Parte 05: Bosque dos Sussurros
A capa do jornal do dia seguinte era a imagem da Casa Grande dos Grimm destruída. Não apenas nos jornais, mas por toda a Pensville. Como eu havia dito, em uma cidade pequena,qualquer acontecimento não rotineiro vira notícia.
Alguns supersticiosos passaram a dizer que a cidade estava amaldiçoada. Outros, mais céticos, diziam que um psicopata estava rodeando Pensville. Maldição ou assassino, a prefeitura teve de tomar alguma providência.
– Está vendo isso aqui, Justin? – Minha mãe tomou o jornal do meu pai na hora do café, sem se importar se ele estava lendo ou se Sally estava jogando sua comida pela janela. – Toque de recolher. Todos os adolescentes de Pensville devem estar em casa às dez. Se não me escutar, é bom que escute os policiais agora.
– Querida, dê um tempo a ele. – Meu pai, sempre calmo, intercedeu por mim, e minha mãe cruzou os braços.
– Claro, Malcolm. Você sempre mimando e passando a mão na cabeça dele. É por isso que ele não aprende e vive fazendo besteira. – Como havia aprendido desde os oito anos, discutir com minha mãe não adiantava, o melhor era apenas ignorá-la enquanto comia.
– O que me lembra, Justin. – Meu pai também praticava essa técnica de ignorar a mamãe constantemente, talvez até mais que eu. – Hoje, a prefeitura fará uma reunião com os paz para falar desses atentados aos jovens, então, ficará em casa e tomará conta da sua irmã.
– Eu? Qual é, não podem arranjar uma babá? Tenho um teste pesado de trigonometria amanhã. – Menti, criando qualquer desculpa para fugir desse serviço miserável.
– E por que eu e seu pai pagaríamos uma babá se você vai ficar em casa? Vamos lá Justin, Sally também é sua responsabilidade. – Estava pressentindo que se eu não concordasse, minha mãe começaria um discurso de integridade e união familiar ali mesmo.
– Tá. – Girei os olhos, aceitando contra a minha vontade. Minha mãe sorriu e me beijou a testa.
– Esse é o meu juju. – Corei no mesmo instante, odiava quando ela me chamava assim.
– Preciso ir pra aula, tudo bem? – Tomei o resto do meu suco em um gole e fui pegar minha mochila no quarto, logo me dirigindo à garagem e pegando minha bike para ir até a escola.
Montando na minha bicicleta, desci a rua até finalmente chegar a escola. Como era de se esperar, o clima de cemitério que havia se instalado, principalmente entre o time de futebol, era mais do que sepulcral. Sussurros e mais sussurros nos corredores, com especulações do que poderia acontecido, sendo relatadas das maneiras mais improváveis.
A chegada de Jenny Miles ao corredor dos armários só fez piorar. Desde que ela chegara ali, ninguém havia tomado a coragem de se aproximar ou tentar algum contato, talvez pela sua semelhança com a falecida Kathleen.
– Talvez ela seja um fantasma.
– Será que ela aparece em fotos?
Esses foram alguns dos muitos comentários que ouvi no corredor enquanto passava. Porém, estaria mentindo se não admitisse que também tinha as minhas dúvidas. Em suas teorias malucas, todos os alunos tetavam encontrar conexões entre os que haviam sido atacados, e até agora, ninguém havia tido muito sucesso.
Bom, eu sabia bem. Todos os que foram atacados, desde a rosa branca em minha lixeira até o soterramento de Daine na casa grande, estavam envolvidos no trote de Kathleen.
A minha maior angústia era o porquê de apenas eu ter recebido um aviso e não o troco pelo que fiz.
Era bem simples.
Foi a primeira frase que Skyler me disse quando topei tudo aquilo.
– Você quer ser arquiteto como seu pai. Fofinho. – Skyler resmungou, em seu tom falso. – Se conseguir uma bolsa pelo time de futebol, pode conseguir isso.
– Posso? – Perguntei, com alguma esperança.
