First Chapter: ❝The Escape❞

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Rosé está na cozinha, pensando.

Tem as mãos úmidas. Treme. Bate o pé, nervosa, no piso de azulejos rachados. É cedo. O sol ainda deve estar surgindo no horizonte. Ela observa a luz parca clarear as pesadas cortinas pretas e pensa:

Isso foi a neblina.

As crianças dormem sob a grade de arame coberta com tecido preto, no fim do corredor. Talvez tenham escutado a mãe alguns momentos antes no quintal, de joelhos. Qualquer barulho que ela possa ter feito com certeza passou pelos microfones e chegou até os amplificadores ao lado de suas camas.

Ela olha para as mãos e detecta um brilho sutil à luz da vela. É, estão úmidas. O orvalho da manhã continua fresco sobre elas.

Na cozinha, Rosé respira fundo antes de soprar a vela. Ela observa o pequeno cômodo, notando os utensílios enferrujados e a louça rachada. A caixa de papelão usada como lata de lixo. Algumas das cadeiras que só se mantêm inteiras amarradas com barbante. As paredes estão sujas. Marcas dos pés e das mãos das crianças. Mas há manchas mais antigas também. A parte inferior das paredes do corredor mudou de cor por causa de manchas de um roxo profundo, que foram ficando amarronzadas com o tempo. São de sangue. O carpete da sala de estar também não recupera a cor original, não importa quanto Rosé o esfregue. Não há produtos na casa para ajudá-la a limpá-lo. Muito tempo atrás, Rosé encheu baldes com água do poço e, vestindo um paletó, tentou tirar as manchas da casa inteira. Mas elas se recusaram a sair. Até as menos persistentes se mantiveram, talvez uma sombra do tamanho original, mas ainda eram horrivelmente visíveis. Uma caixa de velas esconde uma mancha no hall de entrada. O sofá da sala fica posicionado em um ângulo estranho para disfarçar duas marcas que, para Rosé, parecem cabeças de lobo. No segundo andar, perto da escada do sótão, uma pilha de casacos mofados camufla riscos roxos entranhados no pé da parede. Três metros à frente fica a mancha mais escura da casa. Rosé não usa aquela parte na extremidade do segundo andar porque não consegue passar por ali.

Um dia, esta já foi uma bela casa em um belo bairro dos arredores de Busan. Um dia, ela foi segura, perfeita para uma família. Há apenas cinco anos, um corretor de imóveis a teria exibido com orgulho. Mas, nesta manhã, as janelas estão tapadas com papelão e tábuas de madeira. Não há água corrente. Um grande balde de madeira está apoiado na bancada da cozinha. Exala um cheiro ruim. Não há brinquedos convencionais para as crianças. Pedaços da madeira de uma cadeira foram entalhados na forma de pequenos bonecos. Pintaram rostinhos neles. Os armários estão vazios. Não há quadros nas paredes. Fios passam por baixo da porta dos fundos e chegam até os quartos do primeiro andar, onde amplificadores alertam Rosé e as crianças para qualquer barulho que venha de fora da casa. Os três vivem assim. Ficam bastante tempo sem sair. E, quando saem, estão vendados.

As crianças nunca viram o mundo exterior à casa. Nem pelas janelas. E Rosé não o vê há mais de quatro anos.

Quatro anos.

Ela não precisa tomar a decisão hoje. É outubro em Incheon. Está frio. Uma viagem de trinta e dois quilômetros pelo rio vai ser difícil para as crianças. Talvez ainda sejam muito pequenas. E se uma delas cair na água? O que Rosé faria, vendada?

Um acidente, pensa ela. Que horror. Depois de tanta luta, de tanta sobrevivência, de tantas perdas... Morrer por causa de um acidente.

Rosé olha para as cortinas. Começa a chorar. Quer gritar com alguém. Quer implorar a qualquer pessoa que possa ouvir. Isso não é justo, diria. É cruel.

Ela olha por cima do ombro para a entrada da cozinha e para o corredor que leva ao quarto das crianças. Naquele cômodo sem porta, seus filhos dormem profundamente, cobertos por um tecido preto, escondidos da luz e da vista. Não se mexem. Não mostram sinal algum de estarem acordados. Mas talvez estejam escutando a mãe. Às vezes, por conta de toda a pressão que sofrem para prestarem atenção aos sons, por toda a importância que depositou nos ouvidos deles, Rosé acredita que os dois são capazes de ouvi-la pensar.

Caixa de Pássaros ∞ chae+lisaOnde histórias criam vida. Descubra agora