro.

Andando de bicicleta pela ciclovia, vi a cidade passando ao meu lado, até que dobrei na rua da minha casa. Guardei-a na garagem e entrei pela porta que dava conexão pela cozinha, e vi minha mãe alimentando minha irmã pequena.

– Olá, querido. Como foi? – Ela perguntou, concentrada em fazer minha irmã Sally comer aquela papinha.

– Terrível. – Desabafei, abrindo a geladeira e tomando o leite direto da caixa.

– Foi mesmo. Pobre menina. Tão jovem. Vocês eram muito próximos? – Engasguei-me de imediato. – Querido? Justin!

Minha mãe correu em meu auxílio e começou a bater nas minhas costas.

– Justin! – Quando parei de tossir, ela suspirou aliviada. – Tome cuidado! Sabe que sou traumatizada com engasgos!

– Foi mal, mãe. – Sorri sem graça. – Cadê o pai?

– Naquele barracão velho do quintal. Trabalhando naquela maquete horrível. – Minha mãe contou, não muito animada. – Acho que ele prefere aquela coisa a nós.

Eu dei uma risada. Minha mãe era exagerada demais. Chegava a ser cômico.

– Justin, querido, faça um favor a sua mãe e leve o lixo para a fora. – Ela parecia estressada demais para que eu recusasse.

Peguei as duas sacolas  pesadas e as levei até os fundos da casa, onde ficava o latão de lixo. A cidade ainda estava meio morta, e não havia ninguém na rua.

Quando escutei um barulho, olhei para trás e não havia ninguém. Bastou virar-me para frente de novo e ouvi novamente. Mais uma vez, não tinha nada.

– Mãe? Pai? – Chamei, na esperança que fosse algum dos meus pais. Ninguém respondeu.

Quando abri a lata de lixo, derrubei os sacos negros e o barulho dos vidros que estavam lá dentro se estilhaçando no chão invadiram meus tímpanos.

Lá dentro, estava a rosa branca. A rosa branca que eu havia lançado no túmulo de Kathleen.

– Mas que porra...

Do outro da rua, uma garota de vestido branco caminhava apressada pela calçada deserta.

– Kathleen? – Meu corpo tremeu dos pés a cabeça.

Corri para o outro lado da rua, quase sendo atropelado por um homem ranzinza.

– Quer morrer, imbecil?! – Mesmo quase morrendo, corri pela calçada oposta e virei a rua, mas não havia mas ninguém.

Skyler disse que inventou todo aquele trote porque Kath era indigna.

E agora, eu me sentia indigno de sua piedade.

IndignaOnde histórias criam vida. Descubra agora