Era um fato que meus pais não tinham dinheiro para me bancar em qualquer faculdade, e aquilo era um grande problema para meu futuro. Para mim, sobravam apenas as bolsas totais que algumas instituições de ensino superior forneciam, em maioria aqueles envolvidos em esportes. Metade do time de futebol de Pensville contava com essas bolsas através dos olheiros das universidades, que espreitavam as partidas estaduais como predadores prontos para o ataque.
– Sim. Mas pra isso... Eu preciso te aceitar. – Skyler disse, encarando suas unhas.
– Quê? Mas você nem do time de futebol faz parte.
Foi uma pergunta boba, eu sei. Não era segredo pra ninguém as quantias generosas de doações que os pais de Skyler faziam a Pensville High, seja na parte acadêmica, seja na esportiva. Seu dinheiro, somado à sua popularidade, a davam carta branca para praticamente tudo, como colocar Daine, seu namorado, como capitão do time, mesmo que houvesse claramente outros com mais talento.
– Basta uma ligação pro meu papai, e aí, Justin, você está no time. Posso fazer até melhor, e conseguir que um olheiro de Duck possa te olhar com mais carinho, se é que me entende.
Lembrar da culpa que invadiu o semblante de meus pais quando disseram que não poderiam me bancar foi um combustível para minha decisão.
Eu suspirei fundo e perguntei:
– O que você quer em troca?
Skyler bagunçou meu cabelo loiro e deu um sorriso dissimulado.
– Você é indigno, sabe disso não é Justin? Bom, Kathleen também é. E ela quer ser digna. Dois indignos, para uma vaga.
– Dá pra parar de falar em enigmas? – Pedi, sem muita paciência.
– Tudo bem. Serei mais direta, queridinho. – Ela respondeu, chateada por eu ter cortado seu clima de suspense. – Kathleen conseguiu, não sei como, entrar para as Rovers, e eu não a quero dar uma lição, e você será minha isca. Ela tem uma queda por você, é perceptível isso.
Eu arregalei os olhos. Como assim queda por mim? Eu não era popular, nem musculoso, nem decidido, nem sedutor, e meu sobrenome era Doiley. Tem coisa que defina mais um panaca do que ter sobrenome DOILEY?
– Eu e as Rovers daremos uma lição nela. Sozinhas. Tudo que precisa fazer é atraí-la ao bosque dos sussurros, no limite da cidade. Será que consegue?
Magoar alguém não era algo que eu me veria fazendo, já que sempre me disseram desde pequeno para não fazer ao outro o que não gostaria que fizessem a você, mas era o meu futuro, meu tão sonhado futuro, que estava em jogo.
– Pode deixar.
Eu não poderia imaginar que me arrependeria tanto de proferir uma frase.
– Oi estranho. – Levei um susto por um segundo, ao ouvir uma voz atrás de mim e olhá-la através do espelho que havia na porta de meu armário e ver Kathleen. Mas não era. Era apenas Jenny Miles, sua sósia.
Nada assustador.
– Ah, oi.
– Pode me emprestar seu livro de biologia? Eu esqueci o meu e você é o único com quem eu tenho o mais perto de uma amizade nesse ciclo de lunáticos. – Dei um sorriso fraco, pegando meu material e a entregando. – Valeu, Doiley.
Ela bateu de leve em meu ombro quando se afastou, e uma corrente elétrica percorreu meu corpo.
– Ah! – Levantei minha cabeça quando a vi parar no meio do corredor. – Você sabe onde é o bosque dos sussurros?
Se eu estivesse bebendo alguma coisa naquele instante, com certeza teria cuspido naquele instante.
– S-sei... – Respondi, mais do que amedrontado.
– Pode me levar lá no fim da aula? Minha mãe falou de uma erva curativa que tem lá. – Tudo que consegui fazer foi assentir, ainda tremendo como vara verde. – Bom, valeu! Até depois.
O Bosque não era chamado de Bosque dos Sussurros a toa, e naquele instante, algo sussurrava em mim, em um bizarro e sombrio deja vùr.
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Indigna
Misterio / SuspensoEra para ser apenas um trote. Skyler disse que Kathleen era indigna de fazer parte das Rovers, o grupo de líderes de torcida da Pensville High. Tudo era muito planejado. O que não foi, foi a morte da garota. Na mesma semana, Justin, cúmplice das...