Sally Doiley

49 12 0
                                    

Parte 06: Sally Doiley

No centro de Pensville, havia aquele maldito relógio que tocava estrondosamente quando o sol sumia no horizonte.

Nossos professores de história sempre nos disseram que aquele relógio era mais antigo que a própria cidade, tendo ela nascido aos arredores dele. Um dos primeiros livros de estudos sociais que recebi tinha o maldito relógio na capa.

E com os recentes acontecimentos, esse relógio me dava arrepios.

Vamos seus maricas, já pros chuveiros, vamos, vamos! – Ainda no banco do ginásio, esperando a minha hora para a aula de natação, formulava em minha mente um jeito de fazer Kathleen me acompanhar até lá.

Mas tudo acabou indo mais fácil do que pensei.

Quando estava atravessando o local para ir até os chuveiros e me preparar para entrar na água, senti um par de olhos me observando. Dentro da piscina, lá estava Kathleen, com seu sorriso tímido. Tentando copiar os galãs charmosos dos filmes, dei um meio sorriso, que pra mim mais pareceu o retorcimento de lábios que meu avô fazia quando estava com diarreia.

Felizmente, com Kathleen parecia ter funcionado.

Quando havia me molhado na ducha, e me preparava para entrar na piscina, Kathleen estava deixando-a com as outras meninas. Dei outro sorriso pra ela (dessa vez, pareceu mais um sorriso), e usando toda a minha coragem, segurei em sua mão.

Ei, Kathleen. – Ela se virou para mim, mostrando seu rosto ruborizando. Seu olhar desceu por um instante para nossas mãos que se tocavam.

O-oi, Justin. – Respondeu, tímida e sem graça.

Pode me esperar, depois da aula? Eu queria te... perguntar uma coisa. – O rosto de Kathleen se iluminou por um segundo, e assentindo, deu um último sorriso e se despediu, com grandes expectativas em mente, essas que nunca foram atendidas.

Os olhares de todos que passavam eram curiosos e acima de tudo, inquisidores. Andar pelas ruas de Pensville, ao som do relógio das seis horas, com uma garota idêntica à falecida Kathleen, trazia medo e curiosidade por parte de muitos. Mesmo com todas aquelas pessoas nos distribuindo olhares nada discretos, Jenny os ignorava com maestria, contando e relatando coisas de sua vida na cidade grande.

– Meu pai trabalhava em uma empresa lá em nova York. Não deu muito certo, estamos aqui. Mas não me entenda mal, gosto desse clima de cidade pequena e tudo, mas esse hábito super indiscreto de ficar falando e reparando na vida de todo mundo é meio panaca. – Ela falava mais sozinha do quê comigo. – Claro, aparência é um negócio louco. Tipo, tinha essa professora minha, que ela era a cara de uma atriz pornô, mas isso não foi motivo pra ficarem sussurrando e excluindo a coitada. Fala pra mim, essa Kathleen era tão ruim a ponto de todo mundo me ignorar por parecer ela?

Jenny parou de andar e me fitou, como se esperasse a resposta. Estávamos em baixo do relógio municipal e o tilintar de seus ponteiros estavam me deixando ainda mais nervoso do que já estava.

– Não é isso, é que... – Tentei olhá-la nos olhos. – É que você não parece com a Kathleen.

– Não?

– Não. Você é idêntica a ela. – Disse, com todo o peso da minha culpa recolocado em minhas palavras.

Depois da aula de natação, deixando a Pensville High, com o coração prestes a deixar o peito, via, de forma discreta, as Rovers me observando. Arin fingia estudar no gramado e me dava olhares incisivos. Christa havia deixado a janela da sala do segundo andar aberta propositalmente para me assistir fazer o que Skyler queria. Do outro lado da rua, Daine tinha os vidros de seu carro abertos para que visse cada movimento meu. E finalmente, fingindo que esperavam seus motoristas, estavam Skyler e sua favorita das Rovers, Adeline.

Sentada em uma mesa do pátio, lá estava Kathleen. Ela escutava algo em seus fones e assim que me viu, acenou e sorriu. Sorri de volta, correndo até ela, tentando ignorar os olhares que nos observavam, na esperança de parecer o mais normal possível.

O que está escutando? – Sem pedir permissão, roubei um dos fones e coloquei em meu ouvido, sentindo uma linda melodia passar por meu tímpano. – Que música é essa? Nunca ouvi. – Dei um sorriso.

Kathleen corou por um segundo, me olhando como boba por um instante. Skyler estava certa. Ela gostava mesmo de mim! Por um segundo, me senti bem comigo mesmo. Era uma sensação boa, sentir que alguém tinha interesse em você.

Isso é porque fui eu que compus. Eu toco violino.

Era apenas um instrumental, de vários instrumentos diferentes, dando um destaque maior ao violino.

Caramba, sério? Você leva jeito.

Obrigada. – Ela repetiu. – Então, o que queria falar comigo?

Foi a minha vez de corar. Olhei para os lados para ter certeza (mesmo não tendo) de que ninguém nos escutava, e falei de uma vez, sentindo um aperto no peito.

Queria saber se você gostaria de sair comigo.

Foram alguns metros de caminhada em um silêncio constrangedor. Parecia que o peso das minhas palavras tinha atingido Jenny de uma maneira que a deixou incapaz de responder.

Quando pensei em tentar romper aquele clima pesado que tinha se formado, meu celular tocou. Jenny parou de andar e me observou retirar o aparelho do bolso e o por no ouvido.

– Alô?

Justin, é a sua mãe. Eu estou saindo do trabalho agora. Sua comida e da Sally está no forno. – Senti meu sangue gelar. Meus pais iriam sair. Eu ia tomar conta da minha irmã. E tinha esquecido de pegar ela na creche. – Justin, por quê o silêncio?... GAROTO SE VOCÊ TIVER ESQUECIDO SUA IRMÃ NA CRECHE...

– O quê? – Eu ri de nervoso. – Que é isso, mãe, claro que não. Ela tá aqui do meu lado!! hehe...

Ah, é mesmo? Então me deixe falar com ela. – Senti que já poderia morrer naquele instante.

– Opa mãe... A ligação tá cortando... Tá terrível... Tá caindo... – Fingindo que tinha sido falha na ligação, desliguei na cara da minha mãe.

– Algum problema? – Jenny quis saber.

– Eu... Preciso ir. O Bosque é ali na frente, desculpa, mas eu preciso ir, tchau! – Sem esperar uma resposta, saí pedalando o mais forte e rápido que pude em minha bike, na direção da creche que Sally frequentava.

Fazia horas que o expediente da creche havia terminado e tive de implorar que abrissem a porta. Na sala onde ficavam as crianças, encontrei apenas a professora da minha irmã, arrumando uma porção de brinquedos na caixa.

– Com licença. – Chamei-a. – Eu sou o irmão da Sally. Vim buscá-la.

A professora fez uma cara de confusa.

– Como assim? Sally já foi embora. Uma garota buscou-a. – Meu coração falhou uma batida.

– Uma garota? Que garota?! – Tentei manter meu tom de voz calmo, sem muito sucesso.

– Cabelo castanho, mais ou menos dessa altura. – Ela esticou o braço na altura do ombro para estimar os centímetros da visitante. – Ela falou até o nome... Calma... Oh sim! Disse que era namorada do irmão dela. Kathleen! Isso mesmo! O nome dela era Kathleen.

IndignaOnde histórias criam vida. Descubra agora