CAPÍTULO VII

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Já haviam se passado duas semanas do fatídico dia em que fui abusada. Foram as duas semanas mais longas da minha vida, as mais aterrorizantes, as mais incertas, além de com certeza, serem as mais dolorosas.

Não bastou ter sido abusada, ser humilhada, ainda precisei encarar uma delegacia cheia de homens sem nenhuma mulher pra fazer o exame de corpo de delito, ter meu relato questionado de várias maneiras, além de ter que repetir meu depoimento por inúmeras vezes pois não acreditavam em mim e queriam achar uma falha, ainda fui deixada de castigo sem nenhum contato fora de casa.

Pois é meus amigos, meu pai e minha mãe praticamente invadiram a casa dos Carvalho. Vou explicar, pelo que Caio me contou depois por uma carta que enviou para mim através do meu irmão, o rapaz que me agrediu chama-se Breno, é um estudante de Economia, colega de Sebastian mas não amigo. Caio foi quem me achou deitada na cama de Sebastian com as roupas rasgadas, em estado catatônico. Conseguem visualizar minha vergonha? Vergonha por Caio ter me visto nua, num estado deplorável, por ter sido humilhada sem poder me defender. Enfim, Caio escreveu que Breno estava saindo do quarto quando ele passava para descer pra sala, e foi quando com o rabo do olho me viu. Breno estava bêbado mesmo, parece ser um cara sem antecedentes e nunca tinha feito nada do tipo. Sempre tem uma primeira vez.

Caio bateu nele antes de me pegar, Sebastian chegou logo atrás, depois Gabriel e Laura, parece que todos bateram no rapaz e ele foi linchado para fora, sem terem chamado a polícia, o que acabou dificultando que achassem ele depois.

Fui levada para casa de Caio com uma camisa larga de Sebastian, no carro do tio Gustavo, que precisou ligar para meus pais assim que nós chegamos.

Logo depois eu acordei e vocês sabem o que aconteceu... O que não sabem, é que meus pais entraram na casa de Caio aos berros, meu pai clamando por mim com uma raiva que jamais vou esquecer e minha mãe chorando. Nunca tinha visto ela chorar tanto, parecia que tinha sido ela no meu lugar. E eu, só queria o colo da minha irmã.

Depois da chegada deles, fomos todos pra delegacia, fui levada para o hospital depois e meus pais me proibiram de ver Caio até eu estar morando na minha própria casa. Não só Caio, como todos meus amigos.

Meus exames de sangue deram todos negativos, o que me deu um certo conforto. Estou sem ir a aula, meus pais me obrigaram a estudar em casa, contrataram uma professora e estão brigados com os Carvalho, como se eles tivessem feito algo terrível. Minha mãe inclusive cogitou a ideia de sair do trabalho para não precisar encontrar com a tia Ticiane, o que logo foi deixado de lado ao pensar que ficaria em casa com os filhos.

Minha irmã não teve autorização dos meus pais para entrar em casa, mas meu irmão contou tudo pra ela, que me mandou uma carta e à dois dias atrás, entrou aqui com uma peruca para despistar os guardas com a ajuda de Julieta, que sabe da importância da minha irmã na minha vida e principalmente depois de um momento como esse.

Tio Gustavo foi peça importante para eu não enlouquecer. Tem feito sessões de terapia comigo via Skype, enquanto meus pais estão trabalhando. Tenho um trato com a Julieta, que ficou incumbida da tarefa de não me deixar sair de casa, pegar o telefone ou qualquer aparelho que me forneça acesso ao mundo externo, de que precisava fazer essas sessões se não ficaria louca e precisaria ser internada. Sei que não precisava disso tudo, Julieta me conhece praticamente desde que nasci e achou um absurdo o que meus pais estão me fazendo passar depois de tudo e me traz inclusive seu celular pra eu acessar minhas redes sociais escondida e me consegue o computador de sua filha todas as terças e quintas, dias que tio Gustavo achou na sua agenda para me ouvir.

Minhas atividades extracurriculares foram todas canceladas. Não danço mais, não pratico nenhuma atividade física, mal consigo pegar um ar fresco na janela. Até isso eles tem medo, que alguém me veja na janela de casa e descubra que eu estou ainda aqui, ao invés de estar fora do país como eles andam espalhando por aí. Acho que eles acabaram ficando com mais vergonha do que eu pelo que aconteceu.

Fazem duas semanas que meu pai não fala comigo e minha mãe, só me pergunta se estou precisando de alguma coisa, sem ser capaz de me olhar nos olhos. Já falei diversas vezes que a única coisa que preciso é continuar minha vida normalmente, sem que eles me proíbam de viver. Mas nada adiantou. Até meu irmão tem restrições para me ver. Eu me sinto uma doente, com alguma síndrome muito rara e contagiante.

Escrevo em uma agenda velha todos os dias para aliviar a ansiedade e o sentimento de culpa. Sinto que isso tudo foi minha culpa, quando eu não deveria. Eu precisava ser amada nesse momento e o que estou recebendo é mais agressão, velada, mas ainda assim uma agressão.

A senhora Gabriela não vem para as aulas hoje, tem uma consulta médica muito importante e avisou no início da semana que não poderia vir, então hoje, estou de folga.

Estava terminando de fazer uma trança em meus cabelos quando ouvi três batidas leves. - Pode entrar. - Respondi sem desviar o olhar do espelho.

Julieta entrou com uma sacola e deixou em cima da minha cama, vindo em minha direção em seguida. Eu estava sentada em uma banqueta em frente do espelho ao lado da porta do banheiro, que é maior que eu em altura e fica de pé, sem estar apoiado na parede. Julieta parou atrás de mim passando a mão em minha trança.

-Você tem certeza querida? - Perguntou com receio.

-Tenho Jujuta. - Suspirei. - Vou falar que foi o Joca. Ele já está sabendo e concordou, disse não se importar se for castigado. - Falei com um pequeno sorriso tímido nos lábios.

Julieta respirou fundo, deu um beijo no topo da minha cabeça e só concordou com o olhar. Logo saiu do quarto me deixando só, com privacidade. Levantei e fui direto para a cama pegar a sacola. Uma tesoura de cabelo, duas caixas de tinta para cabelo e uma garrafa de descolorante.

Eu preciso deixar a velha Elisa para trás entende? Deixar a Elisa que se deixou levar e não lutou por sua vida onde ela merece ficar, no passado. Nada melhor que mudar o cabelo para esse primeiro passo.

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Dei uma boa olhada no espelho antes de criar coragem e abrir a porta para ir até a sala, para jantar. Ver aqueles cabelos jogados no lixo mexeu um pouco comigo, mas no final, eu gostei do comprimento e principalmente da cor. Meus cabelos agora tinham uma coloração parecida com chocolate e estavam um pouco mais longos do que eu queria ter cortado, ficando quase no meu ombro.

 Meus cabelos agora tinham uma coloração parecida com chocolate e estavam um pouco mais longos do que eu queria ter cortado, ficando quase no meu ombro

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Coloquei um vestidinho florido solto e fui para a sala. Meu pai e minha mãe terminavam de arrumar a mesa e Joca estava sentado já, esperando. Quando me viu, ele abriu um sorriso de orelha a orelha. Meu pai logo se virou e minha mãe repetiu o movimento. Conclui que ela não tinha gostado da mudança, já que deixou o prato cair no chão. Meu pai só fechou a cara.

-O que você fez com seu cabelo Elisa? - Ela perguntou em um soluço.

-Quem foi que te trouxe tinta? - Meu pai atropelou sua pergunta sem nem olhar nos meus olhos.

Respirei fundo e fui na direção deles. Hoje esse martírio tinha que acabar.

UM AMOR AO ENTARDECERWhere stories live. Discover now